Siglas já têm nome, sigla e estatuto, mas ainda precisam do apoio de mais de 460 mil eleitores não filiados para sairem do papel; se todas forem aprovadas, país teria mais de 100 partidos lançando candidatos e recebendo recursos do Fundo Partidário.
Siglas já têm nome, sigla e estatuto, mas ainda precisam do apoio de mais de 460 mil eleitores não filiados para sairem do papel; se todas forem aprovadas, país teria mais de 100 partidos lançando candidatos e recebendo recursos do Fundo Partidário.
Juntos, eles são 68. Já têm nome, sigla e estatuto. Alguns têm até hino. Mas, apesar de tudo isso, ainda são partidos em formação.
Para cada um deles ser uma legenda com direito a lançar candidatos e a receber uma fatia do Fundo Partidário, que, no ano passado, atingiu R$ 819 milhões, é preciso apresentar quase meio milhão de assinaturas que devem coletadas em pelo menos nove Estados - e de quem não é filiado a nenhuma sigla.
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Na lista, tem sigla para todo o tipo de causa. Tem o dos Animais, o Militar, o Frente Favela Brasil, o Nacional Indígena, o da Família Brasileira e até o Movimento Cidadão Comum. Seis deles carregam a palavra "cristão" no nome.
As possíveis novas legendas defendem causas aleatórias que vão da proteção aos animais e ao meio ambiente a pautas específicas como o direito à segurança e defesa dos interesses de servidores públicos e privados e também dos pequenos e microempresários.
Há ainda releituras de legendas como a Arena e a UDN, que ajudaram a escrever a história política do Brasil, disputas por siglas como a Prona, do ex-deputado Enéas Carneiro (1938-2007), e até movimentos como o Conservador, que há mais de 20 anos tenta, sem sucesso, sair do papel.
Dos 68 partidos na fila, apenas dois estão em processo mais adiantado. São eles o Partido da Igualdade (ID), que defende a causa de pessoas com deficiência física, e o Muda Brasil (MB), que tem entre os idealizadores o ex-deputado Waldemar da Costa Neto, ex-presidente do PR e condenado no processo do mensalão.
O número de partidos em formação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mais do que dobrou em dois anos, como tentativa de driblar a legislação eleitoral, que passou a exigir fidelidade partidária dos eleitos a partir de 2007.
Isso porque o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que deputados federais, estaduais, distritais e vereadores podem perder o mandato caso troquem de partido, a menos que migrem para legendas recém-criadas.
Essa regra, contudo, não se aplica a cargos majoritários, ou seja, aos eleitos presidentes da República, governadores, senadores e prefeitos, conforme decisão da corte de 2015.
Se conseguirem o registro, as novas legendas dividirão com as 35 já existentes o auxílio financeiro distribuído pelo TSE, que vem do orçamento federal, de multas e doações.
Poderiam ainda abrigar deputados federais e vereadores já eleitos em seus quadros, que, ao trocarem de legenda, levariam com eles o tempo de TV no horário eleitoral gratuito proporcional aos votos recebidos por esses parlamentares.
Reforma política
As futuras novas legendas, contudo, podem ser as mais afetadas pelas mudanças nas regras eleitorais que estão sendo discutidas no Congresso. Debatida de forma fatiada, a atual reforma política ainda precisa passar pelos plenários da Câmara e do Senado até o 7 de outubro para valer nas eleições de 2018.
Mas a Câmara já aprovou o fim das coligações partidárias a partir das eleições municipais de 2020 e novas regras para distribuir o fundo partidário. Os deputados ainda precisam votar destaques para, em seguida, o Senado analisar as mudanças.
O texto-base que passou na Câmara estabelece a chamada cláusula de desempenho nas urnas já partir da eleição de 2018. Pelas novas regras, só terão acesso à assistência financeira e à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na TV os partidos que preencham os seguintes requisitos: obtenham ao menos 1,5% dos votos válidos na eleição para deputados federais, distribuídos por ao menos nove Estados (com mínimo de 1% dos votos em cada um desses Estados); ou elejam ao menos nove parlamentares vindos de pelo menos nove Estados.
