Em alguns setores estabeleceu-se a certeza de que basta pressionar para que o presidente assine decretos.
O Brasil pode não cumprir o Acordo de Paris. O alerta está em artigo publicado por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Universidade de Brasília.
Sétimo maior emissor mundial de gases de efeito estufa (GEE), o Brasil tem dado apoio político a práticas agrícolas predatórias, o que pode impossibilitar o cumprimento de metas compatíveis com a contribuição do país ao objetivo estabelecido no acordo climático de Paris. O alerta está em artigo publicado nesta semana, na revista Nature Climate Change, por pesquisadores da UFMG, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade de Brasília (UnB).
Um dos autores do trabalho, o professor Raoni Rajão, do Departamento de Engenharia de Produção da UFMG, explica que, historicamente, a dinâmica do desmatamento no país tem sido moldada não apenas por ações administrativas concretas, mas também pelos sinais enviados pelo governo, que podem, direta ou indiretamente, incentivar os agentes econômicos a decidir se desmatam ilegalmente ou não.
Rajão comenta que, em alguns setores, estabeleceu-se a certeza de que basta pressionar para que o presidente assine decretos que desprotegem uma reserva de cobre ou uma grande unidade de conservação, por exemplo, o que “dá uma sensação de poder a quem está desmatando, e isso vai ser traduzido em desmatamento”. Assim, mesmo com a manutenção e o aprimoramento das políticas de controle do desmatamento, existe o risco de que a perda das florestas continue se acelerando nos próximos anos.
O arranjo institucional também pode ser afetado pelo grau de cooperação com o regime internacional sobre mudança climática. Firmado por 195 países no fim de 2015, com efeito a partir de outubro de 2016, o Acordo de Paris da Convenção Climática definiu o compromisso de manter o aumento da temperatura média global em menos de 2°C com relação aos níveis pré-industriais.
Por meio de modelos de avaliação integrados, desenvolvidos especificamente para o Brasil, os autores desenham três cenários de emissão de dióxido de carbono (CO2) e estimam o esforço necessário em outros setores da economia para compensar o enfraquecimento da governança ambiental que resulta potencialmente em maiores taxas de desmatamento.
É intenção dos autores do artigo, segundo o professor, enfatizar a noção de orçamento de carbono, recurso limitado que precisa ser usado por todos os setores da economia “da maneira mais inteligente possível, para promover o máximo de crescimento”. O orçamento fixo de carbono que o Brasil pode emitir, de 2010 a 2050, é de 24 gigatoneladas (GtCO2).
“Dependendo do cenário de governança ambiental, sobrariam apenas 0,9 GtCO2 para todos os outros setores. É um cenário muito apertado. E, para respeitar a meta Mundo de 2°C, o Brasil terá que comprar créditos de carbono de outros países, porque não tem tecnologia suficientemente desenvolvida para que os outros setores emitam tão pouco”, pondera Raoni Rajão. Em sua opinião, o setor produtivo precisa estar atento a essa realidade e “começar a ter um diálogo interno mais articulado, para racionalizar a forma como cada um está emitindo GEE”.
Cenários
De acordo com os autores do artigo, a governança ambiental no Brasil pode ser dividida em três grandes períodos: pré-2005, em que era muito precária e com altas taxas de desmatamento; 2005 a 2011, com resultados efetivos na redução do desmatamento; 2012 a 2017, em que a governança sofreu erosão gradual, com a grande anistia concedida a desmatadores ilegais, na revisão do Código Florestal, e agravada pela crise política. Por esses motivos, mesmo que tenham sido aprimoradas, as políticas de controle não conseguiram impedir o aumento no desmatamento, de 2012 a 2017.