Reitores e especialistas ouvidos pela reportagem apontam para o risco de uso político dos recursos e perda da autonomia universitária na gestão de verbas. Por outro lado, fiscalizações recentes têm apontado irregularidades em compras e na execução de obras em algumas universidades. O ministro da Educação, Mendonça Filho, por exemplo, tem destacado falhas de gestão em parte das federais.
Levantamento do MEC aponta que pelo menos um terço das obras nas universidades federais parou – de 750 registradas, só cerca de 500 estão em execução. Em outubro, um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) apontou possível superfaturamento de R$ 384,7 mil em contrato de obras na Universidade Federal do ABC (UFABC), com irregularidades na compra de materiais. A instituição, em nota, informou que o relatório é só um documento interno com pedidos de esclarecimentos, e não o resultado de um julgamento.
A ideia agora é seguir o modelo já adotado para os institutos federais, que prevê 70% do recurso de investimentos nas mãos do MEC e 30% com os institutos. “Esse recurso (de investimento sob gestão do MEC) é para as universidades e só o que muda é o gerenciamento. Elas continuam tendo autonomia”, afirma o diretor de desenvolvimento da rede de universidades federais do MEC, Mauro Rabelo.
De acordo com ele, a estratégia é que as universidades consigam, com a metade de recursos próprios, tocar as obras de menor porte, investir em equipamentos, compra de livros e mobiliário, enquanto o MEC vai gerir o restante, escolhendo o que deve ser prioridade em todo o sistema. Até agora, os reitores tinham total autonomia para escolher como usar o recurso. A distribuição deverá ser feita, de acordo com o MEC, segundo uma matriz de riscos da pasta.
Críticas
A descentralização deixou os reitores com dúvidas sobre quanto, de fato, terão para investir no próximo ano. Para eles, existem riscos de as obras que estão em andamento ficarem paralisadas.
“Temos obras importantes em Osasco e em Diadema (na Grande São Paulo) que podem ficar paralisadas”, diz Soraya Smaili, reitora da Unifesp. Neste ano, a Unifesp tinha R$ 34 milhões previstos para investimento, mas nem tudo foi liberado pelo MEC. “Nesse novo formato, só temos garantidos R$ 3,5 milhões para o ano que vem.” Por causa das restrições orçamentárias dos últimos anos, as federais já têm reduzido o ritmo das obras e cortado contratos de serviços.
Para ela, já existem mecanismos suficientes para analisar se as obras têm algum problema. “Nossos relatórios têm sido aprovados pela CGU e pelo TCU (Tribunal de Contas da União) ano a ano. Não existe essa má gestão. As novas obras são fundamentais para consolidarmos a expansão e não sabemos como será o ano que vem. Gostaríamos de ter mais clareza do que vai acontecer.”
Autonomia
O modelo das universidades federais é menos autônomo do que o que acontece desde 1988, por exemplo, nas estaduais paulistas (USP, Unesp e Unicamp). As três podem gerir como quiserem todo a verba recebida pelo governo do Estado, sem delimitações do que é investimento e custeio, por exemplo. As três instituições recebem uma cota fixa de 9,57% da arrecadação estadual do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
“O que me parece é que essa mudança tira a responsabilidade das universidades quando algo der errado”, avalia o especialista em ensino superior da Unicamp Renato Pedrosa.
“Quando a coisa aperta, elas podem pedir uma complementação para o ministério. Isso não acontece em São Paulo, por exemplo. Nas universidades estaduais, não existe espaço para pedir complementação, mesmo nos salários”, acrescenta.
Processo gradativo
Para o professor de Economia do Insper Sérgio Firpo, o ideal é que as universidades tivessem graus diferentes de autonomia, de acordo com o estágio em que se encontram. “Há universidades que, nos indicadores acadêmicos, não estão tão bem justamente porque não houve tempo de os investimentos maturarem e, portanto, precisam de mais investimentos. O ideal é conceder uma autonomia com responsabilização, com algum sistema de accountability (prestação de contas). Pode-se dar autonomias diferentes dependendo do estágio de desenvolvimento das universidades. Nas mais novas, um grau de intervenção maior, enquanto não se chegou ao estágio em que há, de fato, reconhecimento pelo mérito acadêmico e científico, por exemplo”, diz o professor.
Por outro lado, diz Firpo, a centralização pode diminuir eventuais desigualdades que existam no País. “Pode ser louvável, desde que isso esteja associado ao mérito, ou seja, para as universidades que, em geral, estejam agregando a seus estudantes, atrelando o investimento a um conjunto de indicadores.”
Mais eficiência
O Ministério da Educação (MEC) disse, em nota, que as universidades federais continuam com autonomia e o orçamento de investimento continuará sendo atribuído a elas. “A lei orçamentária é elaborada pelo Sistema Federal de Planejamento e Orçamento, que tem o MEC como órgão superior e as universidades como unidades orçamentárias descentralizadas. Essa sistemática está prevista na Constituição e demais leis e em nada afeta a autonomia orçamentária das universidades, que continuam com a autoridade de decidir a aplicação dos recursos que lhes são conferidos”, afirmou, em nota.
A promessa é de mais eficiência no uso dos recursos, “uma vez que a liberação ocorrerá de acordo com os indicadores da matriz de riscos elaborada pelo ministério, que já vem sendo discutida com os reitores”, informou a pasta. Haverá prioridade, por exemplo, a obras de salas de aula e laboratórios e serviços com melhores indicadores de desempenho físico e financeiro.
Diretor de desenvolvimento da rede de federais do MEC, Mauro Rabelo garantiu que não haverá prejuízo às instituições. “O ministério vai acolher as demandas das universidades no início do ano. A matriz foi discutida com a Andifes (associação que reúne os reitores) e os critérios também serão discutidos.”
Segundo Rabelo, o uso da verba deste modo é mais racional, pois o MEC consegue acompanhar a situação das obras. Argumentou ainda que não faz sentido distribuir o mesmo recurso de investimento todos os anos da mesma forma. “Uma universidade que recebeu R$ 50 milhões em um ano não precisa necessariamente deste mesmo valor no ano seguinte, porque pode ter concluído as obras.”
E reiterou não haver perda de autonomia. “Metade do recurso terá autonomia completa. A outra metade terá de passar pelo MEC e, então, vamos olhar a situação das 63 universidades, concorrendo entre si, para que o recurso seja alocado para cada uma delas segundo o estado em que se encontram.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.