O Ministério Público do Trabalho localizou 30 ações trabalhistas ajuizadas por ex-empregados que pleitearam a reversão da justa causa. Em oito delas o pedido foi julgado procedente.
A Justiça do Trabalho condenou as empresas Eucatur – União Cascavel de Transportes e Viação Nova Integração Ltda. ao pagamento de indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 500 mil, por serem acusadas de ter demitido funcionários sob falsas alegações de justa causa e com isso não quitaram as verbas trabalhistas devidas.
A denúncia partiu do Ministério Público do Trabalho em Mato Grosso (MPT-MT).
O procurador do MPT Antônio Pereira Nascimento Júnior explica que a conduta fraudulenta é considerada grave infração ao ordenamento jurídico-trabalhista. Ele salienta que a Constituição Federal protege a relação de emprego contra despedidas arbitrárias ou sem justa causa, pautando-se pelo princípio da continuidade da relação de emprego, que tem como finalidade principal garantir a segurança econômica do empregado, pois é por meio do trabalho que a pessoa adquire um modo digno de sobrevivência para si e para sua família.
“A dispensa por justa causa é considerada a mais grave das penalidades aplicáveis empregado, uma vez que não somente autoriza o descumprimento do princípio trabalhista geral da continuidade da relação de emprego, como extingue o pacto, negando ao trabalhador quaisquer verbas rescisórias previstas em outras modalidades de rompimento do contrato. Além disso, acaba por lançar uma mácula na vida profissional do trabalhador, ainda que esta mácula não possa constar das anotações da CTPS do obreiro. Observa-se, portanto, que a dispensa por justa causa consiste, ao mesmo tempo, em forma de extinção do contrato de trabalho e penalidade trabalhista gravíssima”, pontua Júnior.
Durante a investigação, o MPT localizou 30 ações trabalhistas ajuizadas por ex-empregados que pleitearam a reversão da justa causa. Em oito delas o pedido foi julgado procedente. Nos outros 22 processos em que as empresas firmaram acordo, reconheceram expressamente que a dispensa por justa causa foi abusiva, aceitando revertê-las em rescisão sem justa causa por iniciativa do empregador. Outras quatro testemunhas que foram ouvidas durante a instrução do inquérito civil confirmaram que o grupo econômico demite funcionários sob a falsa alegação de atos faltosos.
Para o MPT, é inquestionável que a prática levada a cabo pela Eucatur – União Cascavel de Transportes e pela Viação Nova Integração Ltda. configura abuso do poder empregatício, uma vez que as empresas se utilizam arbitrariamente da autoridade diretiva.
“A sistemática adotada pelas empresas é semelhante: o empregado era dispensado com base em suposta conduta faltosa por ele cometida. Contudo, em nenhuma das ações supracitadas as rés comprovaram a ocorrência da infração dos trabalhadores. Em verdade, o grupo requerido, em muitas delas, sequer especificou a conduta do obreiro, o dia da infração, testemunhas do ocorrido, além de que seu preposto, em alguns casos, nem mesmo detinha conhecimento do fato”, explica o procurador do Trabalho.
Com a condenação, as empresas estão obrigadas a adotar imediatamente, em todos os estabelecimentos situados em Mato Grosso, medidas para acabar com o abuso do poder empregatício.
Um dos casos arrolados na ação civil pública diz respeito a uma dispensa por justa causa por suposto abandono de emprego. A empregada foi demitida em dezembro de 2012 e entregou sua carteira à empresa para que esta realizasse a rescisão. Ao receber de volta sua CTPS, o que ocorreu somente em agosto do ano seguinte, a surpresa: a anotação de que teria sido dispensada por justa causa por ter faltado 120 dias, ou seja, por ter abandonado o emprego.
Em outro exemplo, o empregado foi demitido por justa causa sob alegação de excesso de velocidade. Nesse caso, também se reconheceu a prática abusiva da empresa, constatando-se que o tacógrafo apresentado como prova do excesso de velocidade sequer correspondia ao dia da suposta infração.
Na sentença, a juíza Márcia Martins Pereira, da 6ª Vara do Trabalho de Cuiabá, esclareceu que a demissão do empregado por justa causa somente se justifica nas estritas hipóteses legais, como, por exemplo, ato de improbidade, desídia, condenação criminal ou embriaguez habitual; e desde que a falta seja de tal relevância que torne inviável a permanência do funcionário.
"(...) Do conjunto probatório dos autos, verifica-se que a denúncia levada ao órgão ministerial foi facilmente confirmada pela investigação procedida, mediante depoimento de trabalhadores em conjunto com a documentação apresentada pelas empresas, revelando um número expressivo de aplicação de justa causa sem consistência, que não se sustentaram nos processos judiciais que oportunizam a produção de todos os meios de prova em observância ao contraditório e ampla defesa, inclusive o duplo grau de jurisdição", frisou.
A magistrada não só reconheceu a existência de fraude, como afirmou que a conduta das rés exige reprimenda do Poder Judiciário. “(...) tenho por comprovada, pela farta documentação juntada, ser inequívoca a adoção da prática das rés de dispensa por justa causa de seus empregados, mesmo que infundadas, em flagrante violação aos direitos trabalhistas, o que, aliás, muito lhes convém, já que não precisam quitar as verbas rescisórias devidas no momento da demissão, mas somente, e se, acionadas na justiça, após o trânsito em julgado da decisão, submetendo o trabalhador à agonia da longa espera para receber os créditos de direito e de natureza alimentar, o que agrava, de sobremaneira, a conduta antijurídica das rés”.
Dano moral
Ao fixar o valor da condenação por danos morais coletivos, a juíza Márcia Martins Pereira levou em conta a gravidade da conduta e os efeitos na coletividade, o princípio da razoabilidade e proporcionalidade, a dimensão pedagógica e a capacidade financeira das acusadas.
Em seu site, a Eucatur informa que é detentora de uma das maiores frotas de ônibus do país e que transporta mais de 330 mil passageiros por mês. Juntas, as empresas possuem, em todo o Brasil, mais de três mil empregados.
A indenização por danos morais coletivos será revertida para projetos e/ou instituições que tenham objetivos filantrópicos, culturais, educacionais, científicos, de assistência social ou de desenvolvimento e melhoria das condições de trabalho, a serem indicados pelo MPT.