Procuradores do Rio, São Paulo e Curitiba condicionam avanço de investigações à renovação do Congresso
Integrantes das forças-tarefas da Lava-Jato no Rio de Janeiro, Paraná e São Paulo defenderam, nesta segunda-feira, que a sociedade se mobilize para incluir o combate à corrupção na pauta eleitoral do ano que vem. Após reunião no Rio para aprimorar a colaboração entre os grupos de trabalho da operação, os procuradores afirmaram que o resultado das eleições vai definir o futuro das investigações — a renovação do Congresso deverá determinar o avanço das investigações no país, disseram. Os investigadores chegaram a pedir aos eleitores que candidatos envolvidos em denúncias de mau uso do dinheiro público sejam rejeitados nas urnas.
O grupo divulgou carta na qual afirma que 144 pessoas já foram condenadas a mais de 2.130 anos de prisão. Ao todo, 416 foram acusados de crimes. Segundo o procurador Deltan Dallagnol, da força-tarefa paranaense, mais de 100 integrantes atuais do Congresso estão envolvidos em denúncias. Além dos parlamentares, a corrida presidencial também tem pré-candidatos no radar das investigações — o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já foi condenado pelo juiz Sérgio Moro; e o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), é alvo de um pedido de abertura de inquérito no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Dallagnol pediu renovação nos cargos políticos do país.
“Tanto pela perspectiva de evitar ataques do Legislativo contra as investigações, como pela perspectiva de avançar reformas, o ano de 2018 é a batalha final da Lava-Jato. A operação não vai ser julgada por quem ela prendeu ou condenou. Será julgada pela capacidade de mobilizar a sociedade e catalisar esforços para que reformas contra a corrupção sejam feitas e, para que assim possamos alcançar um país mais justo. Isso depende do Congresso que elegeremos em 2018. Será uma grande vitória se forem eleitos para os cargos de deputado federal e senador candidatos com passado limpo, compromisso com a democracia e com a agenda anticorrupção. O futuro da Lava-Jato será sombrio se em 2019 continuarem os mesmos políticos governando nosso país”, disse Dallagnol.
O procurador regional da República José Augusto Vagos, do Rio, comparou a corrupção a um câncer — como fez o juiz Marcelo Bretas em entrevista ao GLOBO este mês — e disse que caberá a sociedade oferecer “a cura”.
“Nosso trabalho tem revelado que todo o sistema político está corrompido. Agora, cabe à sociedade avaliar o que deve ser feito. A atuação na repressão penal não vai resolver o problema. No Rio, temos líderes políticos que estão presos e, mesmo assim, ainda detém poder sobre o sistema político do estado e até fora dele. O objetivo é que a sociedade possa, em 2018, desnudado todo esse câncer na sociedade, em metástase, que a gente tem ministrado remédio, que a sociedade possa oferecer a cura”, declarou Vagos.
Apesar do alerta para a “batalha final” da operação, os procuradores rejeitaram estabelecer um fim para as investigações. O encontro no Rio, com 20 investigadores dos três estados, serviu de base para troca de informações, o que resultará em operações conjuntas das forças-tarefas no ano que vem. Equipes do Rio e de Curitiba já atuaram juntas em novembro de 2016, na deflagração da Operação Calicute, que levou à prisão o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB).
“Um dos objetivos é integrar experiências, trocar informações e expertise de investigações, como forma de integrar todas as investigações e traçar rumos para 2018. No ano que vem serão deflagradas operações em conjunto pelas forças-tarefas. Será um ano de muito trabalho”, afirmou Eduardo El Hage, coordenador da força-tarefa no Rio.
ALERJ é “alerta do que está por vir”
Sem citar nomes, El Hage disse que o grupo de trabalho fluminense já identificou integrantes do governo de Luiz Fernando Pezão, no Rio, em esquemas de corrupção:
“Identificamos que existem sim membros do governo atual que estão envolvidos em práticas de corrupção. As apurações estão em curso com relação a pessoas detentoras de foro e não podem ser investigados por nós, que atuamos na primeira instância (do Judiciário). O foro privilegiado é um obstáculo enorme para que possamos avançar nas investigações, e esperamos que em breve, seja o Congresso, seja o Supremo, consiga racionalizar esse modelo de foro privilegiado”.
Na entrevista, os procuradores defenderam o fim da prerrogativa de foro especial, citando a decisão da Assembleia Legistaliva do Rio (Alerj) de revogar a prisão de três deputados estaduais como um "alerta do que está por vir" — Jorge Picciani, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB, chegaram a ser soltos depois que a Alerj decidiu rever a decisão do Tribunal Federal da 2ª Região; no entanto, a Alerj não notificou o tribunal, que deveria expedir o alvará de soltura, e os deputados voltaram à prisão. No mesmo dia, uma decisão da primeira instância da Justiça do Rio suspendeu a sessão porque uma oficial de Justiça foi impedida de entrar na Alerj para cumprir uma determinação judicial.
Delação: Judiciário não pode ser esquizofrênico
Os investigadores das três frentes da Lava-Jato nos estados também defenderam a autonomia do Ministério Público de firmar acordos de delação premiada. Em novembro, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, devolveu à Procuradoria-Geral da República o acordo de colaboração firmado com o marqueteiro Renato Pereira, responsável pelas campanhas do PMDB no Rio. O marqueteiro relatou pagamentos via caixa dois a campanhas de Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, ambos ao governo do estado, e a Pedro Paulo, à prefeitura do Rio. Renato Pereira também citou esquema de favorecimento em licitações do governo estadual e das prefeituras do Rio e de Niterói. Segundo Lewandoski, o Ministério Público não pode determinar a pena que será imposta ao delator no acordo de colaboração.
“Quando trabalhamos com acordos de colaboração e leniência, precisamos entender que estamos diante de um ato de macrocorrupção, e cabe ao Ministério Público papel preponderante de negociar acordos. Esses acordos devem ser respeitados pelo Judiciário. Chegou o momento de fazer com que acordos prevaleçam. Essas partes (delatores) entregaram fatos, e os fatos foram relevantes. Precisamos fazer com que Estado não tenha papel de má-fé com os colaboradores. O Estado precisa entender que as colaborações foram úteis, e os colaboradores precisam de proteção. O Estado é um só e não pode ser esquizofrênico”, disse Carlos Fernando dos Santos Lima, coordenador da Lava-Jato em Curitiba.