Estudo mostra que 6 mil mortes em decorrência da gripe poderiam ser evitadas no Brasil com uso da quadrivalente; entenda as diferenças
Quem decide a composição das vacinas contra a influenza é a Organização Mundial de Saúde (OMS). Em setembro do ano passado, a OMS fez um levantamento e definiu quais eram os vírus que estavam circulando mais no mundo. A partir destas informações, foram formuladas as vacinas que seriam aplicadas no início do inverno em todo o hemisfério Sul.
Existem dois tipos de vacina, a trivalente e a quadrivalente, também chamada de tetravalente.
A diferença é que a trivalente protege contra três subtipos de vírus, enquanto a tetravalente protege contra quatro.
Para entender melhor, é preciso saber que existem três tipos de vírus influenza. Eles são chamados de A, B e C. Os vírus do tipo C são mais leves – a gripe provocada por eles não costuma evoluir para um quadro de infecção respiratória grave.
Já os tipos A e B têm maior chance de provocar infecções graves secundárias à gripe, que podem levar à morte.
Os vírus influenza tipo A se dividem em diversos subtipos. Os mais conhecidos são o H1N1 e o H3N2. Estes, por sua vez, também se dividem. O mesmo ocorre com os do tipo B, que não têm um subtipo tão conhecido do público leigo.
A vacina trivalente protege contra dois subtipos dos famosos H1N1 e H3N2, chamados de Michigan e Singapura; e contra um subtipo de vírus B, chamado de Yamagata.
A vacina quadrivalente protege contra os mesmos Michigan, Singapura e Yamagata. A diferença é que ela também protege contra um subtipo de vírus B a mais, o Brisbane.
Segundo a infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, no início da temporada de gripe, que corresponde ao começo do inverno, é impossível saber exatamente quais são os subtipos de vírus que vão circular no país. A OMS faz uma projeção a partir dos vírus que circularam no inverso do hemisfério Norte, que acontece antes.
Ela explica que, sendo assim, pode acontecer de surgir um novo subtipo no país que não esteja na vacina.
“O influenza é um vírus que muda muito, mas a expectativa é que os vírus que estão dentro da vacina são os que vão circular”, explica.
Trivalente x quadrivalente
As duas vacinas são eficazes, de acordo com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm). Na campanha promovida pelo Ministério da Saúde, o público-alvo pode se vacinar de graça com uma dose da vacina trivalente.
A quadrivalente pode ser tomada nas clínicas particulares e custa entre R$120 e R$150.
“De uma maneira geral, se você tomar uma vacina que tem as duas linhagens B, não haverá o risco de circular uma linhagem e você ter tomado a vacina que protege contra a outra. Então, para quem pode, acho que vale a pena pagar pela quadrivalente”, analisa a infectologista.
A especialista afirma que seria interessante vacinar as crianças com a quadrivalente. Desta forma, seria possível proteger, além dela própria, a família - é o que se chama de efeito rebanho.
É comum que crianças em idade escolar peguem gripe na escola e levem o vírus para casa. Se elas estiverem vacinadas, isso pode protegê-las e também os parentes que não tomaram a dose.
“Na cadeia de transmissão da influenza, a criança tem um papel importante. Ela vai para a escola, convive com outras crianças, tem uma rotina de higiene diferente, coloca objetos na boca, por isso acaba transmitindo mais”, explica o pediatra Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).
Além disso, a criança é agente infectante do vírus por mais tempo, ou seja, ela é capaz de transmitir o vírus por mais tempo, segundo o pediatra. Enquanto o adulto pode transmitir a influenza durante três ou cinco dias, a criança faz isso por um período de sete a dez dias.
O infectologista Expedito Luna, do Instituto de Medicina Tropical da USP, explica que essa possibilidade surgiu a partir de uma experiência japonesa.
“O Japão desenvolveu um programa público de vacinação infantil. Depois de alguns anos, o efeito secundário percebido é que a mortalidade na terceira idade por pneumonia e gripe diminuiu consideravelmente”.
Estudo faz uma projeção para o Brasil
Pesquisadores brasileiros e franceses apresentaram um estudo no Congresso internacional da Sociedade Europeia de Doenças Infectopediátricas sobre o impacto de uma campanha de vacinação com doses quadrivalentes em crianças – e não trivalente como é feito hoje.
O estudo foi coordenado pelo infectologista brasileiro Expedito Luna e pelo médico francês, Pascal Crepey, da Universidade Pierre e Marie Curie e da Global Influenza Initiative.
Eles analisaram tanto o impacto econômico quanto o de saúde pública. A conclusão é que se a vacina aplicada nas crianças brasileiras entre seis meses e quatro anos fosse a que protege contra quatro subtipos do vírus, evitaria até 2 milhões de casos e até 6 mil mortes por influenza em dez anos.
Em termos de impacto financeiro, seriam economizados entre R$ 1 bilhão a R$ 1,8 bilhão no mesmo período.
Expedido Luna explica que a pesquisa levou em conta um intervalo de dez anos porque seria impossível fazer esta mudança de um ano para o outro.
“É um número muito grande de vacinas, precisa de tempo para produção em número suficiente. Mas nosso estudo mostrou que trocar a vacina trivalente pela quadrivalente é uma medida custo-efetiva, o país vai ter mais benefícios se fizer a mudança”, afirma o infectologista.
Kfouri concorda que a decisão de trocar as vacinas deva ser tomada a longo prazo.
“Ter vacinas mais completas é uma tendência mundial. Acredito que com o passar do tempo a tetravalente vai prevalecer e a trivalente vai deixar de ser fabricada”, destaca.
De acordo com o Ministério da Saúde, ainda não existe um projeto para que aconteça a mudança na vacina oferecida na Campanha Nacional de Imunização contra a Influenza porque a campanha segue a indicação da OMS de que a vacina oferecida seja a trivalente.