A investigação foi aberta para apurar trechos do acordo de delação premiada de executivos da empreiteira Odebrecht
Em um novo lance de disputa de poder entre a PGR (Procuradoria-Geral da República) e a Polícia Federal, a procuradora-geral Raquel Dodge reclamou com o ministro do STF Edson Fachin que uma decisão dele atrapalha o andamento de um dos inquéritos que trata do senador Aécio Neves (PSDB-MG).
A investigação foi aberta para apurar trechos do acordo de delação premiada de executivos da empreiteira Odebrecht.
No inquérito, Fachin havia recebido uma petição enviada diretamente por um delegado da Polícia Federal lotado no Ginq, o grupo da direção-geral da PF que investiga casos que envolvem políticos com foro especial no STF, e decidido prorrogar o inquérito, por 60 dias, sem ouvir a opinião de Dodge. Ecoando a posição do seu antecessor, Rodrigo Janot, que também reagia a esse tipo de comunicação direta entre PF e STF, Raquel Dodge peticionou ao ministro.
"Embora o objetivo tenha sido nobre, o deferimento de prorrogação de prazo sem prévia manifestação do titular da ação penal acaba por atrapalhar o próprio andamento da apuração, pois prejudica o conhecimento, por parte do Parquet [Ministério Público], da linha investigatória desenvolvida e do estágio das investigações", escreveu Dodge em petição do dia 13 de março.
O ministro Fachin ainda não se manifestou sobre a petição de Dodge.
Citando decisões anteriores do ministro Teori Zavascki, morto em 2017 e ex-relator dos casos da Operação Lava Jato no STF, a procuradora-geral afirmou que a Constituição "atribuiu ao Ministério Público a titularidade da persecução penal".
"Portanto, investigações criminais, por quem quer que sejam realizadas, não têm um fim em si mesmo. Sua finalidade é a formação do convencimento do órgão estatal acusador", afirmou Dodge. A procuradora-geral escreveu ainda que cabe a ela "com exclusividade, direcionar o esforço investigatório jurídico e estratégico a ser realizado no bojo do inquérito".
Para Dodge, a triangulação entre STF, PGR e PF se trata de um "resquício disfuncional", pois a investigação criminal deveria "tramitar diretamente" entre PGR e PF.
De qualquer forma, escreveu a procuradora-geral, "no cenário atual", seria "imprescindível a prévia manifestação do órgão ministerial sobre solicitações da autoridade policial".
Para recorrer a uma comunicação direta com os ministros do STF, a Polícia Federal faz referência ao Regimento Interno do Supremo, que estabelece a possibilidade de o relator de um inquérito no tribunal esticar o prazo para o fim da investigação, "sob requerimento fundamentado da autoridade policial ou do procurador-geral da República".
O regimento diz ainda que, após a abertura do inquérito, "a autoridade policial deverá" providenciar "elementos necessários à conclusão das investigações, efetuando as inquirições e realizando as demais diligências necessárias à elucidação dos fatos". Ao final das investigações, o delegado deve apresentar "peça informativa".
Ao longo dos últimos anos, contudo, sobretudo a partir da gestão do ex-procurador-geral Rodrigo Janot, o STF passou a decidir favoravelmente à posição dos procuradores.
O inquérito prorrogado por Fachin após o pedido da PF foi aberto em março do ano passado para apurar afirmações de delatores da Odebrecht.
Segundo o resumo feito ao STF por Dodge, Marcelo Odebrecht, dono da companhia, e outro delator afirmaram ter pago R$ 30 milhões a Aécio Neves "para que ele influenciasse o andamento dos projetos do Rio Madeira (usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau, em Rondônia) atendendo interesse do grupo e da Andrade Gutierrez no projeto". Conforme a procuradora-geral, o "valor total destinado a Aécio Neves", segundo os delatores, "foi de R$ 50 milhões, sendo que os R$ 20 milhões restantes foram pagos pela Andrade Gutierrez, com conhecimento de [empresário] Sérgio Andrade".
O senador Aécio Neves tem negado ao longo dos meses qualquer participação em irregularidades. Com informações da Folhapress.