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GRAVE: Porto Rico subestima vítimas de furacão, e mortos podem passar de mil




O "New York Times" revisou os dados oficiais sobre óbitos do serviço de estatísticas de Porto Rico, e constatou que o número de mortes no período que se seguiu à passagem do Furacão Maria pela ilha foi significativamente mais alto do que o governo do território reconheceu.


O número de mortes continuou a subir nas semanas posteriores à passagem da tempestade, com a demora na recuperação da ilha. Os hospitais enfrentam dificuldades para manter suas clínicas abertas. E as autoridades ainda não restauraram totalmente a eletricidade em Porto Rico, dois meses depois do Maria.


A análise do "New York Times" constatou que, nos 42 dias desde que o Furacão Maria atingiu Porto Rico, em 20 de setembro, como uma tempestade tropical de categoria 4, 1.052 óbitos a mais do que seria normal no período foram registrados na ilha. A análise comparou o número diário de mortes em 2017 com o número médio de mortes para os mesmos dias em 2015 e 2016.


Oficialmente, apenas 62 pessoas morreram como resultado da tempestade que varreu a ilha com ventos de quase 250 km/h, derrubando a rede elétrica de mais de 3,4 milhões de porto-riquenhos. As quatro últimas mortes classificadas como resultantes da tempestade foram incluídas na lista em 2 de dezembro.


"Antes do furacão, minha média era de 82 óbitos por dia. Isso mudou entre 20 e 30 de setembro, quando a média de óbitos por dia subiu para 118", disse Wanda Llovet, diretora do registro demográfico de Porto Rico, em entrevista na metade de novembro. De lá para cá, ela acrescentou na quinta-feira, os dois números aumentaram por um óbito.


Os dados referentes a outubro ainda não estão completos, e a expectativa é de que o número de óbitos registrados naquele mês cresça. O registro de óbitos está atrasado porque a rede de energia de Porto Rico está operando com menos de 70% de sua capacidade e há grandes áreas da ilha ainda sem energia.


O dia mais mortífero foi 25 de setembro, o dia em que Ricardo Rosselló, o governador de Porto Rico, alertou que a crise humanitária iminente poderia resultar em um êxodo maciço da ilha.


O presidente Trump reagiu naquela noite, recorrendo ao Twitter para dizer que a ilha precisava lidar com suas imensas dívidas: "Água, comida e remédios são as principais prioridades —e estão indo bem. #Fema".


A temperatura estava acima dos 32 graus e faltava energia na maior parte da ilha, mesmo nos hospitais. Havia dificuldade para manter os cuidados médicos dos enfermos e as clínicas de hemodiálise estavam funcionando com geradores, e oferecendo horários limitados de tratamento. Pessoas que necessitam de pulmões artificiais não tinham eletricidade para acionar as máquinas.


Naquele dia, 135 pessoas morreram em Porto Rico. Em comparação, em 25 de setembro de 2016 houve 75 óbitos, e em 2015 foram registradas 60 mortes.


Um prefeito local foi ao posto de comando da Agência Federal de Administração de Emergências (Fema) e pediu ajuda aos gritos. As estatísticas demonstram que sua cidade, Manatí, sofreu um dos índices de mortalidade mais altos em setembro.


Com a queda das comunicações em toda a ilha e grande número de cadáveres se acumulando nos necrotérios, o governo ainda se aferrava à sua estimativa inicial de 16 mortes causadas pela tempestade.


Em 29 de setembro, Héctor Pesquera, o secretário de segurança pública de Porto Rico, declarou em entrevista que o número de mortes não subiria muito."


"Vai subir? Tenho quase certeza de que subirá,", ele disse. "Mas não vai dobrar ou triplicar. Não se trata de um terremoto, quando um edifício desaba e você não sabe se havia 20 ou 300 pessoas dentro até revirar os escombros".


No dia em que ele fez essa declaração, 127 pessoas morreram, 57 a mais que o total da data em 2016.

Em 3 de outubro, duas semanas depois da tempestade, Trump visitou a ilha e mencionou elogiosamente o baixo número de vítimas fatais apontado no cômputo oficial. Ele citou as 1.833 mortes causadas pelo furacão Katrina, em 2005, como "catástrofe real".


