Pré-candidato do MDB cita números errados sobre inflação e desemprego, mas acerta peso da Previdência na dívida pública
O presidente Michel Temer desistiu de se reeleger e lançou, nesta terça-feira (22), o nome do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles como candidato do MDB à Presidência. O anúncio ainda depende da aprovação do partido, em convenção nacional que ocorrerá em julho. “Digo, sem medo de errar: o Meirelles é o melhor entre os melhores”, afirmou, em evento no Palácio do Planalto. “Ficarei orgulhosíssimo se um dia Meirelles for proclamado, pelo voto popular, presidente da República Federativa do Brasil.”
Não será uma tarefa fácil. Em pesquisa divulgada pelo Datafolha, em 16 de abril, Meirelles não passava de 1% das intenções de voto em diferentes cenários. Se de fato concorrer, o ex-ministro terá a complicada missão de defender o legado do governo Temer na área econômica, que passa por recuperação lenta e frustra projeções.
Ao falar à TV Folha em 14 de maio, ele tentou passar a ideia de que seu desempenho no cargo trouxe excelentes resultados. O Truco – projeto de fact-checking da Agência Pública, que tem analisado o discurso dos presidenciáveis – verificou quatro frases do pré-candidato na entrevista. Apenas uma foi classificada como verdadeira. A assessoria de imprensa de Meirelles mandou as fontes dos dados, mas não enviou resposta para contestar os selos no prazo estabelecido.
“A inflação do ano passado foi a mais baixa da história”
Não há uma série de dados que permita comparar os índices de inflação ao longo de toda a história do país, indicando qual deles foi o menor. Mas a mais representativa existente, iniciada em 1980, mostra que a afirmação de Henrique Meirelles é falsa. A assessoria de imprensa do presidenciável informou que a fala do ex-ministro se baseou no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que registrou inflação de 2,07% em 2017, a menor da série histórica iniciada em 1980.
O indicador tem como população-objetivo as famílias com renda mensal entre 1 e 5 salários mínimos que vivem em áreas urbanas, o que corresponde a cerca de 50% das famílias com chefes assalariados. Logo, não serve para entender a evolução dos preços para todas as camadas da população.
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial do país, analisa as variações de preços de produtos consumidos pelas famílias com rendimentos mensais entre 1 e 40 salários mínimos. Com isso, abrange mais de 90% da população que vive em áreas urbanas, um número muito maior de pessoas em comparação com o INPC. No ano passado, o IPCA teve a segunda menor taxa da história, de 2,95%. A mais baixa, no entanto, foi registrada em 1998, quando a inflação fechou com 1,65%, no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
A variação do IPCA em 2017 ficou pela primeira vez abaixo da meta para inflação desde que foi criada, em 1999. O Conselho Monetário Nacional (CMI) estipulou para o Banco Central em 2017 o objetivo de alcançar 4,5% de taxa, com margem de 1,5% para mais ou para menos. Em carta aberta a Henrique Meirelles, então ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, explicou que o IPCA ficou abaixo do objetivo por causa da deflação dos preços de alimentação no domicílio.
“Em vista desse comportamento excepcional dos preços dos alimentos no domicílio, decorrentes de choques fora do alcance da política monetária (como a oferta recorde de produtos agrícolas), o Banco Central do Brasil seguiu os bons princípios no gerenciamento da política monetária e não reagiu ao impacto primário do choque”, escreveu Goldfajn.
Para Fernando Gonçalves, gerente do Sistema Nacional de Índices de Preços ao Consumidor, a deflação foi consequência do aumento da safra da produção agrícola, que levou o consumidor a pagar mais barato do que no ano retrasado. Entre os alimentos que apresentaram as principais quedas estão frutas, feijão-carioca, carnes, arroz e leite longa vida.
“Foram criados 2 milhões de novos empregos nos últimos dois anos”
Meirelles comemorou, na entrevista à TV Folha, a criação de 2 milhões de novos empregos nos últimos dois anos. O dado, no entanto, é falso. Os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, feita pelo IBGE, não mostram aumento da população ocupada na comparação entre os trimestres de março-abril-maio de 2016 – quando Michel Temer assumiu interinamente a Presidência e nomeou Meirelles – e janeiro-fevereiro-março de 2018. Além disso, não se pode classificar automaticamente variações da população ocupada como aumento ou redução do número de empregos.
