Toffoli recebeu 58 votos dos 71 senadores, resultado que refletia as boas relações que construiu no Parlamento após quase quinze anos de atuação em Brasília
O ministro José Antônio Dias Toffoli, que assume nesta quinta-feira o comando do Supremo Tribunal Federal (STF), já tem planos para a próxima semana. Como chefe do Poder Judiciário, ele pretende se reunir na terça-feira seguinte, dia 18, com os líderes dos outros dois poderes, Executivo (presidente Michel Temer) e Legislativo (Eunício Oliveira, presidente do Senado, e Rodrigo Maia, presidente da Câmara).
Mesmo antes da posse, ele já teve contato em agosto com os três. Ao contrário da atual presidente, ministra Cármen Lúcia, que costuma encontrar com as outras lideranças da República pontualmente, em geral em momentos de crise, Toffoli quer estabelecer uma agenda regular de reuniões institucionais para discutir a agenda do país durante seus dois anos de mandato.
Uma das propostas é criar uma coordenadoria de grandes obras no Conselho Nacional de Justiça para destravar empreendimentos de infraestrutura paralisados por pendências judicias.
Se Cármen incorpora uma imagem de distanciamento entre a Justiça e o mundo político, que ganhou especial apelo nos últimos quatro anos marcados pela Operação Lava Jato, o novo presidente do STF é o oposto disso – sua trajetória até a mais alta Corte do país passou por anos de Congresso e Palácio do Planalto, em cargos ligados ao PT.
Essa proximidade ao longo da vida com políticos hoje investigados e, mais recentemente, suas decisões favoráveis a condenados como José Dirceu e Paulo Maluf geram desconfiança em parte da população – um abaixo-assinado online criado pelo jurista Modesto Carvalhosa contra sua posse no comando do Supremo soma mais de 400 mil assinaturas.
Já nos bastidores de Brasília a expectativa é que a experiência em todos os vértices da Praça dos Três Poderes contribuirá para reduzir as tensões que marcaram a gestão da ministra.
Sua histórica ligação com o PT não significa que a saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva da prisão esteja próxima. Pelo contrário: sem querer mexer em qualquer tema espinhoso em meio à eleição presidencial e no início de sua gestão, Toffoli já afirmou que as duas ações declaratórias de constitucionalidade (ADCs) que discutem a possibilidade de cumprimento da pena após condenação em segunda instância só irão a julgamento a partir de março de 2019.
A expectativa é que, quando o caso retornar ao plenário do STF, prevalecerá uma proposta intermediária defendida por Toffoli – o réu poderá ser preso não mais após a condenação em segunda instância, mas depois de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Se isso se confirmar, é possível que a mudança de entendimento do Supremo nem beneficie Lula, já que o recurso do petista contra a condenação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região no caso tríplex do Guarujá já está tramitando no STJ e pode vir a ser recusado antes do julgamento das ADCs.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, autor de uma dessas ações que visa impedir a prisão após a condenação em segunda instância, defende seu rápido julgamento, mas diz compreender a cautela de Toffoli.
“Em 35 anos advogando no Supremo, nunca vi um momento tão tenso. Acho que Toffoli vem se preparando nos últimos meses para assumir a presidência, já está contemporizando com os ministros. Ele é muito bom nisso, é agregador”, afirma.
Da fazenda de café ao coração da República
A BBC News Brasil ouviu pessoas que acompanharam de perto a atuação de Toffoli antes e depois de sua entrada no Supremo. Há uma grande convergência entre os entrevistados ao apontá-lo como habilidoso politicamente, moderado, que constrói diálogo entre grupos divergentes e tem uma atuação bastante pragmática, voltada para construir soluções jurídicas.
Nascido em 1967 em Marília, no interior de São Paulo, o ministro foi o oitavo de nove filhos em uma família de cafeicultores de renda média, descendente de italianos e bastante católica. Deixou a vida na fazenda para cursar direito na Universidade de São Paulo (USP) em 1986, início da redemocratização.
Uma de suas primeiras experiências profissionais foi como consultor jurídico no Departamento Nacional dos Trabalhadores Rurais da CUT (Central Única dos Trabalhadores), entidade ligada ao PT.
Logo depois, assessorou o petista Arlindo Chinaglia quando ele era deputado estadual em São Paulo em 1994. A experiência abriu as portas para Toffoli se tornar, no ano seguinte, assessor jurídico da liderança do PT na Câmara Federal. Durante cinco anos nessa função, apresentou, ao lado do outro assessor parlamentar do partido, Luiz Alberto dos Santos, diversas ações no STF questionando a constitucionalidade de decisões do governo Fernando Henrique Cardoso.
O bom desempenho levou os dois a ocuparem cargos na Casa Civil assim que Lula assume a presidência, em 2003. Toffoli virou Subchefe para Assuntos Jurídicos, função que lhe garantia despachos frequentes com o presidente para discutir matérias de interesse do governo.
“Sempre foi muito estudioso, aplicado, criativo e audacioso nas propostas. Tinha também muito bom humor no trato. Depois que entrou no Supremo, ficou mais reservado e circunspecto”, afirma Alberto dos Santos, hoje assessor legislativo no Senado e professor da FGV.
Um dos maiores conhecedores do Congresso, o diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), Antônio Augusto de Queiroz, também acompanhou de perto a trajetória de Toffoli até o STF. Ele diz que era característica dele levar o problema ao seu chefe – seja um parlamentar do PT ou o presidente Lula – sempre acompanhado de uma solução.
