Em depoimento à Polícia Federal, Fernanda Tórtima disse que argumentou ao empresário que o áudio era irrelevante por não haver "qualquer crime relatado"
O ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo foi gravado pelo empresário Joesley Batista ao revelar "questões pessoais" envolvendo ministros do Supremo Tribunal Federal e falando sobre as pessoas que deram "apoio político" para que os ministros conseguissem chegar ao STF, afirmou em depoimento à Polícia Federal a ex-advogada da JBS Fernanda Tórtima.
Tórtima foi ouvida no inquérito policial que investiga omissões na delação premiada do grupo J&F, aberto depois que a Procuradoria Geral da República descobriu gravações inéditas entre o acervo entregue pelos colaboradores. O material fez a PGR recuar do acordo celebrado e levou à prisão dos irmãos Joesley e Wesley Batista e do advogado Ricardo Saud, que já usufruíam os benefícios da delação.
Entre as gravações está o áudio com o ex-ministro Cardozo, que não fora entregue pelos delatores – Joesley chegou a afirmar em depoimento que mandou esse arquivo de áudio para o exterior. Advogada criminalista, Fernanda Tórtima participou das tratativas de delação premiada do grupo, mas deixou a defesa após a revelação do polêmico áudio da conversa entre Joesley e o executivo Ricardo Saud, na qual ambos fazem referências de baixo calão a ela.
ÉPOCA teve acesso com exclusividade ao depoimento da advogada, prestado em 24 de outubro na sede da Polícia Federal, em Brasília. Ela afirma que Joesley lhe contou em março deste ano "sobre uma reunião na qual participaram o próprio Joesley Batista e o ex-ministro Eduardo Cardozo, ocasião em que esta reunião teria sido gravada". Tórtima disse que não escutou o áudio, mas que o empresário lhe relatou o teor da conversa. "No áudio, Eduardo Cardozo falava sobre determinadas questões pessoais envolvendo ministros do STF, assim como pessoas que teriam dado apoio político, segundo Cardozo, para que ministros ocupassem cargos no STF, além de outras amenidades tratadas na reunião", disse.
A advogada contou que disse ao cliente que o conteúdo do áudio era irrelevante para a delação. "Tendo em vista que a declarante concluiu não haver qualquer crime relatado, de imediato a declarante disse para Joesley que tal áudio era absolutamente irrelevante para o processo de delação premiada que se construía à época", afirmou.
Tórtima disse ainda que Joesley não comentou com ela sobre outros fatos envolvendo ministros do STF, "nem sequer sobre possíveis fatos criminosos cometidos por ministros, tampouco sobre quais ministros teriam sido citados no áudio". "Desconhece se o teor de tal áudio foi mostrado para Eduardo Cardozo, na intenção de pressionar Cardozo a executar atos contra ministros do STF", disse a advogada. Ela frisou ainda que só conversou pessoalmente com Cardozo em uma única ocasião, por dez minutos, quando foi lhe entregar seu currículo para a vaga de suplente de juiz do Tribunal Regional Eleitoral do Rio – posto que ocupa atualmente.
Sobre o assunto, Cardozo já prestou depoimento e afirmou que nunca falou de fatos criminosos envolvendo ministros do STF, apesar de frisar que não poderia dar detalhes da conversa com Joesley por estar resguardada pelo sigilo da advocacia – ele foi consultado como possível advogado a ser contratado pelo empresário, o que acabou não ocorrendo.
No depoimento, Tórtima também foi questionada sobre sua relação com o ex-procurador Marcello Miller, que passou a atuar para a JBS por indicação da advogada. Miller ainda era procurador quando teve as primeiras reuniões com os executivos da JBS e os aconselhava mesmo antes de ter deixado o cargo. "Conhece Marcello Miller, ex-procurador da República, há vários anos, podendo dizer que se trata de uma relação social, com encontros esporádicos, há aproximadamente oito anos, bem como não sabe afirmar a ocasião do primeiro contato que teve com Marcello Miller", diz o depoimento.
Tórtima confirmou que, em conjunto com o advogado Antônio Pitombo, participou de tratativas da delação premiada de um cliente, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, na qual Marcello Miller atuou, em conjunto com outros procuradores.
Segundo ela, no fim de 2016, Miller comentou que desejava deixar o cargo de procurador e "que estava refletindo sobre as possibilidades da iniciativa privada". Em seu depoimento, Marcello Miller havia afirmado que Fernanda Tórtima chegou a convidá-lo para trabalhar em seu escritório, o que a advogada negou à PF. "A declarante nunca realizou qualquer proposta de trabalho para Marcello Miller trabalhar em seu escritório".
Tórtima afirma que tomou conhecimento, em fevereiro deste ano, de que o diretor jurídico do J&F, Francisco de Assis e Silva, buscava um diretor de compliance para o grupo, ocasião em que ela indicou Miller. "Ainda em fevereiro de 2017, a declarante promoveu um encontro de apresentação de Marcello Miller para Francisco de Assis, ocasião em que também participou da reunião com Joesley Batista, no escritório da declarante", contou à PF.
A advogada cita que participou de "três ou quatro" reuniões na sede da JBS em conjunto com Miller e executivos do grupo, mas disse que não poderia detalhar o conteúdo por estar abrangido pelo sigilo profissional da advocacia. "Esclarece a declarante que nesta reunião ou em qualquer outra que tenha participado a declarante não foi tratado nenhum aspecto da atuação de Marcello Miller dentro do Ministério Público Federal."
A defesa de Miller nega irregularidades na atuação do ex-procurador. Sustenta que ele só atuou no acordo de leniência, fechado na Procuradoria da República no Distrito Federal, na qual ele nunca atuou. Diz ainda que Miller não trabalhou na delação premiada e não negociou a delação com a equipe de Rodrigo Janot.