A maior evidência do fracasso do Brasil em prevenir a violência e controlar o medo e o crime em seu território é a cifra de casos de mortes violentas intencionais registrada em 2017: 63.880 casos
Enquanto vários políticos surfam na onda do pânico da população e defendem violência e vingança como fórmula para reduzir o crime, o Brasil vai batendo recordes e mais recordes de violência e dá provas que está em acelerado processo de desconsolidação democrática e civilizatória.
Não estamos sendo capazes de compreender a urgência de uma ampla coalização em torno de um projeto de redução da violência letal no país. E, nesta toada, tornamo-nos insensíveis ao sofrimento provocado pela violência do crime e pela insensatez violenta das políticas públicas.
A maior evidência do fracasso do Brasil em prevenir a violência e controlar o medo e o crime em seu território é a cifra de casos de mortes violentas intencionais registrada em 2017: 63.880 casos.
Para se ter uma ideia da magnitude deste número, ele é três vezes e meia maior do que o total de mortes provocadas por todos os atos terroristas ocorridos no mesmo ano no mundo, segundo dados do Jane`s Terrorism and Insurgency Center. Em 2017, o mundo teve 18.475 pessoas assassinadas em ataques terroristas.
Se estes números parecem exagerados, aqueles observados para o período 2014-2017, são ainda mais emblemáticos, pois reforça, a ideia de que vivemos em um permanente estado de exceção. Em 4 anos, o mundo registrou 124.382 vítimas fatais do terrorismo. E, no Brasil, foram mortas 243.545 pessoas de modo intencionalmente violento no mesmo período.
Porém, se desde 2001, quando dos ataques às Torres Gêmeas, em Nova Iorque, o mundo foi forçado a aprender, a um custo abominável de vidas e de dor, sobre os riscos e a perversidade do terrorismo contemporâneo, o Brasil teima em acreditar em promessas vazias e em salvadores da pátria e não se mobiliza.
O mundo mudou completamente a partir do 11 de setembro de 2001, mas nós ainda ficamos à espera da procissão de milagres narrada por Sérgio Buarque no livro Visão do Paraíso, de 1959.
Enquanto vemos o tempo passar, o país não parece muito preocupado com a vida de milhões de jovens, em sua maioria pobres e negros, que são mortos todos os anos. E, se a violência é uma das marcas mais profundas da nossa história, o momento atual a traz à tona de modo muito intenso e inédito em razão das novas configurações do crime organizado em torno de drogas e armas e da forma como o Estado, em suas múltiplas instâncias e poderes, tem insistido em tratá-las.
Reportagem, mostra que o território nacional está tomado por uma guerra entre as várias organizações criminais existentes e que, a partir da disputa pela hegemonia no mundo do crime, o PCC (Primeiro Comando da Capital), tem usado as prisões como plataforma de invasão e dominação de territórios.
Há uma guerra entre facções que mimetiza técnicas do terrorismo político e religioso e, como se fosse algo quase que “naturalizado”, vemos cenas de decapitações sem maior indignação e ação por parte das autoridades.
Mas o mais surreal é ver que os políticos que assumem a valentia retórica da violência como melhor resposta para o crime, esquecem-se que os principais líderes do PCC e das demais grandes fações criminosas estão presos. O problema, portanto, não é prender, mas sufocar a capacidade das organizações criminosas em se financiarem.
Nenhum desses falsos profetas disse o que pretende fazer para achar e bloquear o dinheiro que move o crime organizado no país. É mais pop defender invasões bélicas às comunidades tomadas pelo tráfico, mesmo que ao custo de mortes de todos os lados, como os 3 militares do Exército Brasileiro e os 8 moradores, vítimas do confronto no Complexo do Alemão, na semana última.
Estamos banalizando a morte e estamos nos tornando insensíveis à dor e ao sofrimento da população que vive sob o fogo cruzado da tirania do crime organizado e da completa incapacidade do Poder Público em unir esforços em torno de um projeto de nação verdadeiramente democrático e informado pela nossa Constituição Cidadã.
Demagogos denunciam a agenda de direitos como excessiva ou de “esquerda”, mas são estes mesmos que, ao proporem jogar direitos na “latrina”, escondem que estão protegidos por coletes à prova de bala e por seguranças fortemente armados. É fácil explorar o medo e denunciar direitos quando se é político profissional e o sofrimento alheio é visto como mera oportunidade de angariar votos.