Quando estava na Casa Civil, foi fundamental, por exemplo, na formulação da medida provisória editada em 2004 que deu status de ministro ao então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, hoje candidato ao Planalto pelo MDB.
A mudança deu foro privilegiado a Meirelles e evitou que ele pedisse demissão, depois de ter sido alvo de denúncias de sonegação de patrimônio.
“Foi construção política do Toffoli. Ele era muito habilidoso. Ajudou o governo a resolver muitos problemas”, resume Queiroz.
Nomeação controversa ao Supremo
Após o escândalo do Mensalão, que derrubou José Diceu e tornou Dilma Rousseff ministra da Casa Civil, Toffoli optou por deixar o governo em julho de 2005, mas logo voltou para assumir a Advocacia Geral da União (AGU) no início de 2007.
Dali, saiu para virar ministro do Supremo em outubro de 2009 – sua indicação se deu nos instantes final do governo, em uma vaga aberta inesperadamente com a morte do ministro Menezes Direito, após poucos meses de luta contra o câncer.
A escolha foi alvo de muitas críticas, tanto por sua forte conexão com o PT, quanto por sua suposta falta de notável saber jurídico, já que Toffoli havia sido reprovado quando jovem para um concurso de juiz e não tem sequer mestrado. Na sabatina no Senado Federal, ele rebateu as acusações argumentando que tinha amplo conhecimento prático e que a maioria dos ministros da Suprema Corte dos Estados Unidos tinha perfil como o dele, sem titulações acadêmicas.
Entre ex-integrantes do governo petista, há quem atribua sua escolha a uma crescente pressão do PT para colocar gente aliada na Corte que julgaria o escândalo do Mensalão – o caso tinha dado origem a um processo criminal em 2007.
Apesar de cobrado por parte da sociedade a se declarar impedido, Toffoli participou do julgamento em 2012 e sustenta que seus votos foram técnicos: avaliou não haver provas suficientes contra Dirceu, que acabou condenado pela maioria, mas considerou culpados o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares.
Outras pessoas contemporâneas de Toffoli na Esplanada dos Ministérios, porém, atribuem sua nomeação à confiança que conquistou de Lula com seu trabalho, além da simpatia que despertava também entre políticos e juristas de outras legendas.
Um presidente só indica um nome ao STF, em geral, quando tem certeza de que será aprovado no Senado. Toffoli recebeu 58 votos dos 71 senadores, resultado que refletia as boas relações que construiu no Parlamento após quase quinze anos de atuação em Brasília.
Quando assessorou a bancada petista na presidência de Fernando Henrique, ao mesmo tempo que questionava decisões do governo no Supremo, Toffoli era visto como um canal de negociação quando os tucanos buscavam uma posição mais “light” do PT.
Há vinte anos, por exemplo, quando o Comando da Aeronáutica insistia na aprovação da Lei do Abate, que permitiria derrubar aviões que não atendessem a ordens de pouso e era considerada importante no combate ao tráfico de drogas, ajudou a construir um texto que reduzisse as resistências dentro da esquerda no Congresso.
A proposta gerava muita oposição de grupos religiosos e inclusive entre membros do governo tucano, como o secretário de Direitos Humanos José Gregori, por ser vista como uma “pena de morte”.
A lei foi aprovada em 1998 com a ressalva, sugerida por Toffoli, de que aeronaves só poderiam ser abatidas com aval do presidente da República ou de uma autoridade a quem fosse expressamente delegado esse poder.
Hoje deputado federal pela Rede, Miro Teixeira era na época líder do PDT na Câmara e acompanhou essa negociação, assim como outras em que Toffoli atuou. “O ministro Toffoli, como consultou do PT, era sempre uma voz de bom senso e tratava com serenidade os diferentes. Nas reuniões, muitas vezes ia até contra a opinião manifestada pelo líder da bancada petista”, recordou.
“Ele sempre foi muito capaz de unir as vontades. E é uma pessoa leve, se você convive com ele, percebe que não passa energia negativa”, elogia o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, que era líder do PSDB no Senado em 2009 e apoiou a nomeação ao STF.
‘Nem melhor, nem pior’
Se a expectativa quanto ao novo presidente do Supremo são as melhores possíveis entre políticos de diferentes partidos, a reportagem foi buscar a avaliação distante dos corredores de Brasília de um dos maiores críticos dos rumos recentes da Corte.
No início do ano, o professor de Direito Constitucional da USP Conrado Hübner escreveu no jornal Folha de S.Paulo artigo que gerou grande repercussão, com o título Na prática, ministros do STF agridem democracia, em que repudiava a confusão em torno da autorização da prisão após segunda instância e outras decisões controversas de integerantes da Corte.
À BBC News Brasil, disse que, fora esperar “maior capacidade de conciliação” do novo presidente do STF, considera Toffoli “uma incógnita”. Repudiou, por outro lado, as críticas de que ele não teria currículo acadêmico para o cargo.
“Não vejo nada de pior ou melhor, naquilo que ele escreve, do que nas decisões de ministros mais bem reputados lá. Na verdade, entre os erros mais grosseiros ou movimentos mais deploráveis que o STF faz, não me recordo da participação do Toffoli”, respondeu por e-mail.