Ao ser questionada sobre a origem das informações, a assessoria de imprensa do pré-candidato afirmou que o dado resultava de um arredondamento. “A população ocupada – 92,1 milhões de trabalhadores – no trimestre de outubro a dezembro de 2017 aumentou em 1 milhão e 842 mil pessoas, em comparação com o mesmo trimestre de 2016. Os dados são da Pnad Contínua, do IBGE.” Embora representem o que ocorreu nos dois trimestres mencionados, os dois números não refletem o período de dois anos do governo Temer.
O trimestre de março-abril-maio de 2016 (quando Temer assumiu) teve população ocupada de 90,8 milhões, enquanto o de janeiro-fevereiro-março de 2018 (dado mais recente) apontou uma queda para 90,6 milhões de pessoas, segundo a Pnad Contínua. Seguindo a lógica de Meirelles, teria ocorrido uma redução de 200 mil empregos nesse período. Se considerado o trimestre de janeiro-fevereiro-março de 2016, que estimou em 90,6 milhões a população ocupada, não teria havido nenhuma mudança em dois anos. Mas essas comparações não são a forma correta de indicar se houve criação de postos de trabalho.
O IBGE considera como parte da população ocupada os trabalhadores do setor privado com e sem carteira assinada e funcionários públicos, mas também trabalhadores domésticos, trabalhadores por conta própria e empregadores. Não é possível considerar todos os integrantes nesses últimos três grupos como empregados. Há pessoas que fazem bicos, trabalhadores domésticos sem registro em carteira e donos de empresas. Logo, um aumento na população ocupada não significa que houve crescimento no número de empregados.
O mercado de trabalho tem apresentado resultados ruins desde o segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), que persistiram no governo Temer. Segundo o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) do Ministério do Trabalho, que mede o trabalho formal, o ano de 2016 fechou com saldo negativo de 1.326.558 vagas e o de 2017, com saldo positivo de apenas 20.832 vagas.
Isso significa que empregos perdidos em 2016 não foram repostos. Já a taxa de desocupação atingiu 13,7% no trimestre de janeiro a março de 2017 e foi a maior já registrada pela Pnad Contínua. Os dados mais recentes, do 1º trimestre de 2018, apontam desemprego de 13,1% e 4,6 milhões de desalentados (pessoas que poderiam trabalhar, mas não procuram emprego), o maior número da série histórica.
“[Durante a crise de 2015, 2016] o Produto [Interno Bruto] brasileiro caiu e o desemprego brasileiro subiu mais do que na crise de 1929”
Meirelles fala da gravidade da crise enfrentada entre 2014 e 2016 no Brasil como maneira de exaltar os sucessos obtidos durante sua gestão no Ministério da Fazenda para sair da recessão. Apesar de ser verdade que o Produto Interno Bruto (PIB) caiu porcentualmente mais na crise recente do que em 1929, não é possível dizer o mesmo sobre o desemprego, por não haver dados da época. Além disso, as informações dão a entender que foram os índices mais altos da história, o que não é verdade. Por isso, a afirmação foi considerada distorcida.
Em 2015, o PIB brasileiro diminuiu 3,5% em relação ao ano anterior. Em 2016, a proporção se manteve, e o PIB do ano fechou com um recuo de 3,6% em relação a 2015. Segundo série estatística do IBGE, a queda do PIB após 1929 – ano da quebra da Bolsa de Nova York, que inaugurou uma crise mundial – foi de fato menor do que nos últimos anos. Em 1929, o PIB brasileiro cresceu 1,1% em relação ao ano anterior. Já em 1930 houve uma retração de 2,1% e, em 1931, o recuo foi de 3,1%. Essas diminuições, contudo, não foram as maiores registradas. Em 1981 e em 1990, o PIB encolheu 4,3% em relação aos respectivos anos anteriores.
