Vestígios encontrados numa das balas usadas no duplo homicídio serão confrontados com marcas dos dedos de dois homens mortos esta semana
Trinta dias depois do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Pedro Gomes, a equipe da Polícia Civil que apura o crime aposta suas fichas em um trabalho de comparação de digitais. Vestígios encontrados numa das balas usadas no duplo homicídio serão confrontados com marcas dos dedos de dois homens mortos esta semana. Ambos eram suspeitos de ligação com grupos criminosos da Zona Oeste. Investigadores suspeitam que houve uma “queima de arquivo”.
No último domingo, o líder comunitário Carlos Alexandre Pereira Maria, o Alexandre Cabeça, de 37 anos, foi executado com vários tiros dentro de um carro na localidade da Boiúna, na Taquara. Ele era colaborador de Marcello Siciliano (PHS), um dos vereadores chamados pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil para prestarem depoimentos sobre Marielle. No boletim da ocorrência feito pela PM, consta que Alexandre Cabeça era conhecido como chefe da milícia da comunidade Lote Mil.
Além de Alexandre Cabeça, o subtenente reformado da PM Anderson Cláudio da Silva, de 48 anos, executado terça-feira à noite no Recreio, terá as digitais comparadas com a encontrada na bala usada no ataque que resultou na morte da vereadora e de seu motorista. Ele foi atingido por dezenas de tiros de pistolas e fuzis no momento em que entrava em seu carro, um BMW blindado, na Praça Miguel Osório. A polícia suspeita que ele tinha envolvimento com a contravenção.
— Os homicídios de Marielle e Anderson estão tendo uma investigação criteriosa, pois se trata de um caso complexo, e a cada dia a Polícia Civil avança. A sociedade pode confiar de que terá uma resposta — disse o chefe da Polícia Civil, delegado Rivaldo Barbosa.
Perícia: assassino seria canhoto
A Polícia Civil recebeu ontem o laudo da Polícia Federal que replica a digital encontrada no projétil. Marielle e Anderson Pedro Gomes foram mortos na esquina das ruas João Paulo I e Joaquim Palhares, no Estácio.
Segundo um perito, pela dinâmica da abordagem — o carro das vítimas, um Ágile, foi atingido no lado direito por disparos feitos de um Cobalt prata —, o assassino deve ser canhoto. O bandido teve pontaria para, num ângulo diagonal, no banco traseiro de um veículo em movimento, atingir uma sequência de quatro tiros na cabeça da vereadora. O laudo cadavérico indica que as balas percorreram uma trajetória de baixo para cima. Uma testemunha ouvida pelo GLOBO disse que o atirador era negro e tinha um braço musculoso.
A polícia ainda não sabe qual foi a arma utilizada no crime. Pelo calibre das balas, 9mm, e pelas marcas dos tiros, a suspeita é de que o assassino usou uma pistola Glock com um adaptador para rajadas ou uma submetralhadora. A investigação investe no trabalho da perícia e no rastreamento de ligações de celulares feitas na região que se estende do Estácio à Lapa, onde o carro das vítimas começou a ser perseguido. O 4º Tribunal do Júri autorizou o levantamento de registros de 26 antenas de telefonia, conhecidas como ERBs. Imagens de câmeras de segurança e de trânsito também são analisadas.
Ocorrido quase um mês depois do início da intervenção federal na segurança pública do estado, o crime é apurado por uma equipe comandada pelo delegado Giniton Lages, titular da Delegacia de Homicídios (DH) da Capital. A Polícia Federal apoiou a investigação por meio da perícia de nove cápsulas recolhidas no local do ataque.
Vereadores prestam depoimentos
O vereador Tarcísio Motta (PSOL) prestou depoimento por três horas na DH nesta quinta-feira. Outros nove parlamentares foram à especializada para falar sobre a convivência com Marielle: Ítalo Siba (Avante), Marcello Sicialiano (PHS), Zico Bacana (PHS), Babá (PSOL), Renato Cinco (PSOL), Leonel Brizola Neto (PSOL), Jair da Mendes Gomes (PMN), Val da Ceasa (PEN) e Juninho da Lucinha (PMDB). Nenhum deles, segundo a polícia, é considerado suspeito.
