Em depoimento, Walter Faria admitiu que suas contas foram abastecidas com recursos da Odebrecht e disse também que usava operações com doleiros para enviar à Suíça recursos não contabilizados de suas empresas
Em seu primeiro depoimento à Polícia Federal na Lava Jato, o dono da Itaipava, Walter Faria, afirmou que usou a repatriação junto à Receita Federal para legalizar contas na Suíça usadas como intermediárias do pagamento de propina da Odebrecht no Brasil. O empresário revelou ainda que essas contas eram abastecidas com recursos oriundos de uma contabilidade não declarada, o caixa dois do grupo Petrópolis, por meio de operações com diversos doleiros no Brasil.
O depoimento sigiloso, obtido com exclusividade por ÉPOCA, foi prestado por Walter Faria em 31 de agosto na Superintendência da PF em São Paulo. O empresário citou possuir ao menos quatro contas na Suíça em diferentes bancos, abertas a partir do final da década de 1990. "Todas as contas foram objeto de repatriação junto à Receita Federal, no ano passado", afirmou. Nem o próprio empresário se lembrava ao certo quantas eram. "Deve ter mais contas na Suíça, mas não se recorda o nome, todas estão declaradas; que se compromete a entregar suas declarações ao Imposto de Renda e ao Banco Central, referentes às suas contas no exterior, no prazo de quinze dias."
A Odebrecht já havia revelado em sua delação que transferia recursos para contas da Itaipava para receber dinheiro em espécie no Brasil usado para pagar propina a políticos ou fazia doações por meio do grupo Petrópolis, numa espécie de "caixa três". O programa de repatriação, ou regularização de ativos no exterior, perdoa os contribuintes de crimes fiscais em troca do pagamento de multa, mas a origem dos recursos não pode ser ilícita. No caso de Walter Faria, o recebimento de recursos em suas contas no exterior provenientes da Odebrecht ou de lobistas que atuavam na Petrobras pode comprometer sua adesão ao programa. O grupo Petrópolis é a segunda maior cervejaria do país.
Ao falar sobre essas contas no exterior, o empresário afirmou que a principal origem do dinheiro era uma contabilidade paralela do grupo Petrópolis: "Mantinha recursos oriundos do 'caixa dois' dos rendimentos de suas empresas, disponibilizados por meio de operações de dólar-cabo por intermédio de doleiros de São Paulo, Campinas (José Luís, cujo sobrenome não se recorda) e do Rio de Janeiro, cujos nomes não sabe, pois quem tratava com os doleiros era o seu sobrinho Vanuê Antonio da Silva Faria".
Walter Faria confirmou à PF que uma de suas contas na Suíça foi abastecida com pagamentos da Odebrecht e que, em troca, fazia a devolução de dinheiro em espécie a funcionários da empreiteira, em uma típica operação de "dólar-cabo". "Confirma ter recebido valores em conta na Suíça do grupo Odebrecht, de 2005 e até o ano de 2008; que não se recorda qual era a conta e o banco, os valores eram enviados por dólar-cabo; que não se lembra o montante, mas eram recursos expressivos, o grupo Odebrecht atuou como doleiro, fazendo operações dólar-cabo em seu favor", disse à PF.
O empresário afirmou que as operações eram feitas por executivos da empreiteira de nomes Luís e Olívio, após acerto com o diretor-presidente da construtora, Benedicto Junior. "Indagado sobre quem entregava os valores em reais na Odebrecht, respondeu que acha que eles buscavam os recursos em espécie na distribuição de bebidas do grupo Petrópolis, no Rio de Janeiro e em São Paulo", diz trecho do depoimento.
Durante o interrogatório, o empresário foi questionado especificamente sobre a conta Headliner, no banco BSI. O motivo: o lobista Jorge Luz, preso na Lava Jato por corrupção na Petrobras, havia afirmado que transferiu recursos para essa conta com objetivo de pagar propina aos senadores do PMDB Renan Calheiros (AL) e Jader Barbalho (PA), além do deputado peemedebista Aníbal Gomes (CE) e o ex-ministro Silas Rondeau. Walter Faria classificou de "mentira" as declarações do lobista, dizendo que não conhece Jorge Luz, não conhece os peemedebistas e que não realizou operações financeiras para esses políticos. As declarações de Walter Faria enfraquecem o depoimento de Jorge Luz, que tenta assinar uma delação premiada na Lava Jato.
O empresário, porém, citou que podem ter entrado recursos em sua conta de origem desconhecida por meio de operações dos doleiros que contratava. "Não pode precisar se entraram recursos de empresas de Jorge Luz na sua conta, ou por ordem dele, mas se entrou foi por negócios de Jorge Luz com o doleiro que prestava serviços ao declarante, não tinha nenhuma relação com Jorge Luz, apenas comprava dólares de doleiros por meio de operações dólar-cabo". Essas operações usadas para lavagem de dinheiro geralmente funcionam da seguinte forma: o doleiro recebe no exterior e disponibiliza recursos no Brasil, ou recebe dinheiro em espécie no Brasil e transfere para uma conta no exterior do contratante. O argumento não explica, porém, como o dinheiro poderia ter chegado aos peemedebistas, que, segundo Jorge Luz, eram os destinatários finais dessas transferências.
Questionado sobre um repasse de R$ 3 milhões do lobista Julio Camargo, delator da Lava Jato, à sua conta na Suíça, Walter Faria também atribui o fato às operações com os doleiros. "Provavelmente esses recursos foram negociados pelo doleiro que prestou o serviço de dólar-cabo com terceiros que desconhece; que não conhece Julio Camargo nem nunca teve qualquer operação financeira com ele", afirmou.
Walter Faria disse ainda que os valores debitados em suas contas na Suíça eram creditados em outras contas de sua propriedade e que "suas empresas têm contas em outros países, mas agora não se lembra em quais, se compromete a informar, pois estão todas declaradas no Banco Central".
Apesar de seu sobrinho Vanuê ter sido o responsável por administrar as operações com os doleiros, uma briga familiar entre 2010 e 2011 afastou-os e atualmente eles disputam na Justiça fatias do grupo empresarial. Na década de 1990, porém, Walter Faria tratava diretamente dessas operações. "Era Vanuê quem administrava a compra desses dólares e a realização de operações de dólar-cabo com os doleiros, à exceção do doleiro José Luís, em Campinas/SP, com quem tratou há muito tempo, na década de 1990, quando era distribuidor da cerveja Schincariol."