"O número de mortes certificado é de 16 pessoas", disse Trump. "São 16 pessoas, ante milhares. Vocês devem ter orgulho de seu povo, do trabalho que estão fazendo unidos".

No dia de sua visita, o total de óbitos em Porto Rico desde o furacão excedia em 566 pessoas o total do período, nos dois anos anteriores.


O "New York Times" estimou que nas três semanas posteriores à tempestade, o total de mortes tenha atingido 739. Se todas essas mortes adicionais fossem incluídas no cômputo de vítimas fatais do furacão, o Maria seria o sexto furacão mais letal, de 1851 para cá.


O método usado para computar oficialmente as mortes causadas por tempestades varia de Estado a Estado e de município a município. Em algumas áreas dos Estados Unidos, os legistas incluem apenas as mortes diretas, por exemplo os afogamentos causados por uma inundação. Em Porto Rico, porém, Pesquera afirmou que o cálculo oficial incluía mortes causadas indiretamente pela tempestade, como suicídios. É por isso que a disparidade entre o total oficial de vítimas da tempestade e o cálculo que aponta para centenas de óbitos adicionais no período é tão surpreendente.


Um estudo conduzido por um professor da Universidade Estadual da Pensilvânia, e que não foi submetido a revisão científica, estima que o total de mortes pode ser 10 vezes mais alto do que calcula o governo.



O Centro de Jornalismo Investigativo reportou na quinta-feira que outra estimativa, do Centro de Estudos de Porto Rico na Universidade Municipal de Nova York, havia constatado que o número de óbitos em setembro e outubro havia sido 1.065 pessoas mais alto que o normal.

Registros do governo de Porto Rico mostram que algumas das principais causas de morte em setembro foram diabetes e Mal de Alzheimer, embora 313 dos óbitos do mês ainda não tenham causa mortis estabelecida. O número de mortes por diabetes foi 24% mais alto do que no período em 2016, e 39% mais alto do em 2015.


Mas a maior alta aconteceu no número de mortes por septicemia —uma complicação causada por infecções severas—, que registrou alta de 50% ante o período em 2016. É uma mudança notável e pode ser explicada pela demora no atendimento médico ou pelas condições precárias das casas e hospitais.


As mortes por pneumonia e enfisema também subiram muito.

O Departamento de Segurança Pública de Porto Rico insistiu durantes semanas em que a alta era coincidência: as autoridades pareciam acreditar que centenas de pessoas a mais tivessem morrido no período por causas naturais. Mas a imprensa continuou a investigar - a rede de notícias CNN contatou metade das funerárias da ilha e identificou 499 mortes adicionais que os agentes funerários viam como relacionadas à tempestade.


Sob pressão, o governo solicitou que os agentes funerários e as famílias apresentassem mais informações, e diz que seu gabinete de ciência forense está revisando os casos.


À medida que novos exemplos surgiam, sobre mortes causadas por falta de energia nos hospitais ou por tanques de oxigênio esvaziados, o governo se declarou disposto a revisar para mais o total de mortes.

"O que pedimos foi que as pessoas nos dessem informações", afirmou o governador Rosselló ao "New York Times".


Robert Anderson, diretor da divisão de estatísticas de mortalidade do Centro Nacional de Estatísticas da Saúde norte-americano, disse que a alta no número de óbitos em Porto Rico é significativa estatisticamente e que é improvável que resulte de uma coincidência infeliz. Nem mesmo uma temporada de gripe grave causaria alta tão grande no índice de mortalidade, ele disse.


"Creio que existam provas convincentes de que a alta provavelmente se deve ao furacão", disse Anderson. "E é uma grande alta".


Ele disse que era importante chegar ao número correto.


"Do ponto de vista da prevenção e preparo, creio que compreender as circunstâncias por trás das mortes que ocorrem [nesse tipo de situação] é extremamente importante", disse Anderson. "Se nos faltar informação, não poderemos nos preparar adequadamente para o próximo desastre. Não podemos implementar medidas para impedir que mortes ocorram por motivos semelhantes no futuro".

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