Um dos vereadores disse que a DH trabalha com mais ênfase em três linhas de investigação, que envolvem uma milícia, integrantes do 41º BPM (Irajá) e um possível desentendimento dentro da Câmara Municipal. Um projeto da prefeitura de verticalização da comunidade de Rio das Pedras, em Jacarepaguá, foi um dos temas abordados. Marielle se opôs a esse plano, que acabou sendo engavetado. Ela apoiou um grupo de moradoras que lutou para que não houvesse desapropriações.
O município pretendia fazer uma parceria público-privada com algumas construtoras, que se encarregariam do saneamento básico da região. Investigadores descobriram que milicianos tinham interesse no projeto, já que investiram em imóveis em Rio das Pedras e comunidades vizinhas.
SEIS PERGUNTAS SOBRE O CASO
Trinta dias após o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do seu motorista Anderson Gomes, no bairro do Estácio, em 14 de março, algumas perguntas sobre o caso ainda seguem sem respostas. No entanto, apesar do crime não ter sido elucidado, o comandante da intervenção federal no Rio de Janeiro, general Braga Netto, revelou avanços na investigação durante recente encontro com o presidente Michel Temer, quando o general demonstrou otimismo com o desfecho do caso nos próximos dias.
Qual foi a arma utilizada no crime?
Sabe-se que o autor dos disparos usou munição 9mm, e que os disparos foram feitos a uma distância de cerca de dois metros. Mas anida não se descobriu se a arma do assassino era uma pistola ou uma submetralhadora já que ambas usam o mesmo tipo de projétil. Foram recuperadas no local do atentado nove cápsulas, oito do lote UZZ 18, vendido para a Polícia Federal, em Brasília, e distribuído para todo o país. Um outro projétil é de um carregamento importado.
Há ligação do crime com milicianos?
De acordo com investigadores, projéteis usados no crime são do mesmo lote de balas encontradas em um homicídio ocorrido em Niterói e São Gonçalo. Isso reforça a suspeita de que, nas palavras de um investigador, "há DNA de um grupo paramilitar no crime" — o que ainda não foi confirmado. Além disso, ele vê a possibilidade de existir um elo entre o duplo homicídio e os outros cinco assassinatos, o que também não está comprovado.
Testemunhas ainda serão ouvidas?
O GLOBO localizou duas pessoas que estavam a cerca de 15 metros da cena e ainda não foram ouvidas pela polícia. As revelações sobre o horário, local exatos, detalhes da abordagem, rota de fuga dos criminosos e características do autor dos disparos poderiam colaborar com a DH, que investiga o crime. Até o momento, a polícia ouviu duas testemunhas oculares: a assessora parlamentar de Marielle — que estava no carro e sobriviveu — e uma segunda pessoa.
Onde está o carro dos assassinos?
O Cobalt prata que levava o assassino, segundo relato de testemunhas, ainda não foi localizado. Outro veículo encontrado em Minas Gerais chegou a ser cogitado como um segundo carro envolvido no crime, mas a hipótese foi descartada pela Polícia Civil. Não há convicção sobre o número de carros que participaram da emboscada. Para os investigadores, havia um segundo veículo envolvido. No entanto, testemunhas disseram não ter visto um segundo carro.
Qual o caminho de fuga após o crime?
A polícia diz que os bandidos teriam seguido pela Rua João Paulo I. Mas relatos de testemunhas ao jornal indicam que, após o crime, o carro dos bandidos seguiu pela Joaquim Palhares. Ainda não se sabe qual o caminho foi feito por eles. Além disso, outra divergência falta ser esclarecida: os tiros foram na Rua João Paulo I, conforme disse a polícia, ou na esquina das ruas Joaquim Palhares com a João Paulo I, como informaram testemunhas ao GLOBO?
E o uso de um telefone celular?
No dia do crime, na rua onde Marielle participava de um evento, na Lapa, as câmeras de segurança no local flagraram luzes dentro do carro que estaria à espera da vereadora, que poderiam ser da tela de um celular. No percurso feito pela vereadora e pelo motorista naquela noite, existem 26 antenas de cinco operadoras de telefonia, que poderiam identificar quantos aparelhos fizeram ligações ou mandaram mensagens nas proximidades do crime.