Uma denúncia feita na semana passada de que dados de 51,3 milhões de usuários do Facebook foram obtidos ilegalmente pela consultoria de marketing Cambridge Analytica para influenciar a eleição de Donald Trump nos EUA e a decisão dos ingleses de deixar a União Europeia acendeu a luz vermelha para a manipulação das informações pessoais com o objetivo de vitaminar campanhas políticas. O caso foi agravado com as acusações de que a Cambridge, presidida por Alexander Nix, utilizava práticas antiéticas, entre elas suborno, identidades falsas e prostituição. Nix foi afastado do cargo. Essa é a maior crise da história do Facebook, que perdeu US$ 49 bilhões em valor de mercado em dois dias. Uma série de investigações e processos foram abertos e o cofundador Mark Zuckerberg foi convocado pelos parlamentos britânico e europeu e pelo Congresso americano para dar explicações sobre o uso indevido de informações privadas.
A polêmica começou com uma denúncia de Christopher Wylie, ex-funcionário da Cambridge. Ele disse que a consultoria comprou ilegalmente da empresa Global Science Research, do pesquisador Aleksandr Kogan, os dados dos usuários do Facebook. Kogan criou um aplicativo chamado “thisisyourdigitallife”, um questionário que descrevia a personalidade dos usuários a partir de suas respostas e pedia acesso a seus dados pessoais. Cerca de 270 mil pessoas utilizaram o programa, mas o maior problema é que os dados dos amigos dessas pessoas foram acessados sem que elas soubessem. Para piorar a situação do Facebook, seu ex-funcionário Sandy Parakilas disse que na época havia alertado os executivos sobre a vulnerabilidade das informações entregues a terceiros, em especial para desenvolvedores de aplicativos, mas não fora ouvido.
Diante de tamanha confusão envolvendo a rede social e do risco de ter mais prejuízos, Mark Zuckerberg finalmente se pronunciou, postando, na quarta-feira 21, um texto em seu perfil. “Nós temos a responsabilidade de proteger os seus dados e se nós não conseguirmos então não merecemos servir você”, escreveu. Na nota, ele anuncia que a empresa adotará algumas medidas, entre elas investigar os aplicativos que tiveram acesso a grande quantidade de dados antes de 2014, quando a empresa aplicou normas mais rígidas sobre seu uso, e fornecer menos informações sobre os usuários aos aplicativos.
A técnica que foi utilizada pela Cambridge Analytica nas campanhas eleitorais é chamada de psicometria, ou seja, um mapeamento da personalidade das pessoas e suas inclinações ideológicas a partir de seu comportamento nas redes sociais. Para os profissionais que trabalham com essa inteligência de dados, esse método é lícito porque acessa informações que estão publicadas nas redes. “A tecnologia conecta milhões de pessoas e facilita que os candidatos entendam os anseios da população. Esse é o lado branco da força”, diz Rodrigo Helcer, fundador da Stilingue, plataforma de inteligência de dados usada pela gestão João Doria na prefeitura de São Paulo. Para Helcer, o problema começa quando os dados passam a ser usados indevidamente, como na produção de fake news, perfis falsos e robôs que enviam propaganda personalizada aos usuários.
Após o vazamento de dados na campanha de Trump, a brasileira Cambridge Analytica Ponte (CA Ponte), de André Torretta, rompeu a parceria com a Cambridge que consistia em troca de metodologia e know-how para análise de dados. Torretta terá de prestar esclarecimentos ao Ministério Público do Distrito Federal. De acordo com um funcionário da CA Ponte, antes das denúncias sobre o Facebook a empresa tinha contratos assinados com candidatos estaduais para pré-campanha em Sergipe e no Maranhão e havia sido procurada por Marina Silva e Jair Bolsonaro. A empresa estava na fase de diagnóstico, auditoria de banco de dados e pesquisas para entender o cenário político brasileiro.