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HOJE: Brasil termina 2017 com número recorde de queimadas desde 1999

Foram registrados cerca de 272 mil focos de fogo, 46% a mais do que no ano passado




O Brasil termina 2017 com um número recorde de queimadas desde 1999, quando teve início a série histórica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A análise dos locais onde os incêndios ocorreram mostra que, neste ano, o fogo aumentou em áreas de floresta natural, avançando em pontos onde antes não havia registro de chamas, e atingindo unidades de conservação e terras indígenas. Entre todos os biomas, o Cerrado foi o que teve mais unidades de conservação atingidas, contabilizando 75% de toda a destruição nas áreas protegidas.


Até agora, foram registrados cerca de 272 mil focos de fogo, 46% a mais do que em 2016 e acima do recorde anterior, de 2004, quando foram detectados 270 mil pontos de calor. Incêndios criminosos destruíram 986 mil hectares de unidades de conservação, o que corresponde a quase oito vezes a área da cidade do Rio. O número ficou próximo do registrado no ano passado, quando foram destruídos cerca de 1 milhão de hectares. Nas terras indígenas, os focos aumentaram 70% e ultrapassaram 7 mil.


— O fogo aumentou em áreas de floresta natural, onde não chegava antes — afirma Alberto Setzer, responsável pelo monitoramento de queimadas do Inpe.


Setzer diz que houve mais descontrole do fogo em 2017. Segundo ele, o Inpe ainda não terminou o cálculo da área afetada pelos incêndios. Enquanto os pontos de queimada são identificados por radar, a área destruída é somada por meio de estudos aprofundados. Em janeiro o Inpe deverá ter dados precisos sobre o Cerrado, por exemplo.


Apesar da grande quantidade de incêndios, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) teve o mesmo número de brigadistas de 2016 (1.170). Já o Ibama teve mil profissionais, o menor número desde a criação do sistema de prevenção e combate a incêndios florestais.


Embora o Cerrado tenha tido, proporcionalmente, mais unidades de conservação atingidas, a Amazônia concentrou mais da metade dos focos de queimadas em 2017, segundo dados do ICMBio. Na avaliação de cientistas, dois anos consecutivos de seca e estiagem prolongada tornaram os incêndios florestais mais graves. Clareiras abertas por madeireiros; corte de árvores maiores e mais nobres, as chamadas estruturantes das florestas; e desmatamento, que reduz a água no subsolo, estão mudando o microclima da floresta: ela está mais fragilizada e inflamável.


— Antes o fogo morria na beira da floresta. Agora já não morre e adentra na mata fechada — afirma Gabriel Zacharias, chefe do Centro Nacional de Prevenção e Combate aos Incêndios Florestais (Prevfogo).

De acordo com Zacharias, é preciso entender o que aconteceu este ano, já que as condições climáticas não foram tão diferentes da média.


— Com a sequência de anos secos, a parte de floresta que está sujeita a morrer está ficando maior. Há um déficit de água no solo e as clareiras abertas na floresta pelos desmatamentos permitem entrar mais sol. Para cada árvore que tiram, outras 50 são danificadas — diz Paulo Barreto, do instituto de pesquisa Imazon.


MICROCLIMA MUDA E PERMITE AVANÇO DO FOGO

Douglas Morton, geocientista da Nasa, antecipou ao GLOBO que a área queimada nos últimos dois anos na Amazônia foi muito maior do que a destruída nas secas de 2005 e 2010. Ele diz que, se antes o fogo entrava um ou dois quilômetros dentro da floresta, agora as chamas avançam até 100 quilômetros, por causa da mudança do microclima, o que torna quase impossível o trabalho dos brigadistas.


Um teste feito por pesquisadores do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) em Querência, no Mato Grosso, na região do Xingu, mostrou que depois de três anos de queimadas o poder do fogo aumentou. Antes, apenas 10% das árvores morriam. Agora, morrem 80% delas. E são justamente as maiores e com troncos mais grossos que sucumbem.


No Mato Grosso, por exemplo, segundo estado com maior número de focos de incêndios em 2017, o governo proibiu queimadas entre 15 de julho e 30 de setembro, o período mais seco do ano. De pouco adiantou.

Neste período o Inpe identificou 31.599 focos no estado, a maior parte em Colniza, palco da chacina de nove trabalhadores rurais em abril e da morte do prefeito Esvandir Antonio Mendes (PSB) na sexta-feira.


O Código Florestal, que entrou em vigor em 2012, prevê que só é possível responsabilizar alguém pelo uso irregular do fogo, se a pessoa for pega em flagrante. Houve incêndios criminosos este ano em parques nacionais importantes, como o da Chapada dos Veadeiros (Goiás) e da Serra da Canastra (MG), onde fica a nascente do Rio São Francisco.


— Como pegar em flagrante? É quase impossível. No Mato Grosso, ninguém deu bola para a proibição — diz Setzer, do Inpe.


Christian Berlinck, coodenador de Emergências Ambientais do ICMBio, conta que nas áreas de proteção os criminosos chegam a usar artefatos de retardo do fogo, para que o incêndio de grandes proporções comece pelo menos 10 minutos depois de provocado. Mas o que leva alguém a queimar florestas tão importantes?

— O pano de fundo são os conflitos fundiários. As pessoas querem a terra e, quando não conseguem ocupá-la, queimam — diz Berlinck.


Na Serra da Canastra, por exemplo, o fogo costuma ser uma reação às tentativas frustradas de reduzir o tamanho do parque. O Parque Nacional do Araguaia (TO), por exemplo, sofre com queimadas causadas pela renovação de pasto no entorno.



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