De saída, principal autoridade das Nações Unidas para direitos humanos alerta para propostas que apresentam soluções 'simplistas'
Discursos como o do candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro (RJ), sobre direitos humanos podem representar “um perigo” para certas parcelas da população no curto prazo e para “o país todo” no longo prazo. O alerta é de Zeid Al Hussein, alto comissário da ONU para Direitos Humanos. Ele deixa seu cargo no final desta semana e será substituído pela chilena Michelle Bachelet.
Em sua última coletiva de imprensa nesta quarta-feira em Genebra, o jordaniano respondeu a uma pergunta da reportagem do Estado sobre como ele via a popularidade do discurso adotado por Jair Bolsonaro. Para Zeid, o “instrumento” usado para ver o avanço de tais posições é “simples”. “Quando as pessoas estão ansiosas, quando existem incertezas econômicas, globais ou não, por conta da crise nas commodities nos últimos anos, ao dar uma resposta simplista e tocando nas emoções naturais das pessoas - e talvez olhando para uma liderança mais forte, firme - é uma combinação que é bastante poderosa”, disse Zeid.
“O perigo é que isso venha às custas de um certo grupo no curto prazo e, no longo prazo, de todo o país”, afirmou. “Temos de ser mais conscientes de exemplos históricos. Não é para dizer que o progresso humano foi fácil”, disse. "Eu confesso que, de muitas maneiras, não entendo o pensamento conservador. Se apenas escutássemos a isso, talvez alguns de nós ainda estivéssemos em cavernas”, afirmou. “O progresso ocorreu porque estipulamos que todos devem ter direitos iguais”, disse.
Zeid, filho do príncipe jordaniano Ra'ad bin Zeid, também destacou a disparidade social na América Latina. Segundo ele, as “enormes diferenças de riqueza e poder das elites latino-americanas e as populações indígenas e outras” são preocupantes. Para ele, essa realidade “deve fazer parte completamente das consciências de todos os atores políticos”.
Bolsonaro chegou a mencionar que, se eleito, deixaria a Organização das Nações Unidas, recuando dias depois e afirmando que sairia apenas do Conselho de Direitos Humanos da entidade. “Não serve para nada essa instituição”, disse Bolsonaro.
Em julho, durante uma entrevista no programa Roda Vida, Bolsonaro defendeu a ditadura militar (1964-1985) e disse que, se eleito, não vai abrir os arquivos do regime. “Não houve golpe militar em 1964. Quem declarou vago o cargo do presidente na época foi o Parlamento. Era a regra em vigor”, disse Bolsonaro.
O presidenciável defendeu ainda as atuações dos militares em casos de tortura e também a figura do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (1932-2015).
“Abominamos a tortura, mas naquele momento vivíamos na guerra fria”, justificou. Pressionado pelos jornalistas convidados a falar sobre a abertura dos arquivos da ditadura militar, o presidenciável disse duvidar que eles ainda existam. “Não vou abrir nada. Esquece isso aí, vamos pensar daqui pra frente”, desconversou.
Ao longo de seu mandato, Zeid foi uma das principais vozes contra movimentos populistas ao redor do mundo, inclusive alertando sobre os “riscos” da escolha de Donald Trump como presidente dos EUA e atacando de forma dura a repressão do governo de Nicolas Maduro na Venezuela.