Quanto ao desemprego, não existe uma série estatística que permita fazer comparações com o que ocorreu no século 20. O IBGE tem várias séries históricas da taxa de desocupação. A mais atual foi iniciada pela Pnad Contínua em 2012. Antes dela, a medição ocorria pela Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que adotou uma metodologia entre 1980 e 1982, revisou a análise para o período de 1982 a 2002 e mudou a forma de cálculo usado em 2002. A PME foi encerrada em 2016. Essas diferenças metodológicas impedem comparações de dados entre as séries.
Considerando apenas os dados da Pnad Contínua, os números do desemprego entre 2015 e 2016 não são os piores registrados. No último trimestre de 2014, 6,5% dos brasileiros com mais de 14 anos estavam desocupados. Em 2015, esse número foi para 9%, e, em 2016, para 12%. A taxa mais alta registrada pela pesquisa ocorreu no primeiro trimestre de 2017, de 13,7%, durante a gestão de Meirelles no Ministério da Fazenda.
Comparando dados da metodologia mais recente da PME, também se observa taxas de desemprego maiores que no período da crise iniciada em 2014. Em fevereiro de 2016, último dado disponível, o desemprego era de 8,2%. O índice mais alto levantado pela série ocorreu em abril de 2004, quando o desemprego atingia 13,1% da população.
A assessoria de imprensa do pré-candidato disse que, devido à queda no PIB “é razoável supor que a perda de empregos, mesmo proporcionalmente, foi maior na crise de 2015/2016 do que na crise de 1929”. No entanto, não há dados que confirmem isso, e as estatísticas mostram que o crescimento do PIB não implica necessariamente a redução do desemprego. Em 2006, por exemplo, o PIB teve aumento de 4% em relação a 2005 e o desemprego se manteve em 8,4% no período. Logo, não é possível comparar a queda do PIB e o aumento de desemprego da crise de 1929 aos números de 2015 e 2016.
“Se você olhar a composição da dívida e do juros, você vai ver que grande parte dessa dívida foi formada por despesas da previdência nos últimos anos”
A frase é verdadeira. Dados do Tesouro Nacional mostram que as despesas previdenciárias são responsáveis pela maior parte do déficit primário. Como o principal meio para cobrir o rombo do déficit primário é a emissão de novas dívidas mobiliárias, está correto afirmar que a dívida pública e seus juros derivam, principalmente de despesas previdenciárias.
A assessoria de imprensa do pré-candidato alegou que a despesa da Previdência é maior que o aumento da dívida. “A despesa da Previdência em 2017 foi de R$ 557 bilhões e o déficit primário (que implica aumento da dívida e seus juros) foi de R$ 124 bilhões”, afirmou. “O déficit nominal do setor público, que inclui os juros, foi de R$ 551 bilhões.” A comparação é imprecisa. Não se pode confrontar toda a despesa da Previdência Social com o déficit. O correto é avaliar, dentro do déficit primário, quanto se deve ao rombo previdenciário.
A dívida pública hoje cresce, principalmente, por conta de títulos mobiliários emitidos para cobrir o déficit primário. Desde 2014 a União está registrando sucessivos déficits primários, como mostram os relatórios anuais de Resultado do Tesouro Nacional. A meta de resultado primário para 2018 é um déficit de R$ 159 bilhões, equivalente a 2,27% do PIB.
No ano passado, o Governo Central, que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central, registrou um déficit primário de R$ 124,4 bilhões, o que representa 1,9% do PIB. O resultado de 2017 é reflexo de um superávit de R$ 59 bilhões no Tesouro Nacional e no Banco Central e um déficit previdenciário recorde de R$ 182,4 bilhões no Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Portanto, a maior parte do rombo se deve à Previdência Social.
Além disso, de acordo com a apresentação do Relatório Anual da Dívida Pública Federal de 2017, que aborda apenas a dívida mobiliária, ou seja, relativa aos títulos emitidos pelo Tesouro Nacional, gastos previdenciários também correspondem à maior parte do item “Cobertura Parcial do Déficit”. Os benefícios previdenciários rurais e urbanos, as aposentadorias e pensões e a compensação do déficit do RGPS somam 65% da rubrica e chegam a R$ 71,2 bilhões das despesas orçamentárias a serem pagas com recursos de emissão de novos títulos.