À PF, José Augusto Ferreira dos Santos, fundador do banco BVA, disse que não cumpriu acerto com executivo da Andrade Gutierrez após receber recursos por meio de contratos de fachada
O ex-dono do banco BVA José Augusto Ferreira dos Santos disse em depoimento à Polícia Federal que ele e seus sócios embolsaram R$ 2 milhões que deveriam ter sido repassados ao senador Romero Jucá(PMDB-RR) em 2010 como parte de um acerto dele com a Andrade Gutierrez. Ele depôs no dia 7 de dezembro no inquérito que apura o pagamento de propinas de R$ 10 milhões a Jucá pela Odebrecht e Andrade Gutierrez referentes às obras da usina de Santo Antônio, no rio Madeira, tocada pelas duas empreiteiras.
Na versão do ex-banqueiro, que já chegou a ser preso duas vezes por suspeita de envolvimento nos esquemas de corrupção na Petrobrás e na Caixa, a Andrade Gutierrez lhe transferiu R$ 2 milhões por meio de contratos de fachada para que os valores fossem repassados à campanha de Jucá em 2010, porque a empreiteira já tinha atingido o teto de doações eleitorais e não poderia fazer os pagamentos diretamente. Em seu depoimento, José Augusto afirmou que os valores foram repassados por meio de contratos de fachada com duas empresas: a Ibatiba, controlada por ele mesmo, e a Probank, controlada pelo seu sócio Benedito Ivo Lodo Filho.
“Perguntado sobre a destinação final dos valores que ingressaram nas contas das empresas Ibatiba e Probank, advindos da Andrade Gutierrez, o declarante afirma que houve distribuição entre os sócios das empresas, sobretudo ao próprio declarante, tendo sido direcionados também a investimentos diversos”, disse José Augusto. Ele afirmou ainda que, no caso da Probank, os recursos não foram para Benedito Ivo, mas sim investidos em debentures da holding BVA Empreendimentos, de José Augusto. No depoimento, o executivo não explica por que não repassou o dinheiro como combinado. "Os valores permaneceram na esfera de disponibilidade das empresas vinculadas ao declarante, sem qualquer reclamação por parte da Andrade Gutierrez ou de Romero Jucá", afirmou.
As empresas de José Augusto e seu sócio já haviam sido citadas por delatores da Andrade Gutierrez como sendo utilizadas para repassar propinas a políticos referentes às obras da usina de Angra 3. Em sua delação, porém, o ex-presidente da AG Energia Flávio David Barra não havia mencionado o acerto com o senador referente às obras de Santo Antônio. Após o caso vir à tona com as delações de executivos da Odebrecht, Flavio Barra prestou novo depoimento à Polícia Federal no qual afirmou ter certeza que os pagamentos à Ibatiba e Probank feitos em 2010 eram referentes ao acerto envolvendo a usina de Santo Antônio e que tratou sobre eles com José Augusto. Segundo os delatores, ficou acertado que a Odebrecht seria responsável por 60% das propinas, enquanto a Andrade Gutierrez ficaria responsável pelo outros R$ 40%.
Dessa forma, no caso de Jucá, dos R$ 10 milhões acertados inicialmente, R$ 6 milhões seriam repassados pela primeira empreiteira e o restante pela segunda. Em seu depoimento, porém, Flávio Barra não soube indicar como foi repassado o restante do dinheiro a Jucá até completar os R$ 4 mi.
Tanto no caso da Probank quanto da Ibatiba, José Augusto disse à PF que não houve nenhuma cobrança por parte da Andrade Gutierrez ou de Romero Jucá pelos pagamentos que nunca chegaram ao peemedebista. Com as quebras de sigilo bancário e documentos entregues por delatores, a Polícia Federal conseguiu identificar pagamentos da Andrade de R$ 1,1 milhão para a Probank e de R$ 1,4 milhão para a Ibatiba em 2010. Na versão de José Augusto, Flávio Barra o procurou no começo de 2010 para tratar de doação para a campanha de Jucá naquele ano.
Em seu depoimento, o empresário não cita a usina de Santo Antônio e diz que Flávio Barra pediu sua ajuda para fazer doações eleitorais pois, na ocasião, a Andrade já tinha esgotado sua capacidade de fazer doações oficiais. O executivo contou à PF que aceitou ajudar na operação financeira pois tinha interesse em manter uma “boa relação” com a Andrade Gutierrez, que na época estaria interessada em adquirir a sua empresa Multiner. A partir daí, José Augusto conta que levou Flavio Barra para uma reunião com outros executivos da BVA, sem citar nomes, nas quais ficou acertado que o dinheiro deveria ser repassado pela Andrade por meio de contratos de consultoria fachada com a Probank e a Ibatiba.
Na versão de Flávio Barra, porém, foi o próprio Jucá quem indicou que os executivos da empreiteira procurassem José Augusto para articular o repasse de propina referente à usina de Santo Antonio. Questionado pela PF, o ex-banqueiro afirmou “desconhecer essa circunstância” e que houve apenas uma “solicitação de agenda com Flávio Barra”. “Inclusive, pensou inicialmente tratar-se da venda da empresa Multiner”, segue o depoimento.
Ele admitiu conhecer Jucá e disse ter participado de “encontros institucionais” no gabinete do senador enquanto representante da Associação dos Bancos do Rio de Janeiro, mas disse que não mantinha uma relação com o senador que justificasse o fato de Jucá o indicar para tratar do repasse de dinheiro.
Diante do depoimento e das informações sobre os pagamentos da Andrade e da Odebrecht, o delegado da PF responsável pelo caso, Thiago Delabary, pediu ao Supremo a prorrogação do inquérito por mais 60 dias para aprofundar as investigações. O delegado também quer que seja ouvido o ex-diretor de Relações Institucionais da Andrade Flávio Machado, que mantinha contato com Jucá.
José Augusto chegou a ser preso na 41ª fase da Lava Jato por suspeita de receber parte da propina do esquema de corrupção na Petrobrás em uma conta na Suíça de uma offshore controlada por ele e pelo operador do PMDB João Augusto Henriques, também preso na Lava Jato. Além disso, ele também foi detido na Operação Sépsis por suspeita de participar do braço do PMDB no esquema de corrupção na Caixa. Beneficiado por um habeas corpus, atualmente está em prisão domiciliar. O criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay, que defende o senador Romero Jucá disse que seu cliente conhece José Augusto, mas que nunca teve negócios com ele ou pediu que o ex-banqueiro o representasse em qualquer questão envolvendo campanha eleitoral. O advogado afirmou ainda que Jucá desconhece o acerto de R$ 2 milhões entre a Andrade Gutierrez e José Augusto. "A palavra do delator não faz prova de absolutamente nada, cada vez mais estamos vendo as delações ruírem por falta de sustentação fática", disse o advogado.