Cobertura vacinal é menor do que deveria ser e vírus está perto de áreas populosas
O risco de o Brasil enfrentar um surto de febre amarela nas proporções da que foi registrado em 2017 não está descartado, segundo especialistas consultados pelo Estado. Embora os níveis de cobertura vacinal tenham melhorado em relação ao ano passado, eles ainda são menores do que o que seria considerado ideal. A apreensão aumenta quando se leva em consideração o fato de, neste ano, a circulação do vírus estar em áreas próximas de regiões muito populosas e, sobretudo, onde não havia recomendação de vacinação – portanto, com grande número de pessoas suscetíveis.
“É bem possível que a gente observe uma situação similar à de 2017, apesar do nível da imunização ter melhorado”, diz o professor da Universidade Federal do Rio Guilherme Werneck. Para ele, as ações feitas até agora contribuem para frear a velocidade do avanço, mas não se sabe se serão suficientes para conter um aumento expressivo de casos.
O professor da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto e presidente da Sociedade Brasileira de Virologia, Maurício Nogueira, avalia que os próximos dias serão cruciais. “Tudo vai depender da rapidez com que vamos vacinar e, com isso, bloquear o avanço da circulação do vírus”, observa.
Os professores ouvidos pelo Estado afirmam que há anos circula a informação do avanço do vírus de febre amarela no País. “A expansão da circulação não é um fenômeno novo. Há 20 anos o vírus vem se aproximando cada vez mais da região da Mata Atlântica”, afirma Nogueira.
Os primeiros sinais começaram no início dos anos 2000, quando casos foram registrados no noroeste de São Paulo. “Depois se deslocou para Minas e outras regiões de São Paulo até que, em 2016, chegou bem próximo da Mata Atlântica.” Era o retorno do vírus para a primeira região onde ele se estabeleceu, com o processo de colonização, conta. Diante dos sinais de expansão da doença para além da região considerada de risco, uma equipe de especialistas há tempos defende a adoção da vacinação de toda população brasileira contra o vírus da febre amarela. A discussão, no entanto, não havia prosperado por causa de reações adversas provocadas pela vacina, que é feita com o vírus atenuado. Em São Paulo, três óbitos foram registrados.
Fatores. O surto do ano passado, para especialistas, foi resultado da combinação de dois fatores: o avanço da doença para áreas sem recomendação da vacina e com grande número de pessoas suscetíveis. Mas não foi só o imponderável. A doença também se alastrou por áreas de risco que, mesmo assim, tinham baixa cobertura vacinal. “Em termos de indicação de vacinação, a gente já deveria ter, antes de 2017, ampliado os esforços de cobertura de febre amarela. A gente pagou por não ter feito aquilo que deveria ter sido feito”, avalia Werneck. “Não foi só culpa de quem estava ali naquela hora, porque as ações já deveriam ter sido preparadas, estimuladas anteriormente.”
A coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, Carla Domingues, afirmou que a baixa cobertura de vacina não é de responsabilidade da pasta, mas sim dos municípios, que devem vacinar. Ela atribuiu em parte a responsabilidade da baixa cobertura à população, que só comparece aos postos quando há aumento expressivo de casos ou mortes provocadas pela doença.