Relatório do Ministério do Planejamento mostra que prefeituras devolveram ao governo R$ 2,1 bilhões em convênios para obras que começaram e não foram concluídas. Esqueletos bilionários permanecem espalhados pelo País
O debate que será travado até as eleições de outubro se centrará em alguns problemas que, de fato, hoje entravam o País. Corrupção e alta carga tributária mal distribuída estão entre os pontos nevrálgicos. O dinheiro público desaparece desviado para o bolso dos políticos e o alto custo dos impostos não retorna aos contribuintes. Há, porém, outro dado que, quando revelado, demonstra-se assustador. Além da corrupção, boa parte do dinheiro público não retorna em obras e benefício para o cidadão simplesmente por incompetência dos administradores. É o que revelam dados do Ministério do Planejamento aos quais ISTOÉ teve acesso. Os dados mostram que nada menos que R$ 2,1 bilhões de recursos federais distribuídos aos Estados e municípios em convênios para a construção de obras foram devolvidos aos cofres da União desde 2015. Motivo: governadores e prefeitos não conseguiram dar continuidade aos contratos, deixando as obras inacabadas. São diversas ações que teriam se convertido em benefício para a sociedade, caso tivessem saído do papel.
Ação Gerenciamento técnico e administrativo do projeto do Veículo Lançador de Satélites – VLS-1 visando a realização de um voo tecnológico de um lançador de satélites a partir do Centro de Lançamento de Alcântara (CLA)
Valor do convênio R$ 34,6 milhões
Valor devolvido R$ 18,9 milhões
Falhas de execução
O levantamento aponta a existência de 27,4 mil projetos que, desde 2015, ficaram pelo caminho, por falhas na execução dos convênios – 22 ações por dia em todo o país. Nesta lista de obras em que o dinheiro público se esvaiu pelo ralo existe um pouco de tudo. Desde asfaltamento, passando por obras de construção de cisternas para minimizar os efeitos da crise hídrica, centros educativos, implantação de sistemas de radiocomunicação, até reforma de presídios e implantação de telecentros em escolas públicas. O mais incrível é que, na maioria das vezes, os projetos não são concluídos por meras razões burocráticas. O que inviabiliza os convênios são casos de falta de planejamento na hora de pedir dinheiro ao governo federal para iniciar uma obra, falhas na documentação entregue aos ministérios parceiros, falta de assinaturas ou não autenticação de dados dos autores do convênio federal.
Dois casos são emblemáticos. O governo de Pernambuco propôs, há oito anos, em 2010, a construção de um Centro de atendimento socioeducativo feminino, em Jaboatão dos Guararapes, para abrigar 72 adolescentes em conflito com a lei. Durante cinco anos, ficaram disponíveis R$ 6 milhões do governo federal para a construção do prédio. O problema é que a Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase), responsável por planejar a obra, não ouviu a comunidade antes de implementar o projeto. Resultado: tanto a prefeitura de Jaboatão quanto a comunidade rejeitaram a unidade. “Foram apresentadas diversas alternativas. Quando, enfim, as negociações chegaram a um bom termo já não havia tempo hábil para a conclusão da obra”, descreve o relatório.
VALOR DEVOLVIDO À UNIÃO POR CONVÊNIOS NÃO FINALIZADOS NOS ÚLTIMOS QUATRO ANOS R$ 2,1 bilhões VALOR TOTAL DAS OBRAS R$ 17 bilhões NÚMERO TOTAL DE OBRAS COM RECURSOS DEVOLVIDOS DESDE 2015 27,4 mil
No Rio Grande do Sul, durante a administração de Tarso Genro, o governo estadual firmou convênio com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) para construir em torno de 3 mil cisternas e capacitar trabalhadores de 13 cidades atingidas pela forte seca de 2011. O projeto previa qualificar os próprios moradores da região, agricultores na maioria, para construir as cisternas, barateando custos e gerando empregos. O problema é que ninguém combinou previamente a ideia com os próprios interessados. Pouca gente se interessou. Houve falhas na seleção dos pedreiros que iram capacitar os trabalhadores, atraso na contratação das empresas e problemas no recrutamento. Resultado: poucas cisternas foram entregues e o projeto orçado em R$ 30 milhões ficou no papel. Segundo o professor de Administração e Finanças Públicas da Universidade de Brasília, José Matias-Pereira, muitos desses problemas são provocados pela falta de sintonia entre União, Estados e Municípios. “O grande problema do Brasil não é só a corrupção. Chama-se capacidade de gestão”, afirma o professor. No Brasil, pobre país rico, não falta dinheiro. O problema é como ele é gasto.