Benefício foi extinto em dezembro de 2000; estimativa é que a volta do auxílio custaria R$ 2,2 bilhões neste ano
O comandante da Marinha, almirante Eduardo Bacellar Leal Ferreira, defendeu, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, a volta do auxílio-moradia para militares, extinto em dezembro de 2000. O benefício é reivindicado também por integrantes do Exército e da Aeronáutica. Dados de um estudo do Ministério da Defesa sobre os vencimentos da categoria apontam que a volta do auxílio-moradia para as Forças Armadas custaria R$ 2,2 bilhões neste ano. O valor se refere ao pagamento a 246 mil militares na ativa das três Forças.
A discussão ocorre em um momento em que o Supremo Tribunal Federal prevê para março o julgamento do conjunto de ações que tratam do auxílio-moradia para juízes. Desde setembro de 2014, uma decisão liminar (provisória) do ministro do STF Luiz Fux garante aos magistrados o pagamento de até R$ 4.377 mensais referente ao benefício. Na esteira da decisão, o Conselho Nacional do Ministério Público estendeu o auxílio a promotores e procuradores com valores semelhantes.
No Congresso, deputados que optam por não morar nos apartamentos funcionais – mantidos com recursos da Câmara – podem pleitear R$ 4.253 por mês. De acordo com o estudo da Defesa, se o auxílio-moradia voltasse a existir nas Forças, o valor médio pago aos militares seria de R$ 748 mensais. Pela lei extinta, a indenização variava de acordo com o posto.
Dados do Ministério do Planejamento apontam que o governo desembolsou, em 2016, R$ 900 milhões com auxílio-moradia para integrantes do Executivo, Legislativo e Judiciário. Esse gasto representou 5,42% de todos os benefícios pagos a servidores naquele ano.
‘Soldo baixo’
O comandante da Marinha disse considerar “fundamental” a volta do benefício por causa dos baixos vencimentos da corporação. “O topo da nossa carreira, depois de 45 anos de serviço, muitas vezes, não é nem o piso de outras”, afirmou Leal Ferreira. E completou: “Isso dá um incômodo e uma sensação de injustiça”.
Segundo ele, os militares, que vêm participando de ações de segurança pública em capitais e grandes cidades, acabam morando em áreas de risco, muitas vezes controladas pelo tráfico e milícias, “onde as famílias ficam vulneráveis e são ameaçadas”. “O risco de contaminação da tropa (pelo crime organizado) é grande, principalmente porque a Marinha participa, junto com o Exército, das operações nestes locais”, afirmou o almirante Leal Ferreira.
O almirante Leal Ferreira disse ainda que o auxílio-moradia para a Marinha é importante porque 70% do efetivo – cerca de 50 mil militares – mora no Rio. No Estado, existem cerca de 500 imóveis funcionais, que atendem a 1% do total.
De acordo com o artigo 50 do Estatuto dos Militares, quem está na ativa tem direito a moradia para si e família, “em imóvel sob responsabilidade da União, de acordo com a disponibilidade existente”, ou em quartel ou embarcado.
Em viagem ao exterior, o ministro da Defesa, Raul Jungmann, não foi localizado para comentar o assunto. O Ministério do Planejamento informou que não foi procurado para tratar do caso. A equipe econômica vem estudando, desde o ano passado, propostas para reduzir gastos com benefícios de servidores.
Histórico
A lei que estabelecia a indenização de moradia para as Forças, aprovada no início dos anos 1990, previa que o valor pago variava de acordo com o posto do militar. Representava 30% do soldo se o militar possuísse dependente declarado e 10%, se não. “Cortaram nosso auxílio-moradia e deram para muitas outras categorias. Isso levou militares a morar em áreas de risco, por causa dos baixos salários”, disse o almirante. Ele lembrou que o militar está sujeito a transferências constantes de cidade, independentemente de sua vontade.
Dos atuais 378 mil militares na ativa, 246 mil teriam direito ao auxílio-moradia. Recrutas (soldados prestando serviço militar) e alunos de escolas de formação não teriam direito porque dispõem de alojamentos.
Julgamento
A presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, deve pautar para março o julgamento de três ações sobre o auxílio-moradia da magistratura. O plenário da Corte vai decidir se referenda ou não decisão do ministro Luiz Fux de 2014 que assegurou o direito ao benefício a todos os juízes em atividade no país.
Para a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), os questionamentos ao auxílio-moradia a juízes estão em um contexto de “retaliação”. “Há um esforço de desviar um pouco a atenção do quadro de corrupção a partir de ataques cada vez mais sistemáticos ao Judiciário, que dos três Poderes da República é o mais prestigiado”, disse o presidente da Anamatra, Guilherme Feliciano. “Eu acho que há um conjunto de situações que indicam uma retaliação à magistratura”, afirmou o presidente da Ajufe, Roberto Veloso.
A ministra Cármen Lúcia informou na segunda-feira (15) os presidentes da Anamatra e da Ajufe sobre a intenção de pautar as ações que estão sob relatoria de Fux.
A mesma preocupação com esse tipo de contaminação da tropa já havia sido manifestada pelo comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas.