Valendo-se de sua prerrogativa de presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) fez uso de aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) em 73 dias nos sete primeiros meses deste ano (282 dias). Isso quer dizer que o deputado recorreu à estrutura de transporte da Aeronáutica em mais de um terço do primeiro semestre de 2018 (34,4%), considerando-se os 31 dias de julho, mês em que o recesso parlamentar tem início no dia 17. Depois disso, Maia voltou do Chile para Brasília (às 22h do dia 18) e fez mais três viagens em território brasileiro (20, 29 e 30 daquele mês). As informações constam de levantamento feito pelo Congresso em Foco no site da FAB.
Para efeito de comparação, o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE) – que também preside o Congresso – voou em aviões da FAB em 33 dias no mesmo período, menos da metade dos dias que Maia utilizou para viajar. Ao contrário do deputado, que viajou em julho mesmo depois do recesso, o senador voou até o dia 16, véspera do recesso (veja a lista detalhada das viagens de ambos abaixo).
Entre março e julho, Maia se apresentou como pré-candidato a presidente da República. A fartura de voos utilizados por ele contrasta com um atípico primeiro semestre em que deputados e senadores reduziram a atividade parlamentar de olho no calendário. Além da Copa do Mundo da Rússia, que paralisou o Congresso em algumas ocasiões, compromissos eleitorais também influenciaram o cotidiano da Câmara e do Senado – até um chamado “esforço concentrado” de votações, seguidamente alterado em razão das conveniências parlamentares, foi traçado para a sequência do ano até outubro, quando o país vai às urnas.
Em janeiro, quando o Congresso não está em funcionamento, Maia usou aviões da FAB em 11 dias. Não há registro de voos de Eunício no primeiro mês do ano. Vale lembrar que, de acordo com as normas seguidas pela FAB, alguns voos de Maia realizados em dezembro foram registrados no mês subsequente – o parlamentar fluminense fez viagens de ida e volta de Brasília para Salvador e de Brasília ao Rio de Janeiro, respectivamente em 28 e 29 de dezembro, “a serviço” e com previsão de nove passageiros.
Chama a atenção, no caso de Maia, o número de pessoas incluídas na comitiva para voar pela FAB: em quase 100% dos casos foram registrados nove passageiros (de dois a seis no caso de Eunício). “A legislação não apresenta restrição quanto aos acompanhantes”, diz “observação” no site da Aeronáutica, na parte sobre quem tem direito a voar em seus aviões militares.
Também se destaca a quantidade de conexões feitas pelo presidente da Câmara, em determinados dias, longe do frenesi dos aeroportos. Em 13 de maio, por exemplo, o deputado do DEM fez quatros trechos em solo nacional, com registro de nove passageiros para cada um deles. Saiu às 10h de Brasília rumo ao Rio de Janeiro, de onde partiu às 16h40 rumo a Campina Grande (PB). Deixou o município paraibano às 21h40 e chegou a Petrolina às 22h35, de onde saiu uma hora depois e chegou a Brasília 01h15, início da madrugada de 14 de maio.
O privilégio dos voos restritos blinda Maia, Eunício e outras autoridades conhecidas de situações como as que têm aborrecido o líder do governo Temer no Senado, Romero Jucá (MDB-RR), e outros parlamentares governistas que votaram a favor do impeachment de Dilma Rousseff (PT). Como este site tem mostrado, eles têm sido hostilizados, em voos, aeroportos e outros locais públicos, e chamados de “golpistas” por defensores da petista.
Nas asas do Estado
Tanto Maia quanto Eunício são candidatos à reeleição. Em meados de julho, pela terceira vez em três meses, ambos foram obrigados a viajar para fora do país de forma a evitar a inelegibilidade. Os parlamentares preferiam não ter que deixar o país em meio ao calor da corrida eleitoral e à formação de alianças – a outra opção era pedir licença do cargo, o que não aconteceu. Desde abril, eles saem do país sempre que o presidente Michel Temer também deixa o território nacional.
Essas três últimas viagens dos presidentes da Câmara e do Senado para evitar a inelegibilidade já custaram cerca de R$ 250 mil aos cofres públicos.
Levantamento do jornal O Estado de S. Paulomostrou que o valor corresponde a diárias de servidores e custo com combustível justamente para os aviões da FAB. Maia e Eunício recusaram receber diárias, mas os gastos também incluem servidores e parlamentares que acompanharam as missões oficiais de ambos.
A situação atípica das viagens dos presidentes do Legislativo é decorrência de ditames legais. Eles são impedidos de se candidatar nas eleições caso ocupem a presidência da República seis meses antes das eleições. Caso contrário, tornam-se inelegíveis a outros cargos eletivos. Como Temer não tem vice, Eunício e Maia são os próximos da linha sucessória presidencial.
