Datafolha indica que desigualdade é sentida no país, mas também subestimada
Em uma escala de zero a cem, em que nos extremos estão os mais pobres e os mais ricos do país, em que posição você se colocaria? Nove em cada dez brasileiros (88%) acham que se situam até o ponto 50, ou seja, na metade com renda mais baixa.
É o que mostra pesquisa do Datafolha em parceria com a ONG Oxfam Brasil, que entrevistou 2.025 pessoas para medir a percepção sobre a desigualdadeno décimo país mais desigual do mundo.
Para Rafael Georges, coordenador de campanhas da Oxfam, a principal conclusão do estudo é que há uma noção razoável sobre a desigualdade, mas também uma subestimação dela. "As pessoas a sentem, mas não conseguem calcular seu tamanho."
Ele se refere a duas tendências vistas na pesquisa. Por um lado, há certa consciência da realidade brasileira: 91% concordam que poucas pessoas ganham muito e muitas pessoas ganham pouco.
Por outro, há uma dificuldade em entender a distribuição de renda por aqui. Mesmo entre os que ganham mais –ao menos R$ 4.700 mensais–, 68% pensam estar na metade com menor renda, quando na realidade eles são parte dos mais abastados.
Segundo Georges, isso amplia o desafio de reduzir a desigualdade. "Para haver mudança é preciso que as pessoas tenham noção de onde elas estão, senão aumenta a ideia de que você não tem privilégios e o Estado tem que te servir igual aos mais pobres."
A percepção dos brasileiros é esperada, diz o economista Naércio Menezes Filho, coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper. "As pessoas não têm ideia de quanta gente vive com tão pouco. Quem ganha R$ 3.000 por mês, claro, não se acha rico. Existe aquela visão de que rico é o milionário. Na novela, eles têm empregados."
Os "milionários" a quem ele se refere representam apenas 1% dos brasileiros. Não por acaso estamos entre as nações mais desiguais do mundo : em 2016, esse grupo recebeu em média 36,3 vezes o arrecadado pela metade da população que ganha menos, segundo a Pnad Contínua.
CAUSAS E SOLUÇÕES
Uma das principais causas da desigualdade, apontam estudiosos do tema, é que o nosso sistema tributário favorece justamente esse 1%.
Desde 1995, a lei brasileira estipula, por exemplo, que pessoas que ganham lucros e dividendos de empresas –a principal fonte de renda dos super-ricos– não paguem impostos sobre eles. Assim, quem proporcionalmente paga mais taxas são os pobres e as classes médias.
Isso se reflete na opinião dos brasileiros. Quando é perguntado se o governo deve aumentar impostos em geral para garantir melhores serviços a quem precisa, 75% da população discorda. Agora, quando se propõe aumentá-los só para os muito ricos, a posição se inverte: 71% são a favor (veja ao final).
Apesar de o resultado ser mais dividido, a maioria também acha que a desigualdade de oportunidades é determinante na vida de uma pessoa e se sobrepõe aos esforços individuais –55% discordam que uma criança pobre que estuda tem a mesma chance de ser bem-sucedida que uma criança rica.
"Isso reflete uma visão correta da sociedade, de que no Brasil muito do seu futuro está determinado na hora em que você nasce", afirma Menezes Filho. "E aí, quando a desigualdade já está muito alta, a elite consegue se manter ali por meio da influência nas políticas públicas, brecando o imposto sobre heranças, por exemplo."
Entre os entrevistados, os motivos e soluções mais apontados para a desigualdade estão ligados a emprego, educação e corrupção. Quanto menor a renda das pessoas, mais elas citam a falta de trabalho; à medida que a renda cresce, o estudo vira prioritário.
Para especialistas, a educação é unanimidade enquanto remédio estrutural contra a desigualdade, mas corrupção e desemprego geram debate. Eles dizem que as respostas provavelmente mudariam em outros tempos, sem Lava Jato ou crise econômica.
"É uma ilusão achar que, se combatermos a corrupção, a desigualdade vai diminuir", diz Marta Arretche, professora da USP e diretora do Centro de Estudos da Metrópole. "As causas são mais profundas: um atraso educacional imenso, desigualdade de oportunidades, discriminação racial e de gênero etc."
EMPREGOS
Quanto à geração de empregos, de um lado, defende-se que é um fator que varia muito ao sabor do mercado, portanto não seria o mais efetivo para acabar com as desigualdades. De outro, seria uma forma de reduzir a pobreza e, assim, a desigualdade. "É uma condição para ter pessoas com renda", diz Arretche.
A pesquisa indica que 46% acreditam que as medidas recentes do governo Michel Temer (PMDB), no geral, não vão alterar a distância entre os mais ricos e os mais pobres –42% acham que vão piorar e 8%, que vão melhorar.
Em compensação, 8 em cada 10 entendem que é obrigação dos governos reduzir essa diferença entre extremos. Por isso, para a professora da USP, o tema deve ser relevante na campanha eleitoral de 2018. "Nenhum político pode se declarar abertamente contra a redução da desigualdade. Isso afetaria todas as suas posições."