Em média, R$ 40 mil mensais da cota parlamentar são destinados para serviços em propriedade da família de ex-presidente; defesa do senador nega irregularidades
A Casa da Dinda, um dos principais símbolos do governo do ex-presidente Fernando Collor, tem atualmente despesas mantidas com verba do Senado, passados 25 anos de seu processo de impeachment. Líder do PTC na Casa, o senador por Alagoas gasta cerca de R$ 40 mil mensais de sua cota parlamentar com segurança, conservação, limpeza e jardinagem na propriedade de sua família.
O Guia do Parlamentar, porém, estabelece que o Senado não dispõe de serviços de manutenção e limpeza para residências privadas de parlamentares. Collor ocupa um apartamento funcional mantido pelo Congresso, em Brasília, que já inclui esses serviços pagos com recursos públicos.
Entre janeiro e outubro deste ano, Collor usou R$ 264.624,12 de sua cota parlamentar para pagar “segurança privada” terceirizada na Casa da Dinda. Desde 2011, foram quase R$ 3 milhões destinados à mesma empresa.
As regras sobre a cota parlamentar não explicitam se o uso da verba em segurança é proibido. Embora haja um artigo permitindo a destinação da cota parlamentar para “serviços de segurança prestados por empresa especializada”, o gasto com vigilância patrimonial só poderia ser feito em escritórios de apoio dos senadores nos Estados de origem. De acordo com o Regimento Interno do Senado, aplicar recursos “recebidos em atividades que não correspondam rigorosamente às suas finalidades estatutárias” é considerado “irregularidade grave”.
Funcionários da Avanço Service Conservação e Limpeza e Citel Service, que trabalham na Casa da Dinda, disseram ao Estado que cuidam da propriedade do parlamentar há sete anos. Eles confirmaram que são responsáveis por terceirizar funcionários para jardinagem, limpeza, conservação e segurança.
A reportagem foi à residência e verificou que terceirizados trabalham no local. Atualmente, são dois jardineiros, dois funcionários responsáveis pela limpeza interna da casa e pelo menos seis seguranças, além do sistema de vigilância eletrônico.
Recibos. Nas notas apresentadas por Collor ao Senado, de 2011 a abril deste ano, constam pagamentos mensais à empresa Citel Service. A partir de junho, ele aumentou as despesas e contratou a Avanço Service. Contatados pelo Estado em dias diferentes e em números distintos de telefones, os mesmos funcionários atenderam às chamadas e disseram se tratar da mesma empresa. O senador deixou em branco nos comprovantes de pagamento a área que pede a descrição dos serviços.
Em seis anos, Collor aumentou as despesas na área de segurança privada. Em 2011, os gastos na área representavam um quarto de sua cota anual (R$ 107,6 mil de R$ 398 mil usados). Já em 2016, a proporção foi invertida: o senador do PTC gastou R$ 314,4 mil com segurança, de um total de R$ 420,4 mil da cota.
A fiscalização da destinação da cota parlamentar cabe ao Senado.
Defesas. Procurada, a assessoria da Casa afirmou que o uso dos recursos é de responsabilidade de cada senador, “que firma um termo no qual atesta que o serviço foi efetivamente prestado”. A assessoria do Senado não respondeu se há irregularidades no caso de Collor.
A assessoria do parlamentar negou que ele desvirtue a cota e informou que não poderia especificar quais são os serviços contratados por envolver questões de segurança.
Por ser ex-presidente, Collor já tem direito a oito cargos de confiança, para segurança e apoio pessoal, assessoria e motorista. Dois carros oficiais também ficam à sua disposição. Hoje, sete servidores trabalham para Collor. Segundo dados do Portal da Transparência, os gastos somam quase R$ 100 mil por mês e superam R$ 1 milhão ao ano. De acordo com a assessoria de Collor, ele “não é obrigado” a alocar os servidores da Presidência em segurança.
Para Lembrar. A Casa da Dinda foi a residência oficial de Fernando Collor no período em que foi presidente da República, entre 1990 e 1992. Ele decidiu morar no local porque o Palácio da Alvorada estava em reforma à época. Batizada em homenagem à mãe de Collor, dona Leda, a Casa da Dinda fica em um terreno de 5 mil metros quadrados e foi comprada por seu pai, Arnon Afonso de Farias Mello, em 1964.
Segundo as denúncias que culminaram na renúncia de Collor à Presidência, no início da década de 1990, Paulo César Farias, o PC Farias, tesoureiro de sua campanha eleitoral em 1989, teria transferido dinheiro irregularmente para financiar gastos do
então presidente, entre eles uma reforma na casa estimada em US$ 2,5 milhões, em valores da época.
Há dois anos, a Casa da Dinda voltou aos holofotes da imprensa após a Polícia Federal apreender carros de luxo na propriedade do senador durante uma fase da Lava Jato.