As barreiras aumentariam progressivamente até 2030, dificultando ainda mais a atuação de partidos novatos ou dos conhecidos como nanicos, título que a maioria das legendas com pouca ou nenhuma representatividade no Congresso rechaçam.
Se todos os partidos em formação saíssem do papel e fossem parar nas urnas eletrônicas, seria de mais de cem o número de legendas no Brasil. Aumentaria, assim, a concorrência entre as siglas, muitas delas dependentes do Fundo Partidário, em especial depois que as doações de empresas foram proibidas pelo STF.
Ideologia
De acordo com o texto aprovado pela Câmara para o o fim das coligações, siglas com afinidade ideológica poderão, a partir de 2020, se unir em federações para disputar eleições para deputados federal, estadual e vereadores.
Se juntas atingirem as exigências da cláusula de desempenho, mantêm acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV. Mas, em contrapartida, serão obrigadas a se manter unidas, atuando como um bloco parlamentar durante toda a legislatura.
Entre os partidos em formação, nem todos decidiram se seriam progressistas ou conservadores nem têm posições definidas sobre, por exemplo, qual deve ser a participação do Estado na economia.
"Obrigatoriamente teremos que nos posicionar em relação a todos os temas, mas isso fica para um momento seguinte, depois que virarmos um partido", diz Alexandre Gorga, presidente do Partido dos Animais.
Registrada em cartório no ano passado, a legenda se autointitula o "primeiro movimento político no Brasil visando a ampla defesa dos animais não humanos em todas as suas representações biológicas". Gorga diz que a sigla conta com o apoio de 102 ativistas veganos, integrantes de mais duas dezenas de ONGs e de protetores independentes em 18 Estados.
Mas o que os motivou a tentar tirar do papel um partido, em vez de defender a causa por meio de ONGs ou movimentos em defesa dos animais?
"Associações já tem muitas. Queremos mudanças que venham debaixo para cima. Estamos cansados de ver os políticos aparecendo de quatro em quatro anos e nenhum deles defendendo realmente a nossa causa", argumenta Gorga, que é funcionário público em Brasília.
Já o Partido Pirata do Brasil, ou simplesmente Piratas, quer "hackear" o sistema político por dentro para mostrar as disfuncionalidades do modelo brasileiro e "buscar o empoderamento popular", diz um de seus representantes, Daniel Amorim.
A possível sigla surgiu no Brasil enquanto movimento no final de 2007, a partir da rede Internacional de Partidos Piratas, que defendem acesso à informação, compartilhamento do conhecimento e transparência na gestão pública.
Questionado sobre se definirem como de direita ou de esquerda, Amorim diz: "Defendemos a democratização da economia e isso dá um bug nas pessoas" diz, emendando que no estatuto do Piratas está previsto ainda a liberdade de expressão, a plena autodeterminação individual e o ativismo hacker.
Dificuldades
Mas Amorim admite que, para um partido de militância como o Piratas, é muito difícil passar por todas as barreiras impostas pela legislação.
Como foi registrada em cartório em 2012, a legenda não precisa, por exemplo, recolher assinaturas em até dois anos - regra imposta pela Justiça Eleitoral para os partidos em formação criados a partir de 2015.Ainda assim, o representante afirma que o processo é caro e os entraves burocráticos, muitos.
"A lei de partidos é vaga, e às vezes falta um entendimento mais consistente por parte do próprio Tribunal Eleitoral. Tudo fica difícil e caro. Conseguir um CNPJ, abrir conta em banco, publicar o estatuto no Diário Oficial foi complicado para nós", diz.
Segundo ele, coletar mais de 460 mil assinaturas, número exigido pelo TSE, é também um desafio para quem não tem dinheiro. Além de informações pessoais, a assinatura precisa estar igual à do título do eleitor do apoiador.
Há mais de 30 anos o fotógrafo e arquiteto Elton Moreira tenta tirar do papel o Partido Conservador. Na sua opinião, no passado era ainda mais difícil conseguir cumprir todas as regras - mas convencer um eleitor a apoiar a criação de um partido está cada vez mais complicado.
