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POLÊMICA: Governo está muito longe de conseguir os votos para a reforma da Previdência

308 é a meta desejada – e hoje ainda muito distante


O presidente Michel Temer serpenteava entre as rodas de convidados espalhadas pelo amplo salão do Palácio da Alvorada durante o jantar oferecido na quarta-feira, dia 6, aos líderes das bancadas do Congresso e presidentes de partido para atualizar o placar de votos a favor da reforma da Previdência. Ao se aproximar do grupo em que estava o presidente da Câmara, Rodrigo Maia(DEM-RJ), Temer ouviu o que se passa nos subterrâneos do Congresso – resistência à reforma e desconfiança da contabilidade oficial, vendida com otimismo durante a maior parte da semana passada. Ouviu críticas à estratégia do governo. “Presidente, a liberação dos R$ 500 milhões para os sindicatos e o repasse de R$ 2 bilhões para os prefeitos deveriam ter sido condicionados à aprovação do texto da reforma”, disse um influente deputado. “Agora que eles já foram atendidos, o efeito pode ser inócuo.” Esfregando uma mão sobre o dorso da outra e alternando a de cima com a de baixo sucessivamente, Temer ouvia as queixas. Limitou-se a balbuciar: “Mas convenhamos... convenhamos...”.

Durante a maior parte da semana, o governo vendeu otimismo. A adesão à reforma da Previdência avançava, de acordo com informações saídas do Palácio do Planalto, fosse por meio dos ministros Eliseu Padilha, da Casa Civil, e Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência, fosse por outros assessores. A partir da quinta-­feira, dia 7, no entanto, o clima recrudesceu. De manhã, Maia participou de uma teleconferência com investidores, gente do mercado financeiro. Deu a eles um parecer sincero, de que o governo não tinha votos suficientes para colocar a reforma em votação nesta semana, no dia 13, como se esperava. O choque de realidade fez a turma do mercado financeiro realizar seu pessimismo em negócios. O dólar subiu 1,7%, a maior alta desde maio, e as taxas de juro futuras aumentaram, dois sinais de quem joga à espera do pior. Na tarde da quinta-feira, o adiamento se concretizou. Temer e Maia combinaram de colocar o texto em votação na última semana de trabalho do Congresso no ano, entre os dias 18 e 22. “Essa agenda não vai desaparecer. Ou a gente vota isso ou o Brasil vai caminhar para a quebradeira”, disse Maia.

Não por acaso, o período coincide com a deliberação sobre o Orçamento de 2019. Deste modo, há uma garantia de quórum. Deputados não deixam de votar o Orçamento – se o fizerem, o governo funciona precariamente. Ao amarrar as duas votações, o governo reduz o risco de deputados fugirem do plenário na hora decisiva. Aos deputados, a ideia agrada. É possível amarrar o voto num tema polêmico com a garantia das benesses prometidas no Orçamento ali, na hora. Estratégia esperta, mas reveladora de desespero do Planalto. A realidade, no entanto, é um pouco pior. O governo não diz, mas trabalha com a hipótese de votar a reforma só em fevereiro do ano que vem, na volta do recesso parlamentar. Não vê chance de obter as adesões necessárias neste ano.


A reforma é uma matéria vital para o país, portanto não é trivial. São necessários 308 votos favoráveis na Câmara, em duas votações. Na quinta-feira, o próprio Temer disse a ministros que tinha 280 votos pela reforma; auxiliares palacianos, sempre mais otimistas, falavam em 290; líderes partidários, pessimistas por conveniência, diziam que eram 270. Para tentar elevar esse placar até ao menos 320 e, assim, ter margem mínima de segurança para não perder graças àqueles que traem ou fogem, o Planalto calcula que ainda precisa convencer cerca de 50 deputados. É muita gente.


Em outro momento, bastaria ao Executivo lançar mão da arte que domina e que o Congresso adora, a do fisiologismo. Fez isso abertamente. Na semana passada, diante da ineficiência da negociação com líderes partidários, que não conseguiam convencer os deputados, o governo foi para o varejo. Os ministros Padilha e Moreira Franco e até Temer receberam deputados; o presidente fez o jantar de quarta-feira; até governadores e prefeitos foram procurados.


