Com combustível custando R$ 4,28 o litro, abastecer o veículo pode consumir quase 10% do salário médio da população, que é de R$ 2.169
Com a gasolina mais cara, os brasileiros estão consumindo uma fatia maior do salário para abastecer o carro. Levando em conta o rendimento médio do trabalhador, de R$ 2.169 no primeiro trimestre, é possível calcular que se gastam o equivalente a três dias de trabalho para encher um tanque de 50 litros.
O custo médio da gasolina segundo o último levantamento da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) era de R$ 4,284. Pagando esse valor, o tanque cheio sai por R$ 214,20: 9,87% do salário médio do trabalhador, de acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios).
Vale destacar que a gasolina brasileira não está entre as mais caras do mundo. O litro custa hoje em torno de US$ 1,17, enquanto no Chile, por exemplo, sai por US$ 1,28 (R$ 4,53). Em Portugal, custa US$ 1,86 (R$ 6,34), segundo dados da plataforma Global Petrol Prices (veja gráfico abaixo).
A diferença é que nesses países a renda média do trabalhador é superior à brasileira. No Chile, o rendimento mensal gira em torno de R$ 4.750. Usando a mesma conta, os chilenos precisam trabalhar 1,5 dia para encher o tanque.
A Noruega tem uma das gasolinas mais caras do mundo (em torno de R$ 7,09 o litro), mas isso não significa que os cidadãos daquele país tenham dificuldade na hora de abastecer o carro, apesar de possuir o maior percentual do mundo de veículos elétricos em sua frota. O salário médio do norueguês é de R$ 20.018, o que faz com que ele tenha que trabalhar 1,8 dia para completar o tanque do carro.
"Quando você não tem ganhos de renda reais e crescimento econômico com reflexo na renda, como é o caso do Brasil, e existe algum tipo de descolamento em relação a produtos com preço determinado internacionalmente, ocorre essa distorção que estamos vendo. Ou seja, se houvesse geração de renda, esse problema poderia até existir, mas seria melhor equalizado", explica o professor de economia do Ibmec/SP Walter Franco.
Um levantamento recente da agência de notícias econômicas Bloomberg mostra que o Brasil é o 11º país do mundo com maior custo para adquirir gasolina se for considerada a renda média. Os brasileiros gastam 4,62% do salário de um dia para comprar um litro de gasolina.
Na França, onde o litro custa o equivalente a R$ 6,31, o trabalhador gasta 1,5% do salário de um dia por litro.
"A renda per capita do Brasil, além de ser baixa é muito mal distribuída. [...] Na Europa, a gasolina é mais cara que no Brasil e as pessoas não reclamam, porque elas têm uma renda maior e há alternativas ao transporte particular, que incentivam o uso do transporte público", explica o professor e economista Fernando Botelho, da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo).
Política de preços
Em outubro de 2016, a Petrobras adotou uma nova forma de precificar a gasolina e o diesel que saem das refinarias, acompanhando mensalmente a variação do barril de petróleo no mercado internacional e o dólar. Desde junho do ano passado, a empresa passou a fazer os reajustes com mais frequência, até diariamente.
No mês em que começou a vigorar a nova regra, o preço médio da gasolina no país estava em R$ 3,55, enquanto o dólar era cotado a R$ 3,25 e o barril de petróleo no mercado internacional a US$ 49,95.
Passado quase um ano, a gasolina passou para R$ 4,28 (alta de 20,5%), o dólar está em R$ 3,64 e o barril de petróleo custa US$ 80,21 (alta de 47,4%).
Os EUA têm uma política de preços similar à brasileira, mas não sofrem com variação cambial porque o barril de petróleo é negociado em dólar.
Há um ano, o galão de gasolina (3,785 litros) era vendido a US$ 2,448, em média. Em abril, fechou em US$ 2,795: alta de 14,1%. O preço já é o mais alto desde julho de 2015, segundo dados da Secretaria de Estatísticas Trabalhistas dos Estados Unidos.
O presidente da Petrobras, Pedro Parente, afirmou nesta terça-feira (22) que a forma de precificar a gasolina e o diesel continuará a mesma porque as altas se devem a "fatores externos" e "a empresa tem obrigação de refletir isso".
Por outro lado, o governo tenta conter a pressão cambial das últimas semanas, com o Banco Central atuando diariamente no mercado, o que já gerou uma queda sensível da moeda norte-americana.
E na manhã de terça, a Petrobras anunciou redução no preço da gasolinanas refinarias a partir desta quarta-feira (23).
Para o professor Botelho, da FEA-USP, a política de preços da Petrobras é "muito transparente". No entanto, ele acha que a empresa poderia ter espaçado os reajustes para evitar que as altas do câmbio e do barril de petróleo chegassem tão rápido à população.
"Não se trata de represar preços, porque isso já causou muitos prejuízos à Petrobras no passado, mas apenas de não fazer diariamente as revisões".
No entanto, ele diz que, "infelizmente", o consumidor deverá arcar com esse custo adicional da gasolina. "Senão, a conta vai sobrar para o governo e aí todos pagarão indiretamente".
Alta do diesel e protesto de caminhoneiros
Além dos motoristas de carros, os caminhoneiros também estão enfrentando dificuldades para encher o tanque em razão da alta do diesel. Por causa disso, os caminhoneiros entraram no terceiro dia de protestos nesta quarta-feira (23).
Para agradar a categoria, o governo federal anunciou ontem que cortará um dos impostos sobre o diesel, a Cide, para reduzir o preço do combustível. Esse imposto rende cerca de R$ 2,5 bilhões anuais em arrecadação para o governo.
Para compensar o desfalque, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, anunciou que foi fechado um acordo com o Congresso para que seja aprovada a reoneração da folha de pagamentos de alguns setores da economia.