Vida ou morte
A prerrogativa assegurada a autoridades – vice-presidente, ministros de Estado e comandantes militares também têm direito aos voos da FAB – não é apenas questão de dispêndio de dinheiro público. Uma série de reportagens do jornal O Globo publicada a partir de 6 de junho de 2016 mostrou que, graças à utilização dos aviões da Aeronáutica com mandatários e ministros, pessoas morreram em filas de transplante de órgão Brasil afora justamente porque faltaram aviões da FAB, ocupados pelas excelências, para transportar os órgãos de um estado a outro.
Assassinada pelo repórter Vinicius Sassine, a série mostrou que, entre 2013 e 2015, 153 órgãos saudáveis, prontos para transplante, tiveram solicitação de transporte recusada pela FAB. “Nos mesmos dias dessas recusas, a Aeronáutica atendeu a 716 requisições de transporte de ministros e autoridades”, revelou o jornal, entre outras descobertas.
Entre elas, as circunstâncias da morte de um homem de 59 anos que precisava de um coração e não o recebeu porque a FAB não liberou avião para transporte do órgão em dezembro de 2015. Mas tinha aeronave à vontade para o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), atualmente cumprindo pena de prisão em Curitiba (PR) em decorrência de condenação na Operação Lava Jato.
“Naquela segunda-feira, 21 de dezembro de 2015, Cunha comandaria uma das últimas reuniões de líderes partidários antes do recesso. O deputado embarcou às 9h15m no Aeroporto Santos Dumont, com mais oito caronas, e antes das 11h estava na capital federal. No comando da Câmara, função da qual está afastado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), os voos de Cunha a bordo de um avião da FAB eram uma rotina”, diz trecho da reportagem intitulada “Quando salvar vidas não é prioridade”.
Segundo o site da FAB, dois decretos presidenciais regem as normas de uso das aeronaves para autoridades (saiba mais aqui). “Após a realização dos voos, as informações são transcritas no site da FAB no primeiro dia útil subsequente, na aba ‘Registro de Voos’, como declarado pelo solicitante. [...] Os custos operacionais das missões em aeronaves da FAB estão classificados no grau de sigilo “Reservado’, pois são considerados estratégicos por envolverem aviões militares”, informa a cartilha virtual no trecho sobre as responsabilidades da FAB.
Economia e produtividade
Em nota encaminhada ao Congresso em Foco (íntegra abaixo), Rodrigo Maia nega que tenha havido diminuição na atividade parlamentar e atribuiu a convites e compromissos oficiais a quantidade de voos com aviões da Aeronáutica. Maia diz ainda que tem contribuído para a economia dos cofres públicos. “Apenas a venda da folha de pagamento e a devolução de recursos à União, por exemplo, geraram uma economia inédita de aproximadamente R$ 700 milhões”, diz trecho da nota.
Resposta semelhante deu Eunício (íntegra abaixo). Também por meio de nota, o senador negou esvaziamento no Senado, disse ter promovido economia para o erário e defendeu a produção legislativa no primeiro semestre. Tanto ele quanto Maia citam números e dão exemplos sobre projetos, mas não mencionam a redução dos dias de trabalho no Congresso.
Leia a nota de Rodrigo Maia:
Diferentemente do que foi afirmado, não houve “seguidos esvaziamentos” da Câmara no primeiro semestre deste ano, quando a Casa aprovou diversas matérias como a criação do Sistema Único de Segurança Pública, a revisão das desonerações aplicadas a vários setores da economia, além de propostas no âmbito da negociação da greve dos caminhoneiros e da intervenção federal no Rio de Janeiro.
Os deslocamentos feitos com aeronaves da FAB são condizentes com as atribuições assumidas pelo presidente da Câmara e seguem as regras determinadas pelo Decreto nº 4.244/02 da Presidência da República.
No exercício do cargo, Rodrigo Maia recebe convite para representar institucionalmente a Casa em inúmeros eventos públicos e privados, no Brasil e no exterior. Esses deslocamentos buscam atender a essa demanda, ajudando na transparência e fortalecendo a democracia, que tem no Poder Legislativo um de seus pilares.
Em sua gestão na Presidência da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia sempre se pautou pela racionalização dos gastos públicos, e a economia aos cofres públicos foi significativa. Apenas a venda da folha de pagamento e a devolução de recursos à União, por exemplo, geraram uma economia inédita de aproximadamente R$ 700 milhões.
Leia a nota de Eunício:
Não é verdade que houve esvaziamento da Casa no primeiro semestre de 2018. Nesse período, 187 matérias foram deliberadas em Plenário, sendo 146 aprovadas e 41 rejeitadas.
O Senado, no ano passado, devolveu aos cofres do governo federal mais de 200 milhões de reais, fruto de uma rigorosa administração dos recursos públicos.
O uso de aviões da FAB pelo Presidente da Casa obedece a recomendações de segurança previstas em lei.
