Ex-procurador isentou Rodrigo Janot ao dizer que não avisou à PGR que estava conversando com executivos da empresa antes de sua exoneração do cargo
A Polícia Federal tomou nesta semana depoimentos do ex-procurador Marcello Miller e do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozono inquérito aberto por causa do polêmico áudio que provocou a prisão dos delatores da JBS Joesley Batista e Ricardo Saud – no qual, em uma conversa despudorada, afirmam que Miller facilitaria a delação deles junto ao então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e citam a tentativa de grampear e delatar ministros do STF.
O inquérito foi aberto por determinação da presidente do STF, Cármen Lúcia, para que fossem apurados possíveis fatos criminosos citados na conversa. Cardozo prestou depoimento na quarta-feira (11), enquanto Miller foi ouvido na terça-feira (10), ambos no edifício sede da Polícia Federal, em Brasília. A PF já havia interrogado Joesley e Saud pouco depois que foram presos, em 10 de setembro, mas ambos ficaram calados. O objeto do inquérito é apurar obstrução da Justiça por parte dos delatores da JBS por causa da omissão, no acordo de delação, de possíveis fatos criminosos relatados no áudio – que os delatores justificaram ter sido apenas uma bravata.
Em seu depoimento, Miller isentou Rodrigo Janot de responsabilidade, afirmando que não comunicou a ninguém da PGR sobre suas conversas informais com executivos da JBS antes da publicação de sua exoneração. O ex-procurador repetiu outras informações dadas no depoimento prestado anteriormente à PGR, como a de que apenas atuou no acordo de leniência do J&F (a “delação” das empresas) após sua exoneração do cargo de procurador e contratação pelo escritório Trench Rossi Watanabe (TRW), que ocorreu em abril deste ano. Sobre os encontros ocorridos com os executivos da JBS antes da sua exoneração, Miller disse que apenas deu algumas orientações sobre a situação da empresa, sem atuar formalmente.
Neste novo depoimento, o ex-procurador citou pela primeira vez o nome de outros sócios do escritório envolvidos em sua contratação. Relatou que em fevereiro de 2017, quando ainda era procurador da República, teve um contato inicial com o TRW por meio da sócia Esther Flesch – que acabou também afastada do escritório.
Depois, afirmou que durante duas semanas participou de diversas reuniões com sócios majoritários do TRW, citando os nomes dos advogados Hercules Celeueski, Simone Musa, Anna Mello e Joaquim Muniz, mas ressaltou que nunca trataram sobre uma futura contratação do escritório pela JBS ou por outras empresas. Segundo ele, o contrato de trabalho previa que, nos três primeiros anos, Miller ganharia remuneração aproximada de R$ 1 milhão anual. Como foi afastado do escritório, o acerto na rescisão foi uma indenização de R$ 1 milhão.
O longo interrogatório foi interrompido porque o ex-procurador já tinha voo de retorno marcado para o Rio, mas será retomado posteriormente pela PF. Não houve tempo para falar sobre reuniões ocorridas com a PGR para negociar o acordo de leniência ou outros fatos sob investigação.
Já o ex-ministro José Eduardo Cardozo confirmou aos investigadores que participou de um jantar com Joesley e Saud, mas disse que não poderia detalhar o teor da conversa porque estava protegida pelo sigilo entre cliente e advogado, já que na ocasião foi consultado sobre uma possível contratação. Em seu depoimento, Ricardo Saud havia dito que Cardozo afirmara que “tinha cinco ministros do Supremo e se dava bem com todos”.
Falando genericamente, Cardozo disse que nunca conversou com ninguém sobre fatos ilícitos envolvendo o Judiciário. Afirmou ainda que não recebeu pedido dos executivos da JBS para gravar ministros do Supremo.
O inquérito deverá ser enviado na próxima semana à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, com pedido de prorrogação de prazo, já que ainda há depoimentos e outras diligências pendentes. Será a primeira vez em que Raquel vai se manifestar sobre uma investigação que pode atingir seu antecessor, Rodrigo Janot.