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GRAVE: Brasil tem aumento em taxa de mortes prematuras por doenças crônicas

Levantamento inédito mostra elevação de óbitos em pessoas de 30 a 69 anos


Mal iniciou a caminhada no Parque da Cidade, em Brasília, Adriana Balthar sentiu o corpo dar sinais de alerta. Primeiro, veio uma sensação de desmaio. Em seguida, já deitada na grama, teve convulsões.


O diagnóstico de AVC, porém, era só uma das batalhas que enfrentaria nos últimos sete anos. Dez dias depois de ser socorrida no parque, acabou por sofrer um segundo AVC, ainda mais devastador.


"Acordei na UTI e não mexia absolutamente nada. Aos 42 anos, me vi como uma criança de dois, tendo que usar fralda e reaprendendo a falar", relata ela, que, no meio da recuperação, também enfrentou uma recidiva de um câncer de colo de útero.


Hoje, considera já ter recuperado 95% dos movimentos. Os cuidados, porém, continuam -e são diários. "Se não faço exercício com regularidade, sinto que vou perdendo a força do lado direito", diz.


Adriana é um exemplo do impacto gerado na vida de pacientes e no sistema de saúde pelo avanço crescente das doenças crônicas não transmissíveis no Brasil e no mundo.


Entram na lista doenças cardiovasculares, diabetes, câncer e enfermidades respiratórias crônicas, fatores que respondem por cerca de 7 em cada 10 mortes de brasileiros.


O problema é que, se antes o país vinha apresentando sucesso em tentativas de controle de complicações e óbitos causados por essas doenças, agora, essa frente volta a preocupar.


Levantamento inédito do Ministério da Saúde, obtido pela Folha, mostra aumento na taxa de mortalidade geral e prematura no Brasil por causa das principais doenças crônicas.


Em 2016, ano dos dados disponíveis mais recentes, doenças cardiovasculares, câncer, diabetes e doenças respiratórias crônicas responderam por 421 mortes a cada 100 mil habitantes. Para comparação, até 2015, essa taxa vinha em queda, com 418,9 mortes nessa proporção naquele ano.


Na população entre 30 a 69 anos, que engloba a faixa de mortes prematuras, a alerta é ainda maior. Em 2016, a taxa foi de 354,8 mortes a cada 100 mil habitantes. Um ano antes, era de 350,7.


Até então, apesar do aumento de casos dessas doenças no sistema de saúde, o crescimento populacional e o estímulo a políticas de prevenção permitiam ao país manter as taxas de mortalidade precoce em queda.


"Vemos um pequeno aumento em relação ao ano anterior, o que não ocorria desde 2000", afirma a diretora do departamento de doenças não transmissíveis do Ministério da Saúde, Fátima Marinho.


A variação nas taxas também tem preocupado especialistas que monitoram o mesmo cenário. "Estamos assustados. O que observávamos é que o Brasil estava sempre com uma queda. E entre 2015 e 2016, vimos uma estabilidade e risco de aumento", diz Deborah Malta, professora associada da UFMG e coordenadora no Brasil do estudo Carga Global de Doenças.


Segundo ela, com o envelhecimento populacional, já é esperado um aumento no número de mortes por essas causas -mas não na população jovem. "Morrer por doença crônica provavelmente é o futuro de grande parte da população brasileira, mas não morrer prematuramente."


Apesar do quadro, o governo federal afirma que ainda é cedo para verificar com clareza uma mudança de tendência. Mas admite o alerta.


"Já tínhamos no Brasil uma taxa de mortalidade prematura mais alta que países desenvolvidos e do que outros países da América Latina", diz Marinho, que lembra que se tratam de mortes evitáveis. "Se tenho um repique de aumento como esse no meio de uma tendência de redução, corro risco de inverter o que estava ganhando", avalia.


De acordo com a diretora, a interrupção da queda e o aumento de casos tem sido puxada principalmente pelo crescimento na taxa de mortalidade por AVC e doenças isquêmicas do coração.


A situação faz o país deixar de cumprir a principal meta do Plano Nacional de Enfrentamento de Doenças Crônicas, firmado em 2011 e que segue até 2022. O plano previa uma redução de ao menos 2% ao ano nas taxas de mortalidade entre pessoas de 30 a 69 anos. Nos últimos anos, essa redução chegou a até 5% ao ano.


Também coloca em risco a previsão de reduzir em até 25% as mortes por doenças crônicas até 2025, compromisso firmado com a Organização Mundial de Saúde (agora revisto para 30% nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, que seguem até 2030).


"Naquele momento, a previsão era que conseguiríamos. Hoje, a projeção mostra que não. Se continuarmos como estamos, não vamos cumprir a meta", diz Marinho.


A pasta já organiza reuniões com secretários de saúde para definir medidas que podem ser adotadas.


Mas o que leva a esse aumento? Segundo Malta, embora o avanço do envelhecimento no país seja acompanhado pelo crescimento das doenças crônicas, isso não explicaria a estabilidade na taxa de mortes prematuras.


Para ela, o cenário pode estar ligado à crise recente, que tem impacto no acesso ao emprego e no sistema de saúde.


Marinho concorda. "São doenças que respondem muito a crises econômicas e sociais, porque estão relacionadas à hipertensão, ao estresse e à depressão, que também gera piora do diabetes. A faixa etária mais atingida é justamente aquela que o desemprego afetou", diz a diretora.


Outro motivo é uma possível piora nos níveis de assistência em alguns estados devido ao aperto nas contas.


