Presidente supera Dilma e Lula com 1,16 medida com força de lei por semana; parlamentares reclamam e Planalto alega ‘urgência econômica’
Em pouco mais de um ano e meio de mandato, o presidente Michel Temer superou seus antecessores e alcançou o posto de recordista em edição de medidas provisórias (MPs) desde 2001. Levantamento feito pelo Estado mostra que o emedebista editou, em média, mais de uma MP por semana (1,16). Números que superam os índices já considerados altos dos petistas Luiz Inácio Lula da Silva, com 1,09 MP por semana, e Dilma Rousseff, que fechou seu governo com 0,78.
Só na última semana do ano passado, Temer editou seis medidas provisórias, alcançando 91 desde maio de 2016 – 39 foram convertidas em lei e a maioria, 44, ainda está em tramitação. Criticado pela Procuradoria-Geral da República e deputados federais, o instrumento tem força de lei e deve ser usado, segundo a Constituição, em casos de relevância e urgência.
Nesta terça-feira (9), a Coluna do Estadão revelou que o presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), deu ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), prazo de sete dias para recebimento das MPs antes do vencimento – uma medida tem força de lei por 45 dias e, após esse período, caduca.
O Planalto, em nota, alegou que, em função do “tempo de governo limitado e pela urgência das ações econômicas, as medidas provisórias se fazem necessárias”. A discussão sobre o tema chega ao Congresso e divide os partidos que apoiam e os que são contrários ao governo. Para a oposição, há abuso na edição das medidas. Já líderes da base defendem o instrumento para burlar a suposta burocracia no andamento de propostas.
Para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), a edição recorde de MPs revela uma “voracidade” do governo em desmontar situações criadas pela gestão anterior. “O governo abusa das MPs por não poder contar com o rito normal do Legislativo e por depender de uma base gulosa”, disse. Também da oposição, o deputado Carlos Zarattini (SP) afirmou que o governo não tem perspectiva de continuidade e o excesso dessas medidas trava a pauta.
Na base do governo, o deputado Arthur Lira (PP-AL) reconheceu que houve aumento “maior do que razoável” no envio de MPs e algumas matérias poderiam ter sido propostas como projeto de lei. Já o deputado Efraim Filho (PB), líder do DEM, avaliou que MPs ajudam a dar celeridade às propostas. “Esse governo se propôs desde sempre a ser um governo de travessia. Por isso a celeridade das MPs para aprovar as transformações propostas.”
Economia
Cerca de 80% das medidas envolvem temas de origem econômica e tributária ou tratam de vários assuntos juntos. Um exemplo é a MP da Privatização da Eletrobrás (814), de 28 de dezembro de 2017.
Com o objetivo de retirar da lei o trecho que proíbe a desestatização da empresa, a medida suscitou novas críticas do aliado e presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que já vinha falando em abuso de MPs.
“Medidas provisórias devem ser apenas para matérias relevantes e urgentes. A venda de um ativo precisa do aval do Congresso antes. Vivemos em uma democracia”, afirmou o presidente da Câmara ao Estado.
Além de Lula e Dilma, outras gestões também tiveram médias inferiores, mas, como houve uma mudança nas regras em 2001, essas MPs mais antigas foram desconsideradas pelo Estado. Em 2001, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) barrou a “farra das MPs”, em que medidas eram reeditadas até passarem no Congresso.
As médias semanais de José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso são inferiores à de Temer, mas esse número pode mudar, se forem consideradas as reedições de cada medida.
Foro
Uma das MPs que mais provocaram polêmica foi a que deu status de ministério à Secretaria-Geral da Presidência – e, assim, foro privilegiado a Moreira Franco (MDB), que comanda a pasta e foi citado na delação da Odebrecht. O instrumento escolhido pelo presidente foi contestado no Supremo Tribunal Federal pelo então procurador-geral, Rodrigo Janot, que alegou falta de urgência.
Temer apresentou duas MPs, uma vez que a primeira corria risco de caducar pela demora do Congresso em avaliá-la. Mais recentemente, em dezembro, a atual procuradora-geral, Raquel Dodge, também alegou inconstitucionalidade da lei gerada pela segunda medida.
Outro momento em que o governo tentou emplacar mudanças via MP, mas desistiu, foi com a proposta de extinção da Reserva Nacional de Cobre e seus Associados (Renca), entre Pará e Amapá. A pressão veio de ambientalistas e celebridades. Apesar da desistência da extinção da Renca, a MP virou lei.