Proposta cria um ‘puxadinho jurídico’ na visão dos policiais federais, que são contra proposta
A Polícia Federal (PF) pode ganhar mais uma atribuição, o que está causando desconforto entre os agentes e delegados. Nesta quarta-feira (8), será votado em comissão no Senado um projeto que determina que a PF seja chamada para investigar casos de envolvimento de policiais civis e militares com milícias.
O projeto é rejeitado pelos federais. A inclusão dessa competência traria um problema dos estados para a responsabilidade da PF – que atuam em investigações de crimes do colarinho branco e em casos de envolvem atuação em fronteiras, sobre organizações criminosas. Seria, na visão da PF, ocupá-los com questões dos estados.
A apresentação do projeto em si já é uma confissão do Poder Público da falência da segurança pública, na opinião do presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), Luis Boudens. Para ele, crimes nos estados devem ser coibidos e investigados pelas polícias civis, nos estados. Ao tentar colocar a PF para investigar tais crimes, se enfraquece a polícia estadual, além de criar problemas para a PF, que já tem atribuições suficientes.
“Nós já temos as polícias que têm a competência. Essa ideia surge em um momento em que a atuação da PF está em alta, com sucesso em casos de colarinho branco, por exemplo. Mas as outras polícias não podem ser treinadas para fazer o mesmo? É um contrassenso. Desmerece as polícias estaduais”, avalia Boudens.
O autor do projeto é o atual prefeito do Rio de Janeiro e ex-senador, Marcelo Crivella (PRB-RJ), que apresentou o texto em 2011. A proposta está na pauta da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) desta quarta-feira. O relator na CCJ, senador Randolfe Rodrigues (REDE-AP), é favorável à aprovação.
Ao justificar a apresentação do projeto, Crivella admite que “em um único batalhão da polícia militar fluminense, recentemente foi constatado o envolvimento de quase metade da corporação com as milícias”. No texto, o então senador deixa claro que a opção em chamar a PF para investigar os casos de envolvimento de policiais militares e civis com a criminalidade seria a última alternativa:
“Como se exigir, então, que as investigações e ações policiais sejam executadas pelas autoridades locais, diante de tamanho envolvimento dos próprios soldados e servidores com as milícias? Não resta alternativa, se não atribuir à Polícia Federal a incumbência de investigar os crimes cometidos por essas organizações criminosas. Somente assim a atuação desses grupos pode ser combatida de maneira eficaz”, afirma, em justificativa para o projeto.
O relator do projeto na CCJ tem voto favorável, ao avaliar que em muitos casos de participação de policiais em milícias é difícil que a polícia civil investigue o caso, pois há proximidade entre o investigado e o investigador. “Frequentemente, trata-se de grupos criminosos compostos por integrantes das polícias locais, daí porque não se mostra adequado que a polícia civil esteja à frente das investigações. É cediço que a proximidade (familiar ou profissional) entre investigador e investigado compromete ou, no mínimo, traz dúvidas sobre a imparcialidade dos trabalhos. Assim, transferir para a polícia federal a competência para apurar crimes cometidos pelas milícias é medida necessária. Dessa forma não se corre o risco de se colocar um colega de trabalho investigando outro, o que pode possibilitar algum tipo de interferência no trabalho investigativo”, avalia Randolfe Rodrigues.
Outro problema que seria criado com essa nova competência da PF seria a interlocução com a Justiça, após investigação dos casos. A PF cuida de crimes federais, e portanto submete ao Ministério Público Federal tais achados, para que seja ou não feita a denúncia. No caso de crimes nos estados, a Justiça Estadual continuaria sendo a responsável pela denúncia e julgamento.
“Essa é mais uma medida emergencial que vai aumentar as atribuições da Polícia Federal, que não está nem dando conta das suas demandas atuais, como por exemplo nas fronteiras. Se a PF não da conta de enfrentar o que é de atribuição dela, imagine mais essa? Além disso, nosso relacionamento se dá com a justiça federal. Nesse caso, processualmente, ia ser uma nova aberração. Um novo puxadinho jurídico”, avalia Boudens.
Casos de envolvimento de policiais em crimes cometidos por milícias não são incomuns. Em setembro, sete policiais militares, um subtenente, três cabos e três soldados, foram presos em uma operação no Pará. As prisões podem trazer respostas para uma série de homicídios praticados na Região Metropolitana de Belém. Tais agentes estariam envolvidos em crimes de homicídio, extorsão e sequestro com o objetivo econômico.