A data está marcada para sempre: não há mais sentimentos plenos. Se por um lado Porto Velho comemora o seu aniversário de instalação todo 24 de Janeiro, por outro, no hemisfério negativo, se vê obrigada a chorar a morte de uma de suas filhas mais queridas, reverberando eternamente a angústia, o sofrimento e a dor infligidos a estudante Naiara Karine, seus familiares, amigos e nós, espectadores passivos de sua tragédia pessoal.
Há exatos cinco anos, Naiara absorveu fisicamente o ápice da barbárie humana ao ser estuprada, violentada, asfixiada e, não fosse suficiente, executada com pelo menos vinte e nove facadas. Seu corpo atirado ao chão jazia então sem vida, decretando o fim dos sonhos, das ambições e de um futuro promissor trilhado a duras penas até ali.
Naquele dia, o lobo venceu. Ou melhor, os lobos venceram. Começava, a partir dali, a temporada de caça às bestas.
No ano seguinte ao assassinato, já em 2014, a Justiça de Rondônia condenou o primeiro envolvido na execução: Marco Antônio Xavier, um vigilante, sentenciado a 24 anos de prisão; em 2016, o Poder Judiciário alcançou mais dois. Os agentes penitenciários Richardson Bruno Mamede e Francisco Plácido receberam, respectivamente, as penas de 14 e 9 anos de cadeia. O último acusado, Wagner Strogulski, acabou absolvido.
Marco Antônio, o mais sádico e doentio de todos, chegou a gravar a violência sexual praticada contra a jovem, demonstrando ao mesmo tempo crueldade e despreocupação.
Em maio de 2015, pouco mais de um ano após ser sentenciado ao cárcere, Xavier tornou-se protagonista de uma reportagem do Fantástico onde aparecia usufruindo, junto a outros presos do regime fechado, de terapias alternativas promovidas por uma ONG no sistema carcerário de Rondônia, incluindo a ingestão do Daime – chá alucinógeno usado em rituais religiosos.
Para começar, meditação, ao som da Sinfonia Heroica, de Beethoven. Depois, massagem ayurvédica, uma modalidade indiana feita com óleos. Um preso aplica no outro, e depois recebe. E mais: a terapia do cone chinês, para purificar os ouvidos e as vias respiratórias. Também o Reiki, que os praticantes acreditam ser uma cura pelas mãos. E, no fim do dia. De todas as terapias alternativas que acontecem, a mais alternativa é o banho de lama. A ideia é que as coisas ruins saiam pelos poros.
Sem as mesmas oportunidades, sob forte ameaça, a família da moça brutalmente assassinada se viu obrigada a se mandar do Estado de Rondônia, o mesmo Estado que não conseguiu proteger Naiara.
Com isso, a nebulosidade envolta ao caso ainda paira sobre todos nós 1.825 dias após a última centelha da menina apagar-se – restando o breu da injustiça, da iniquidade.
É possível que um vigilante e dois agentes penitenciários tenham, sozinhos, arsenal extramuros com força e capacidade de transformar amedrontamento em nova fatalidade? Os pais não quiseram esperar a resposta, caíram fora – e com razão. Se os bastidores tiverem ao menos um por cento de verdade, o peixe grande por trás de um dos crimes mais horrendos de Rondônia ainda irá fritar na frigideira, mas não duvide da capacidade de a história estagnar por aí.
Portanto, se você é de Porto Velho ou de qualquer município do interior de Rondônia faça questão de, sempre ao exaltar o aniversário da Capital, lamentar também o desfecho cruel de nossa irmã Naiara Karine.