Banco de dados sobre consumidores tende a reduzir a inadimplência e o protesto de títulos, afetando a receita do negócio
Grupos que representam os cartórios estão fazendo campanha contra o cadastro positivo, na tentativa de convencer parlamentares a derrubar projeto de lei que aguarda votação na Câmara dos Deputados.
O texto prevê a inclusão automática de todos os consumidores ao cadastro, uma espécie de banco de dados de informações financeiras.
Fontes do governo, que acompanham a votação, afirmam que os cartórios estão espalhando informações falsas ou imprecisas sobre o cadastro, na tentativa de interditar a tramitação na Câmara. O cadastro tende a reduzir a inadimplência e, por tabela, o número de títulos em protesto, encolhendo a receita dos cartórios.
Até agora, a pressão desses grupos tem dado certo em especial entre parlamentares que têm como vitrine política a defesa do consumidor.
A intenção do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), era colocar o projeto em votação nesta quarta-feira (25), após tentativa frustrada nas últimas duas semanas, mas não houve sucesso.
Durante tentativa de votação, circularam entre parlamentares panfletos contra o projeto, afirmando que o cadastro significaria a quebra de sigilo bancário de consumidores. Segundo a Folha apurou, os folhetos também foram entregues nos gabinetes de deputados.
"A venda de dados pelo Facebook é fichinha perto disso", diz o papel, assinado pelo coletivo Tenho Direito de Saber, provavelmente se referindo ao escândalo de venda de informações de usuários da rede social à Cambridge Analitics, que utilizou os dados em campanhas eleitorais.
Um dos advogados que militam no grupo, Tiago de Lima Almeida, trabalha em escritório que atuou na defesa do Instituto de Estudos de Protesto de Títulos do Brasil no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal). À Folha o advogado negou atuar em favor dos cartórios e disse que a militância não tem relação com o escritório. “É uma bandeira minha, a que respondo na pessoa física, não é do escritório.”
Ele não soube informar quem financiou a confecção dos panfletos. “Temos uma página no Facebook com milhares de consumidores, te convido a participar”, disse. “As pessoas se mobilizam de maneira espontânea.”
A campanha do coletivo inclui informações como “Quem ingressa no cadastro positivo autoriza a Serasa a vender seus dados por 15 anos.” Não é bem assim.
O projeto prevê que os birôs de crédito, como Serasa, SPC e Boavista, poderão vender apenas uma nota do consumidor, formulada a partir de informações sobre pagamentos de contas, não pagamentos, atrasos e o comprometimento de renda com financiamentos. Para ter acesso ao cadastro completo, a empresa terá de solicitar autorização do próprio consumidor.
Com mais informações, segundo a Serasa, líder entre os birôs hoje em atuação, a expectativa é que a inadimplência entre pessoas físicas possa cair 45%.
Por trás da expectativa está a lógica de que consumidores e empresas excessivamente endividados terão mais dificuldade tomar mais crédito, evitando o efeito bola de neve. Empréstimos menos arriscados demandam custos menores na prevenção de calotes.
Nas redes sociais, o Instituto Cartórios por um Brasil Melhor também faz campanha contra o cadastro.
O principal argumento, segundo o presidente, Naurican Ludovico Lacerda, é que o cadastro positivo existe desde 2011, mas isso não contribuiu para a queda dos juros. Ao contrário, afirma ele, as taxas aumentaram.
Naurican também se mostrou preocupado com o controle sobre os birôs e a responsabilidade sobre o vazamento de informações. “Em sete anos, desde que o cadastro foi criado, o spread [diferença entre o que o banco capta e a taxa final cobrada de consumidores] aumentou 50%. Isso é uma falácia, e a privacidade é um direito fundamental de todos nós. Esse cadastro positivo tem como interessados os birôs de crédito, que vão vender informações”, afirmou.
CADASTRO POSITIVO
O que é?
O cadastro positivo existe desde 2011, mas nunca decolou porque exige que consumidores peçam para entrar. Projeto que tramita na Câmara torna a adesão automática. Quem não quiser participar deve pedir a retirada de seu nome
Como funciona?
Birôs de crédito, como a Serasa, SPC e Boavista, reúnem informações fornecidas por bancos e concessionárias de serviços como água, luz e telefone e produzem uma nota, que é vendida a interessados em conceder crédito a empresas e consumidores
O que muda?
Hoje, o cadastro é negativo, ou seja, se uma conta deixou de ser paga, o consumidor entra na lista negra e não consegue mais crédito. Com o cadastro positivo, serão consideradas informações de pagamentos, atrasos e comprometimento da renda. Bancos e empresas interessadas em emprestar terão mais segurança e, com isso, dizem cobrarão menos juros