Contudo, a fonte do fisiologismo e o método das lideranças está esgotado. “De modo geral, a base se sente exaurida. Especialmente a da Câmara foi muito carregada neste ano”, diz o líder do PP na casa, deputado Arthur Lira. “A Câmara entregou as aprovações da PEC do teto de gastos, a reforma do ensino médio, a trabalhista, a pauta da terceirização e duas denúncias contra Temer.” Líder do centrão, o grupo que reúne cerca de 140 parlamentares bem apegados ao fisiologismo, Lira dá a senha: depois de salvar o mandato de Temer das duas denúncias criminais apresentadas pelo ex-procurador-geral Rodrigo Janot, os deputados não querem mais desgaste – ou querem mais benefícios para se desgastar. Muitos deles ainda não receberam os recursos prometidos por sua “fidelidade” ao presidente. O tempo é propício a tudo. Até deputados que perderam cargos no governo por terem votado contra Temer na batalha contra Janot, agora os pedem de volta em troca do voto favorável à reforma.


Sobrou ao governo lançar mão da criatividade financeira. No dia 22 de novembro, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, Paulo Ziulkoski, levou 2 mil prefeitos a Brasília para pleitear R$ 4 bilhões para pagar o 13o em vários municípios. Coube a Dyogo Oliveira, ministro do Planejamento, dizer “não” a Ziulkoski. Porém, os prefeitos saíram com a promessa de receber, ainda neste ano, um auxílio de R$ 2 bilhões e, se aprovada a reforma, R$ 3 bilhões extras no Orçamento de 2019. “Disseram que a gente está se vendendo por R$ 2 bilhões. Isso é humilhante”, diz Ziulkoski, irritado. “Uma coisa não tem nada a ver com outra. É como gestores públicos que acreditamos na reforma previdenciária. Logicamente, vamos aproveitar essa situação em que podemos pressionar os deputados e tirar uma contrapartida para a sociedade.”


Em um movimento para tentar sinalizar a força do governo, o PMDB fez na quarta-feira uma reunião de sua Executiva Nacional com a bancada na Câmara para fechar questão pelo voto a favor da reforma. Na prática, “fechar questão” significa que os deputados que votarem diferente do combinado podem ser punidos. Os deputados do PMDB contavam que teriam 80% dos 60 votos a favor da reforma. O partido decidiu fechar questão. Mas os detalhes nas frases mostram que esse compromisso não é firme. “É um fechamento de questão com punição”, disse o presidente do partido, senador Romero Jucá. “O que nós não fizemos foi dizer que tipo de punição será, para não parecer que é uma ameaça feita aos deputados e deputadas do PMDB.” Simples: se não foi fixado um preço a pagar por quem desobedecer a ordem, a ordem pouco vale. É óbvio que o PMDB não punirá quem votar contra a reforma.


Na dura matemática do Planalto pesa, sobretudo, a situação de três siglas: o PSD, o PR e o PSDB. Juntas, somam 121 votos. Todos operam a Previdência como instrumento para a eleição de 2018. O PSD tem cobrado do Planalto um apoio mais contundente a seus candidatos, em especial que, aos poucos, assuma o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, como representante do governo na disputa. O ministro das Comunicações, Gilberto Kassab, dono do PSD, nega. “A reforma da Previdência chega num momento de evidente desgaste político da base e do próprio Parlamento”, afirma o deputado Rogerio Rosso. “Muitos entendem a importância, porém defendem que essa discussão entre na pauta da eleição de 2018. A reforma está no timing errado do ponto de vista político e correto do ponto de vista fiscal. Resolver essa equação é o grande desafio.” Como o PP de Artur Lira, Rosso quer dizer que o PSD já fez muito ao livrar Temer da degola. O PR, de Valdemar Costa Neto, um habilidoso jogador, confidenciou a uma liderança da Câmara que faz “jogo de cena” com o Planalto, pois não acredita que o tema seja votado.


O PSDB é o caso mais complicado. O Planalto conta com apenas 15 votos dos tucanos; os mais otimistas falam de 20 a 25 votos favoráveis à reforma, numa bancada de 46, que até ontem tinha quatro ministros no governo. O PSDB tem uma questão de sobrevivência política simples: se aprovar a reforma, injeta no mercado otimismo em relação ao futuro da economia, o que pode melhorar a vida de Temer. O presidente pode recuperar força e se tornar um ator importante na campanha de 2018. O PSDB tem candidato à Presidência – provavelmente o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin – e não se interessa nem um pouco em reerguer Temer do atual patamar de impopularidade. Aos tucanos interessa adiar a reforma, ganhar tempo para si e contra Temer. Muitos jantares e fisiologismo ainda serão necessários.




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