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CAPA: Minorias no Iraque depositam esperanças em Estado curdo

Abandonadas pelo governo em Bagdá e protegidas pelos curdos da violência do "Estado Islâmico", minorias iraquianas acabaram apoiando referendo pela independência.




A decepção com o governo do Iraque e a lealdade à região curda do país, que os acolheu quando o grupo terrorista "Estado Islâmico" os expulsara de suas casas, fizeram com que muitas minorias iraquianas apoiassem a causa da independência curda, que teve 92% de aprovação no referendo desta segunda-feira (25/09).


Quando os curdos organizaram a votação sobre a separação do Iraque, eles incluíram não apenas as minorias da sua própria região como também a dos nos territórios além, que eles estão reivindicando como parte do seu novo Estado.


"Esta é agora a nossa comunidade", diz Inaam Tomea, de 45 anos, após mostrar seu dedo marcado com a tinta de quem votou no referendo. Ela é da cidade cristã de Qaraqosh, na planície Nínive, que o "Estado Islâmico" ocupou em agosto de 2014 e que a região do Curdistão pretende incluir no seu futuro Estado. A maioria dos habitantes de lá fugiu para o Curdistão e para campos de deslocados criados em Ankawa, o enclave cristão na capital curda, Erbil.


Uma central de votação foi instalada num desses campos, Ashti-2, onde os deslocados podem votar se mostrarem sua identidade iraquiana e comprovarem que são de áreas que os curdos reclamam para o Curdistão. Trata-se de territórios que tanto os curdos como o governo em Bagdá querem controlar e cujo status deveria ter sido resolvido há dez anos, segundo a Constituição iraquiana. O fato de o referendo incluir essas áreas disputadas – onde vivem cristãos, shabaks, turcomenos e yazidis – é uma das razões centrais para o Iraque e a comunidade internacional estarem irritados com a votação.


Cerca de cem mil cristãos passaram os últimos três anos em alojamentos e casas alugadas em Ankawa, e Tomea é uma delas. Ela diz que se sentiu obrigada a votar diante das boas-vindas que recebeu. Samira Dadoo, de 51 anos, que também votou "sim", acrescenta: "Os curdos nos trataram bem nos últimos três anos."


Quase um ano depois de cidades cristãs terem sido retomadas do "Estado Islâmico", as tendas de Ashti-2 estão finalmente ficando vazias. As escolas reabriram nas regiões de origem, e as famílias estão voltando para lá, depois de limparem e consertarem suas casas, muitas vezes danificadas e incendiadas. Mas ainda há medo. "Temos medo de voltar", comenta Dadoo. "Como vai ser nos próximos anos? Tudo o que aconteceu vai se repetir? Haverá um novo Estado Islâmico?"


Mas as duas mulheres esperam que um Curdistão independente possa trazer paz e estabilidade para suas línguas. E mesmo que também estejam voltando, elas dizem que prefeririam ficar. "É melhor aqui", diz Dadoo. "Lá nós perdemos a esperança."


Medo de revanche Enquanto uma ampla parte dos curdos e das minorias foi votar, países vizinhos e o governo em Bagdá reagiram com hostilidade ao referendo, incluindo ameaças de ação militar nas áreas disputadas e de sanções econômicas que podem criar dificuldades para a economia local.


Depois de votar, quatro jovens da cidade cristã de Bartella admitiram estar com medo diante das ameaças que veem nas redes sociais. Apesar de terem votado sim, um deles previu que nada – incluindo a independência – vai realmente acontecer: "Eles não vão permitir, e vamos ser afetados pela alta dos preços."

Hanin Hamid, de 20 anos, que foi votar pela primeira vez, faz uma expressão séria. "Tenho de confiar que os curdos me protejam", ela diz, admitindo que foi o recuo das forças curdas peshmerga, que deixaram as cidades cristãs, que possibilitou elas terem sido tomadas pelo "Estado Islâmico", em 2014. "Espero que eles não nos abandonem de novo. Estou dando uma nova chance para eles."


