EXAME questionou os candidatos à presidência sobre os desafios em política externa que o Brasil enfrenta. Veja a entrevista de Vera Lúcia, do PSTU
Crise na Venezuela, refugiados, integração latino-americana e Donald Trump são alguns dos desafios que o próximo presidente enfrentará em sua agenda de política externa, um tema que é frequentemente ignorado nos debates, mas extremamente relevante em um momento em que o cenário internacional se torna cada vez mais complexo.
EXAME – Como o seu governo pretende lidar com a imigração de venezuelanos para o Brasil e qual será a sua postura em relação ao governo de Nicolás Maduro, se eleita?
Vera Lúcia – Vamos receber nossos irmãos refugiados venezuelanos e garantir toda a infraestrutura que hoje não recebem, com moradia digna, saúde, educação, etc. Todos os direitos básicos. E garantir ainda trabalho, Previdência, enfim, todos os direitos que os brasileiros gozam, ou deveriam gozar, aqui dentro. Nossa posição em relação ao governo Maduro é a mesma dos trabalhadores que estiveram nas ruas para derrubá-lo e foram reprimidos e massacrados por aquela ditadura. Somos declaradamente a favor de sua derrubada, e também contra a direita pró-imperialista daquele país. Defendemos que os trabalhadores venezuelanos tomem o poder e decidam os rumos de sua própria vida.
EXAME – Atuar por uma maior integração com a América Latina será uma prioridade em seu governo?
Vera Lúcia – Nossa prioridade será por uma maior integração entre a classe trabalhadora da América Latina e do mundo.
EXAME – O narcotráfico é hoje uma das maiores ameaças à segurança nacional e é uma questão que não está dissociada da política externa, uma vez que envolve países vizinhos. Qual é a sua proposta para combater o tráfico internacional?
Vera Lúcia – A criminalização das drogas é o que alimenta esse bilionário mercado internacional. E isso retroalimenta todo um sistema corrupto com capilaridade entre todos os setores do Estado, inclusive nas forças de segurança. E quem lucra com isso são grandes capitalistas e o mercado financeiro, não a juventude pobre e negra das periferias e comunidades que acabam pagando o pato. Para resolver esse problema vamos descriminalizar as drogas, estatizar sua produção e distribuição, tirando o poder das organizações criminosas. E vamos pressionar para que os demais países façam o mesmo.
EXAME – O Mercosul e a União Europeia estão em negociação há anos por um acordo de livre-comércio entre os blocos. Qual é a posição da senhora sobre este acordo?
Vera Lúcia – A União Europeia é um bloco cujo objetivo é o de manter a hegemonia da Alemanha no continente, submetendo os demais países, principalmente os países da periferia como Grécia, Itália e Espanha, como vimos bem nos últimos anos. A fim de manter esse atual equilíbrio de Estados no continente, o governo de Merkel submeteu, com a anuência de seus respectivos governos, esses países a um novo patamar de exploração, com a destruição do Estado de bem-estar social.
Já o Mercosul é um bloco que existe para beneficiar a circulação de mercadorias das multinacionais neste continente. Não é, como diziam os governos petistas, uma alternativa aos demais blocos econômicos que beneficiaria os países latino-americanos, uma espécie de “Alca” de esquerda. Serve às multinacionais e ao imperialismo. Um eventual acordo entre Mercosul e União Europeia reforçaria ainda mais esse caráter. Somos a favor da unidade dos trabalhadores e dos povos da América Latina e do mundo. Não do capital e das multinacionais.
EXAME – Qual é a importância que o grupo dos BRICS terá em seu governo?
Vera Lúcia – A mesma que os demais países subordinados e dominados pelo imperialismo. Nossa aliança, porém, não se dará com os governos desses países, tal como o atual governo brasileiro, em maior ou menor medida, sócia-menor do imperialismo que atua para manter o regime capitalista, a exploração, a pobreza e miséria dentro de seus territórios. No caso da Rússia e da China, acompanhado por uma ditadura. Nossa atuação se baseará no internacionalismo, ou seja, na total solidariedade entre as classes operárias e a população pobre, explorada e marginalizada de todo o mundo.
EXAME – A guerra comercial entre China e Estados Unidos afeta o Brasil diretamente em diferentes segmentos. Qual será a sua estratégia lidar com a disputa comercial?
Vera Lúcia – A atual disputa comercial entre EUA e China reflete a brutal crise econômica que o mundo submergiu a partir de 2008 e que, até agora, não se resolveu. Trata-se de uma política do governo Trump que tenta reacomodar interesses da própria burguesia norte-americana. Mas essa é uma “guerra” que, na verdade, não expressa uma real dicotomia entre esses dois países, já que a China, no atual sistema de Estados, está totalmente submetida ao imperialismo norte-americano. E nesse sistema, o papel relegado ao Brasil é o de mero exportador de commodity, como soja, minério de ferro, etc. Papel que ganhou mais relevância no final do governo FHC e principalmente, durante os anos de governo Lula.
Estamos sofrendo um processo de recolonização da nossa economia, com uma desindustrialização relativa com a volta do papel que tínhamos na época de colônia. Nossa estratégia, nesse sentido, é a de romper com essa lógica. Reverter a recolonização do país através de uma segunda independência que, concretamente, significa romper com a dívida pública que canaliza grande parte de nossas riquezas ao sistema financeiro internacional, expropriar as multinacionais e o agronegócio, e proibir as remessas de lucros.
EXAME – O multilateralismo vem sendo colocado em xeque pelos Estados Unidos. A senhora é favor do fortalecimento das organizações multilaterais, como a ONU e a OMC? Ou pretende focar nas negociações bilaterais?
Vera Lúcia – Nem uma coisa, nem outra. Multilateralismo é um eufemismo para neoliberalismo e o avanço do capital, sobretudo o capital financeiro, pelo mundo. Acordos bilaterais e multilaterais, de uma forma ou de outra, vão neste sentido. Nossa luta é pela globalização da luta dos trabalhadores e dos povos do mundo contra o imperialismo, o capital financeiro e o predomínio das multinacionais.
Metodologia EXAME
As perguntas que compõem a entrevista deste especial foram compiladas com base em entrevistas realizadas por EXAME com especialistas em política externa de diferentes setores e organizações. Participaram embaixadores e empresários do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI) e pesquisadores de instituições como o Instituto de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), da Puc-Rio, da ESPM e das Faculdades Integradas Rio Branco.
A partir desse levantamento, a reportagem produziu sete perguntas para os candidatos que registravam ao menos 1% de intenção de voto segundo pesquisa Datafolha publicada em 22/08/2018: Luiz Inácio Lula da Silva (PT), agora substituído por Fernando Haddad (PT), Jair Bolsonaro (PSL), Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Álvaro Dias (Podemos), João Amoêdo (Novo), Henrique Meirelles (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), Cabo Daciolo (Patriota) e Vera Lúcia (PSTU).