O ‘manual da delação’, com 47 pontos, foi bem recebido por advogados criminalistas
A Procuradoria-Geral da República (PGR) publicou uma espécie de “manual da delação”, um conjunto de procedimentos a serem adotados por membros do Ministério Público na hora de assinar acordos de colaboração premiada. Advogados criminalistas ouvidos pela reportagem receberam bem o documento, em que encontraram aspectos que reforçam suas próprias defesas.
A Orientação Conjunta sobre Acordos de Colaboração Premiada, publicada na última semana, traz 47 pontos a serem observados pelo procurador na hora de elaborar um acordo. Entre essas questões, está a previsão de imunidade total, quando o acusador abre mão de denunciar o delator. Tal recurso, no entanto, só ser usado em “situações extraordinárias”, segundo o manual, a depender da qualidade das provas e gravidade dos crimes narrados.
Mesmo descrita como uma exceção, a presença da imunidade no documento foi enaltecida pelo advogado André Luís Callegari, atualmente a cargo da delação premiada do empresário Joesley Batista, do Grupo JBS, cuja colaboração foi criticada devido à concessão do prêmio. “Esse benefício vem sendo contestado e agora é reconhecido pela Orientação Conjunta do MPF”, comemorou o defensor.
Para Callegari, “só o reconhecimento desse benefício pode dar a segurança necessária ao colaborador em determinados casos, fato esse reconhecido agora expressamente”. Ele ressaltou que “há situações excepcionais onde o colaborador, ademais de colocar sua vida em risco, revela fatos de extrema gravidade e apresenta um material de colaboração de qualidade em conjunto com as suas declarações”.
O criminalista Daniel Gerber também elogiou o documento publicado pela PGR, que classificou de “um manual de boa prática, que sem dúvida alguma veio em boa hora”, embora as diretrizes “não tenham trazido nada de novo”.
Ele foi um dos primeiros advogados a abrir negociações para uma delação de Lúcio Funaro, mas o analista financeiro ao final fechou o acordo com a ajuda de outro representante.
Gerber destacou dois pontos essenciais no documento divulgado pela PGR, que para ele representam posicionamentos claros da instituição: a menção expressa à possibilidade de imunidade total, mesmo que somente em casos “extraordinários”; e a afirmação de que os acordos podem ser negociados somente pelo MP, e não pela Polícia Federal.
A prerrogativa de o delegado da PF também poder negociar a delação é alvo de contestação no Supremo Tribunal Federal (STF) pela própria PGR. A ação direta de constitucionalidade sobre o assunto já começou a ser analisada em plenário, mas o julgamento foi interrompido e não tem previsão para ser retomado.
Segundo a subprocuradora-geral da República Luiza Cristina Frischeisen, coordenadora da Câmara Criminal do Ministério Público Federal (MPF) e uma das responsáveis pelo documento, é natural que a exclusividade do procurador para negociar delação esteja expressa nas orientações. “Não poderia ser diferente, pois essa é a posição institucional do Ministério Público.”
Frischeisen disse que o manual sobre a colaboração premiada começou a ser discutido há mais de um ano, tendo como um de seus principais objetivos servir como guia sobretudo para aquele procurador ou promotor que “não trabalha todo dia com colaboração”, fornecendo diretrizes para delações que envolvam também “outros crimes, que não só a corrupção”.
O documento, segundo o MPF, não abrange colaborações firmadas pela própria PGR, servindo como diretriz somente para instâncias inferiores.
Crítica
Uma das vozes mais críticas ao instituto da delação premiada, do modo como é praticado no Brasil, o criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, destacou o que considerou diversos pontos de lacuna nas orientações da PGR. Na opinião dele, faltou por exemplo a previsão de rescisão sem prejuízo ao delator se ficar comprovado que o procurador fez insinuações sobre quem deveria ser delatado.
Para Castro, o documento deveria prever também condutas para os advogados dos delatores, proibindo que atuem ao mesmo tempo em nome de delatados. Ele criticou ainda o que considera uma autonomia exagerada do MP no momento de estabelecer o benefício da delação.
“Penso que o grande problema continua a ser o fato de o MP substituir o Poder Judiciário ao impor pena e estabelecer o modo de cumprimento das penas. Essa é uma atribuição exclusiva do Poder Judiciário. O Ministério Público está se posicionando como um superpoder, usurpando uma função que é do Judiciário”, disse.