Quando questionada se vai tentar obter a nacionalidade curda, ela sorri. "Sim, nossa situação sob domínio curdo vai ser muito melhor do que como parte do Iraque." A resistência dela ao governo iraquiano, que é comandado por xiitas e ligado ao Irã, encontra eco em outras minorias.


Estas incluem os shabaks, um pequeno grupo étnico-religioso do norte do Iraque. Dele fazem parte os irmãos Omar e Abdelamir Haider. Eles são de Telfek, perto da segunda maior cidade iraquiana, Mossul. Ambos são motoristas de caminhão e dizem que a esperança de uma melhor qualidade de vida é tão importante como segurança e paz, o que eles esperam que o novo Estado proporcione. "Nosso caso é como o dos curdos: o governo do Iraque não faz nada por nós", comenta Omar. O irmão dele acrescenta: "Somos perseguidos desde Saddam. Mesmo antes da chegada do 'Estado Islâmico', não tínhamos direitos em Mossul."


Comunidades divididas Para algumas minorias, como os cristãos, uma razão para elas apoiarem o Curdistão é a esperança de que o novo Estado lhes garanta uma administração própria, um sonho compartilhado por muitos desde que a violência no Iraque se acirrou com a queda de Saddam, em 2003. Kak Youssef, um cristão comunista que vive no enclave de Ankawa, explica: "Esta é a maneira de conseguirmos a nossa própria província dentro do Curdistão, para que não haja mais discriminação. Temos de conseguir!"


Porém, algumas organizações cristãs, a maioria delas de cristãos iraquianos no oeste, são fervorosas opositoras dessa opção. Elas defendem uma província cristã apenas dentro do Iraque, e alguns cristãos que vivem em Ankawa não querem província alguma: eles querem apenas fazer parte do Curdistão. A questão divide a comunidade cristã no Iraque. Para Youssef, aqueles que não querem fazer parte de um Estado curdo pensam assim por causa de experiências ruins do passado. "Eles estão desapontados. Eles não acreditam que os curdos realmente vão lhes dar uma província."


Há resistência à independência curda também entre as organizações dos turcomenos, principalmente na cidade de Kirkuk. Elas se opõem de forma fervorosa e reivindicam para si essa cidade turcomena, que é rica em petróleo. Alguns também querem ter sua própria região, ainda que ela vá incluir terras que já são parte da região do Curdistão ou dos territórios disputados.


A minoria yazidi – vista por muitos como os curdos originais, antes da chegada do islã à região – está tão dividida como a comunidade cristã, com muitos yazidis que se estabeleceram em décadas recentes no que viria a ser a região do Curdistão dando seu apoio aos partidos governistas. Mas a maioria dos mais de 50 mil yazidis que fugiu da província disputada de Sinjar quando o "Estado Islâmico" lá se estabeleceu, em agosto de 2014, está furiosa porque os curdos não os protegeram, permitindo assim que o "Estado Islâmico" capturasse e matasse milhares de pessoas.


Desde então, eles vivem em alojamentos na região do Curdistão. Muitos deles temem que o referendo leve a uma guerra entre iraquianos e curdos e se deslocaram para Sinjar nas últimas semanas, apesar de a região ainda não ter sido limpa de explosivos e ser considerada politicamente instável. Alguns que ficaram e votaram "não" disseram ter sido intimidados para votar "sim", com ameaças de expulsão dos alojamentos.


Os yazidis estão tão divididos quanto os cristãos sobre a inclusão de sua província num Estado curdo, apesar de eles terem sido beneficiados com a hospitalidade dos curdos nos últimos anos. O discurso oficial do governo curdo é que ele dá as boas-vindas às minorias e quer assumir o papel de seu protetor – um papel que o Iraque desempenhou antes da explosão da violência sectária. Enquanto muitos estão prontos para colocar seus destinos nas mãos dos curdos, outros se decepcionaram tantas vezes que não conseguem mais acreditar em promessas.



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