"Muitas pessoas resistem e dizem que não querem apoiar o ladrão do futuro", lamenta Moreira, citando a decepção de muitos eleitores com os partidos e os políticos.
A ideia de criar o Conservador, que chegou a ser registrado em cartório em 1995 como PACO, renasceu no ano passado, quando Moreira e seus amigos viram que pautas como Estado mínimo e bandeiras contra o aborto, a legalização de drogas e a união homoafetiva passaram a ganhar mais adeptos.
O deputado federal Jair Bolsonaro é o nome que mais combina com as ideias do PACO, afirma ele.
O parlamentar, atualmente filiado ao PSC, está sendo cortejado e apoiado por diferentes legendas já criadas e outras em formação.
O nome é meu
O PEN (Partido Ecológico Nacional) conseguiu seu registro de partido oficial em 2012, mas decidiu mudar de nome para garantir a filiação de Bolsonaro. Adilson Barroso Oliveira, líder da sigla, fez uma consulta virtual para saber se seus apoiadores queriam manter o nome original ou se preferiam Patriota ou Prona.
Venceu Patriota, sugestão do próprio Bolsonaro, diz ele.
Mas na lista de partidos em formação há uma sigla com nome muito parecido: Patriotas. "O nosso é no singular", assinala Oliveira, que diz ter recebido um telefonema do presidente da possível legenda que leva o nome no plural pedindo para reavaliar o nome.
O PEN, contudo, deve levar a ideia adiante e pedir a troca de nome no TSE. "Ter ecológico no nome acaba sendo confundido com radicalismo. Não somos radicais, defendemos o sustentável", justifica Oliveira.
Ele espera poder usar o nome Patriota já na próxima eleição, mas isso depende da agilidade do TSE em aprovar o pedido.
PEN quer mudar o nome para Patriota para abrigar o deputado federal Jair Bolsonaro (centro) | Foto: Ag. Brasil
Foto: BBCBrasil.com
Outro partido que ainda nem saiu do papel, mas já apoia Bolsonaro é o Partido Militar, cujo principal mentor é o deputado federal José Augusto Rosa, o Capitão Augusto (PR-SP). A sigla em formação também tem uma relação próxima com a palavra "patriota".
"Assim como os petistas se chamam de companheiro, nós, no Partido Militar, nos chamamos de patriota", diz o parlamentar.
A ideia de criar o Partido Militar, diz Rosa, surgiu em 2010, quando ele se deparou com pesquisas que mostravam que uma grande parcela do eleitorado brasileiro não se identificava com nenhum partido e que um montante expressivo se declarava conservador.
Ele admite que foi criticado por colocar a palavra militar no nome do partido, mas diz que não há motivos para se ter qualquer tipo de receio de associação com o regime militar. Além disso, garante, a legenda não é nem será classista, ou seja, não é para membros das Forças Armadas. Mas vai defender a ordem, o progresso e a segurança pública, afirma.
Em 2010, para criar a legenda, ele conseguiu fazer um encontro virtual, com autorização da Justiça Eleitoral, que reuniu mais de 18 mil pessoas. Agora, corre contra o tempo para coletar as assinaturas que faltam para o Partido Militar poder disputar a próxima eleição.
"Não falta muito", diz, otimista.
Brasil tem 35 partidos registrados, 28 deles com representação no Congresso | Foto: Ag. Brasil
Foto: BBCBrasil.com
Segundo ele, ainda há um esforço no Congresso para mudar a legislação em vigor e jogar para março de 2018 o prazo final para filiação partidária. Atualmente, é preciso se filiar um ano antes para disputar um cargo público.
Apesar de estar à frende de um partido em formação, o deputado acha que a Justiça Eleitoral precisa conter o aumento das legendas que não têm representatividade. "Ter partido é um grande negócio. Dá poder e dinheiro", diz, referindo-se ao que chama de "legendas de aluguel" por negociarem apoios em período eleitoral.
"Não acho que tenham que restringir a criação, mas tem que garantir a representatividade", completa.