Perito criminal federal diz que houve subvalorização dos ativos da petroquímica e que estatal negligenciou relatórios encomendados por ela mesma em benefício de cálculos feitos por banco contratado pela Braskem, que comprou a empresa em 2009
Um laudo preparado pela Polícia Federal, no Paraná, levanta suspeita sobre o valor de venda da Petroquímica Triunfo, da Petrobrás, para a Braskem, do grupo Odebrecht, em 2009. De acordo com o documento, obtido com exclusividade pelo ‘Estado’, a negociação teria provocado um prejuízo para a estatal entre R$ 144,4 milhões e R$ 191,2 milhões. O relatório, feito por um perito criminal federal, foi incorporado à investigação que corre em segredo de Justiça e está no âmbito da Operação Lava Jato.
Segundo fontes, o inquérito começou em 2014, com denúncias dos ex-sócios da Petrobrás na Triunfo, os irmãos Auro e Caio Gorentzvaig. A estatal detinha na companhia, localizada no Rio Grande do Sul, uma fatia de 84,4%, por meio da sua subsidiária Petroquisa. O restante pertencia à Petroplastic, companhia da família Gorentzvaig.
Em 2008, antes do negócio com a Braskem, a Petrobrás tinha recebido uma oferta da Petroplastic para comprar a Triunfo por R$ 355 milhões. Mas a venda não foi fechada porque a estatal justificou que a sócia teria perdido o prazo para concluir a transação. O argumento da família era que o processo de avaliação da empresa ainda não tinha sido concluído. O caso foi parar na Justiça e, logo em seguida, a estatal iniciou conversas com a Braskem, de quem também era sócia, para fazer a incorporação da Triunfo por cerca de R$ 250 milhões, valor bem abaixo da oferta dos Gorentzvaig.
Nessa época, já era pública a estratégia de Braskem e Petrobrás de assumir relevância mundial no setor petroquímico. Para isso, a estatal repassaria à empresa do grupo Odebrecht uma relação de ativos na área, que incluía, além da Triunfo, a Central Petroquímica do Sul (Copesul), a Petroquímica Paulínia, a Ipiranga Química e a Ipiranga Petroquímica.
Com a incorporação da Triunfo, a Braskem conseguiu o controle do Polo Petroquímico do Sul. Mais tarde, em 2010, também passou a controlar o Polo Sudeste, ao incorporar a Quattor, antiga Suzano Petroquímica. A compra dessa última empresa pela Petrobrás, em 2007, também está sendo investigada pela Polícia Federal. O valor pago, R$ 2,7 bilhões, foi considerado alto, por estar muito acima do preço mínimo, conforme delação de Paulo Roberto Costa. “Como praxe, seria esperado que o preço de aquisição fosse próximo do mínimo, afim de atender aos interesses comerciais da Petrobrás”, explicou o ex-diretor, na delação. Procurada, a Suzano Holding afirmou em nota que “toda a transação para venda da empresa atendeu a todos os requisitos legais. A avaliação dos ativos e a definição do valor da operação foi suportada por análises independentes feitas por bancos de primeira linha”.
Subavaliação. No negócio envolvendo a Triunfo, a diferença entre as propostas levou os peritos da Polícia Federal a recalcular o valor da empresa com base em relatórios de bancos. Foram usadas as análises do UBS Pactual, contratado pela Petrobrás para o negócio, e do Bradesco BBI, por parte da Braskem. O laudo incorpora ainda relatório do Santander, de 2007, encomendado pela Petrobrás na negociação com a Petroplastic, que avaliava em Triunfo em R$ 355 milhões.
O resultado do laudo é que houve subvalorização dos ativos da Triunfo. Os peritos dizem que a Petrobrás teria negligenciado relatórios de avaliação feito pelo banco que ela própria contratou em benefício do relatório emitido pelo Bradesco BBI, que fez o cálculo para o comprador.
“Os relatórios demonstravam um cenário mais desafiador, em grande parte pela iminência de uma crise mundial e por aspectos inerentes ao negócio. No entanto, constatou-se que o relatório usado para a tomada de decisão (Bradesco BBI) foi feito com excessivo viés de baixa”, afirmam os peritos, no documento.
Segundo eles, com base num fluxo de caixa reduzido, o Bradesco BBI chegou num valor da empresa de R$ 249 milhões enquanto os cálculos da perícia apontam para valores entre R$ 393 milhões e R$ 440 milhões. Em nota, o Bradesco BBI disse que “prestou serviço de avaliação técnica à parte interessada na compra”, no caso a Braskem. Isso significa que o banco não participou de toda a negociação, mas só fez os cálculos de preço da empresa.
Cooperação. A Braskem, por sua vez, explicou que, em razão do acordo de leniência, assumiu o compromisso de cooperar com as autoridades. “Em relação especificamente a esse assunto (Triunfo), a empresa já se manifestou no processo de investigação, que corre sob segredo de Justiça. Com base em avaliações societárias e econômico-financeiras juntadas ao processo, a Braskem não identificou nenhuma irregularidade.”
Fontes do setor afirmam que a Braskem contratou relatório do economista Gustavo Franco para comprovar que não houve nenhuma irregularidade na incorporação da Triunfo e nos cálculos de preços dos ativos.
A Petrobrás disse, também por meio de nota, que as autoridades públicas que conduzem as investigações da Operação Lava Jato e o Supremo Tribunal Federal reconhecem que a empresa é vítima de todos os fatos revelados pela operação. “A Petrobrás segue colaborando com as autoridades e buscará o ressarcimento de todos os prejuízos causados em função dos atos ilícitos cometidos contra a companhia.” Ao contrário do passado, hoje a estatal segue o caminho inverso e tenta vender sua participação na Braskem.
Em uma guerra jurídica contra a Petrobrás, a família Gorentzvaig acredita na recuperação da Triunfo. Auro Gorentzvaig acusa a estatal de “expropriar” a petroquímica da família em benefício da Braskem. Ele diz que há na Justiça ação movida pelo pai, Boris, que morreu em 2012. “A ação nos leva de volta ao mercado; pedimos a retomada de market share.”