VEJA A LISTA COM OS DETALHES DOS VOOS:
OS VOOS DE RODRIGO MAIA
Janeiro
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
Agosto
03/01/2018
Viagem Brasília – Recife / Recife – Salvador / Salvador – Brasília, “a serviço” (previsão de 9 passageiros)
Partida de Brasília às 07h30, chegada a Recife às 08h50
Partida de Recife às 12h30, chegada a Salvador às 13h35
Partida de Salvador às 16h20, chegada a Brasília às 18h55
05/01/2018
Viagem de Brasília a São Paulo, ida e volta, “a serviço” (previsão de 9 passageiros)
Ida: partida de Brasília às 8h15, chegada a São Paulo às 9h35
Volta: partida de São Paulo às 14h10, chegada a Brasília às 15h45
08/01/2018
Viagem de Brasília ao Rio de Janeiro, ida e volta, “à residência” e “a serviço” (previsão de 9 passageiros)
Ida: partida de Brasília às 6h05, chegada ao Rio de Janeiro às 7h35 (retorno à residência)
Volta: partida do Rio de Janeiro às 18h25, chegada a Brasília às 19h55 (a serviço)
10/01/2018
Viagem Brasília – Vitória / Vitória – Rio de Janeiro / Rio de Janeiro – Brasília, “à residência” e “a serviço” (previsão de 9 passageiros)
Partida de Brasília às 06h15, chegada a Vitória às 07h50 (a serviço)
Partida de Vitória às 13h30, chegada ao Rio de Janeiro às 14h15 (retorno à residência)
Partida do Rio de Janeiro às 17h35, chegada a Brasília às 19h10 (a serviço)
11/01/2018
Viagem de Brasília a Florianópolis, ida e volta, “a serviço” (previsão de 9 passageiros)
Ida: partida de Brasília às 11h40, chegada a Florianópolis às 13h30
Volta: partida de Florianópolis às 17h50, chegada a Brasília às 19h55
12/01/2018
Viagem de Brasília ao Rio de Janeiro, ida e volta, “à residência” e “a serviço” (previsão de 9 passageiros)
Ida: partida de Brasília às 12h25, chegada ao Rio de Janeiro às 13h50 (retorno à residência)
Volta: partida do Rio de Janeiro às 18h55, chegada a Brasília às 20h25 (a serviço)
22/01/2018
Viagem de Brasília a São Paulo, apenas ida, “a serviço” (previsão de 9 passageiros)
Ida: partida de Brasília às 15h40, chegada a São Paulo às 17h20
25/01/2018
Viagem Brasília – Goiânia / Goiânia – Rio de Janeiro, “a serviço” e “à residência” (previsão de 9 passageiros)
Ida: partida de Brasília às 18h25, chegada a Goiânia às 18h55 (a serviço)
Volta: partida de Goiânia às 21h55, chegada ao Rio de Janeiro às 23h25 (retorno à residência)
26/01/2018
Viagem do Rio de Janeiro a Brasília, apenas ida, “a serviço” (previsão de 9 passageiros)
Ida: partida do Rio de Janeiro às 19h25, chegada a Brasília às 20h45
29/01/2018
Viagem Brasília – Rio de Janeiro / Rio de Janeiro – São Paulo / São Paulo – Rio de Janeiro, “à residência”, “a serviço” e “à residência” em cada trecho (previsão de 9 passageiros)
Partida de Brasília às 06h30, chegada ao Rio de Janeiro às 08h05 (a serviço)
Partida do Rio de Janeiro às 11h10, chegada a São Paulo às 12h00 (retorno à residência)
Partida de São Paulo às 18h35, chegada ao Rio de Janeiro às 19h20 (a serviço)
30/01/2018
Viagem do Rio de Janeiro a Brasília, apenas ida, “a serviço” (previsão de 9 passageiros)
Ida: partida do Rio de Janeiro às 14h35, chegada a Brasília às 16h00
OS VOOS DE EUNÍCIO OLIVEIRA
Fevereiro
Março
Abril
Maio
Junho
Julho
01/02/2018
Viagem de Brasília para Fortaleza, apenas ida, “a serviço” (previsão de 5 passageiros)
Ida: partida de Brasília às 14h45, chegada a Fortaleza às 16h05
03/02/2018
Viagem de Fortaleza para Brasília, apenas ida, “a serviço” (previsão de 2 passageiros)
Ida: partida de Fortaleza às 15h05, chegada a Brasília às 18h35
19/02/2018
Viagem de Brasília a Juazeiro do Norte (CE), ida e volta, “a serviço” (previsão de 1 passageiro)
Ida: partida de Brasília às 15h45, chegada ao Rio de Janeiro às 08h25 (retorno à residência)
Volta: partida do Rio de Janeiro às 18h40, chegada a Brasília às 20h15 (a serviço)
22/02/2018
Viagem de Brasília para Fortaleza, apenas ida, “à residência” (previsão de 5 passageiros)
Ida: partida de Brasília às 18h10, chegada a Fortaleza às 20h30
*Todas as viagens Eunício fez na condição de presidente do Congresso