Associação dos juízes do trabalho elaborou uma lista com 125 recomendações para a aplicação da nova lei, que pode perder eficácia dentro dos tribunais
A reforma trabalhista nem passou a valer oficialmente e já há muita discussão sobre a aplicação da nova lei. A partir de 11 de novembro, as mudanças na legislação trabalhista entram em vigor. O problema é que muitas categorias que estão na cadeia de fiscalização dessas regras já declararam que não concordam com a nova lei, o que pode causar um grande enrosco na aplicação dessas alterações. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), por exemplo, já divulgou 125 pontos com recomendações para a aplicação da nova lei.
Essa lista imensa tem itens que são considerados inconstitucionais ou que conflitam com outras leis ou convenções e tratados internacionais. Tudo isso foi discutido ao longo da 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho e resultou na publicação desses 125 enunciados. Na contramão, o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Ives Grandra, já se manifestou contra esse movimento dos juízes. Parece que uma das pretensões da reforma trabalhista, que era a de aumentar a segurança jurídica, já não está funcionando.
As recomendações da associação que representa os juízes do trabalho, se acatadas na prática dos tribunais, reduziriam a eficácia de alguns dos pontos mais importantes da reforma. Cinco deles chamam a atenção por comporem a “espinha dorsal” do texto aprovado pelo Congresso:
Negociado x Legislado
Uma das principais mudanças propostas pela reforma trabalhista é aprevalência do que é negociado em acordos e convenções coletivas em relação ao que está na lei. A nova regra estabelece que alguns pontos, como a duração do intervalo para almoço e o banco de horas individual, podem ser negociados diretamente entre patrões e empregados. Mas para a Anamatra, a regra tem limites. “As convenções e acordos coletivos de trabalho não podem suprimir ou reduzir direitos, quando se sobrepuserem ou conflitarem com as convenções internacionais do trabalho e outras normas de hierarquia constitucional ou supralegal relativas à proteção da dignidade humana e dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”, diz a ementa aprovada no congresso da associação. Ou seja: dependendo da interpretação do juiz, o que for acordado por um trabalhador ou categoria pode não se sobrepor ao que está em outras leis, mesmo que isso esteja explícito e regulado pela reforma trabalhista.
Jornada intermitente
Uma novidade da nova lei trabalhista é a possibilidade de contratar profissionais por hora, a chamada jornada intermitente. Nesse caso, o serviço é prestado de forma descontínua, com períodos alternados de trabalho e folga, como já ocorre nos setores de bares e restaurantes. O trabalhador não pode receber um valor inferior ao da hora do salário mínimo ou ao que é pago para outros empregados na mesma função. Além disso, ao fim da prestação de serviço, o empregado deve receber as seguintes parcelas: remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais. O empregador também deve recolher o FGTS e contribuição previdenciária proporcionais. No entanto, para a Anamatra essa nova modalidade de contratação é inconstitucional, além de “afrontar o direito fundamental do trabalhador aos limites de duração do trabalho, ao décimo terceiro salário e às férias remuneradas”.
Horas in itinere
Atualmente, quando um empregado usa um transporte fretado pela empresa, o tempo de deslocamento é incorporado à jornada de trabalho. Com a reforma trabalhista, isso muda e deixa de contar como hora trabalhada. A mudança pode ser encarada como uma perda de direito ou uma possibilidade de motivar mais empresas a oferecerem um serviço de transporte para os funcionários. No entendimento da Anamatra, a regra não pode ser aplicada para todos. A justificativa é de que ainda há um artigo na CLT que contempla a lógica do tempo à disposição. Para a associação, se ficar configurado que o transporte era condição e não escolha própria do empregado, o tempo de deslocamento gasto em trecho de difícil acesso ou sem transporte público continua valendo como tempo de trabalho.
Terceirização
A terceirização entrou na reforma trabalhista, como forma de regulamentar uma lei que permitia a terceirização ampla e irrestrita. Do jeito que está a lei que entra em vigor em novembro, as empresas podem contratar trabalhadores terceirizados para qualquer função, inclusive atividade-fim. Mas há uma quarentena, para evitar que empresas demitam seus funcionários e os recontratem imediatamente. Os terceirizados, no entanto, não têm garantia de receber os mesmos benefícios que os funcionários contratados diretamente pela empresa, como vale-alimentação e plano de saúde. Para a Anamatra, a terceirização tem limites. Não pode ser aplicada à administração pública direta e indireta, e precisa ficar restrita a empresas privadas.
Justiça gratuita
Para tentar frear o excesso de ações na Justiça do Trabalho, a reforma traz mecanismos para dificultar o acesso à justiça gratuita e punição para quem agir de má-fé. Para ter direito à justiça gratuita, o trabalhador terá de comprovar que não tem condições de arcar com custos de advogados. Além disso, quem mentir para o juiz pode ter de arcar com os custos da perícia e honorários de sucumbência – incluindo aí os beneficiários da justiça gratuita. Para a Anamatra, isso não pode ocorrer. “Entendeu-se, ainda, que o trabalhador beneficiário da justiça gratuita não pode ser condenado ao pagamento de honorários sucumbenciais em processos quaisquer. Também foi consenso a gratuidade no pagamento dos honorários de peritos do trabalho para os beneficiários da assistência judiciária gratuita”, diz a associação.