"Já é provado que uma parte da redução das mortes por doenças cardiovasculares ocorreu devido à tecnologia. Serviços de saúde bem equipados fazem a diferença nessas doenças. Mas se tem piora na situação socioeconômica, há piora na assistência. Existem empregados que ficaram sem planos de saúde e vieram para o SUS", completa.


Desde 2014, quase 3 milhões de pessoas perderam seus planos de saúde em razão do desemprego. Para a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo, esse é um fatores que explicariam o grande aumento nos atendimentos de emergência nos hospitais estaduais nesse período: de 63,3 milhões, em 2014, para 84,4 milhões em 2017.


São Paulo foi o estado com a maior perda de beneficiários de planos de saúde em 2017: 160.226 pessoas deixaram de ser clientes do setor privado. A cabeleireira Eliane Barbosa é uma delas. Está sem plano desde 2016 e passou a usar o SUS. "Eu e meu filho fomos muito bem atendidos no postinho perto de casa. Meu medo é aparecer alguma coisa que dependa da internação."



CONTROLE DE FATORES DE RISCO PASSA POR ESTAGNAÇÃO NO PAÍS

O aumento nas mortes por doenças crônicas ocorre em conjunto com sinais de alerta no monitoramento de alguns fatores de risco.


É o caso da prática de atividades físicas, por exemplo. Entre 2011 e 2015, o número de brasileiros adultos que faziam pelo menos 150 minutos de exercícios de intensidade moderada no tempo livre passou de 31,6% para 37,6%.


Esse avanço, porém, empacou nos últimos dois anos -em 2017, a taxa foi de 37%. O mesmo ocorreu em relação ao consumo de frutas e verduras, que vinha crescendo até 2015. Nos últimos dois anos, porém, a taxa passou de 25,2% para 23,2%.


Soma-se a esse cenário a dificuldade em reduzir o índice de fumantes e o crescente aumento no percentual de adultos que fazem consumo considerado abusivo de álcool.


"São sinais que acendem a luz amarela", avalia Malta. "Isso mostra que novas medidas precisam ser implementadas para controlar esse consumo. Sem políticas regulatórias, o Brasil pode perder o bonde da história", diz ela, que sugere como exemplo o aumento da taxação e adoção de embalagens genéricas de cigarro, estratégia já adotada em outros países, como Austrália.


De acordo com Fernando Costa, diretor de promoção de saúde cardiovascular da Sociedade Brasileira de Cardiologia, há necessidade de políticas mais estruturadas de atenção aos fatores de risco de doenças crônicas, em especial a obesidade.


"A população aumentou muito de peso, e com isso aumenta a doença metabólica. E acaba tendo mais diabetes, que são fatores gravíssimos para a arterosclerose. Muitos começam a fazer exame de colesterol já velhos", diz.


"Existem dois tipos de investimento necessários. O primeiro é o cuidado do doente agudo, de forma a salvar todas as vidas que podem ser salvas. O outro é prevenção, que é o investimento a longo prazo. Mas você não vê isso hoje", completa.


A pressão do avanço das doenças crônicas já é sentida na rede de saúde. No governo federal, a avaliação é que a alta carga de doenças crônicas e as perdas de saúde têm aumentado além da capacidade instalada no SUS.


Segundo Martha Oliveira, da Anahp (Associação Nacional de Hospitais Privados), na rede privada, a situação já leva hospitais a reorganizar o atendimento. "Já temos vários hospitais extrapolando o nível terciário e tentando buscar o paciente desde o nível de atenção primária, começando a buscar outros tipos de cuidado. É um movimento que já ocorre em outros países, do hospital redesenhando seu papel", diz.


Um dos fatores que impulsionam essa mudança é o aumento de custos. A OMS (Organização Mundial de Saúde) estima que os custos das doenças crônicas levem a perda de US$ 7 trilhões (cerca de R$ 27,3 trilhões) entre 2011 e 2015 em países de baixa e média renda, tanto em custos de saúde quanto pela perda da força de trabalho.


Foi o que ocorreu com Adriana: com o AVC e o câncer, acabou tendo que deixar o trabalho e se aposentar mais cedo para cuidar da recuperação. Ao mesmo tempo, seus gastos aumentaram. "Tinha plano de saúde, mas paguei muita coisa por conta própria", relata ela, que ainda mantém uma rotina rígida de cuidados.

Na tentativa de evitar casos como esses, alternativas simples e preventivas começam a ganhar maior espaço na rede.


Ao ver que a unidade de saúde para onde tinha sido alocada tinha um campo livre ao lado do prédio, a professora de educação física Silvia Borges não hesitou: chamou a equipe e começou a organizar aulas diárias atreladas aos atendimentos na unidade.


"No início, montamos os exercícios com cabo de vassoura e sacos de areia. Depois, a prefeitura foi mandando colchonetes", conta ela, que trabalha em UBS em Manaus.


A atividade varia conforme o quadro dos pacientes, como idosos e doentes crônicos. Uma das participantes é a auxiliar de cozinha Elineia Costa da Silva, 51. Diagnosticada com diabetes há sete anos, teve que mudar de rotina. De uma vida sedentária, passou a fazer exercícios e alterou a alimentação. "Não é fácil, mas tenho conseguido controlar."


Borges também diz que já sente os impactos da prevenção. "Muitos mudaram os hábitos e pararam de ser hiperusuários porque viviam com queixas e complicações."



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