Com oceano e atmosfera mais quentes, consequências das mudanças climáticas, furacões de categoria 1 podem atingir o litoral do Sul e do Sudeste do país
Há poucos dias, o furacão Irma fez estragos gigantescos em sua passagem pelo Caribe e pelos Estados Unidos. O fenômeno de categoria 5, considerado o maior dos furacões registrados na última década pela Nasa (agência espacial americana), deixou 82 mortos e milhares de desabrigados, além de causar blecautes, inundações e prejuízos por onde passou.
O Brasil está bem longe de sofrer com eventos como esse ou como o Maria, que nesta semana assolou a República Dominicana depois de passar por Porto Rico. Isso porque esses sistemas se desenvolvem a partir de condições naturais muito específicas. “Os furacões não se formam só com a água quente do mar, em torno de 27 graus. Os ventos daquela região também têm de soprar mais ou menos na mesma direção e com a mesma intensidade até pelo menos uns 10 ou 12 quilômetros de altitude”, explica o professor Pedro Leite da Silva Dias, diretor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP).
Além disso, ainda segundo o professor, a atmosfera propícia para a formação de furacões é a úmida, como a do Caribe e a próxima à Flórida. “Não basta ter o calor aqui embaixo, na superfície. Se não há umidade no ar, não dá para formar furacões”, diz. O oceano também tem papel importante na viabilização desses fenômenos, uma vez que seu volume de água quente, ingrediente essencial para os furacões, não pode ser raso. “Não adianta ter apenas 10, 20 metros de água aquecida. Você precisa ter uma camada de mais ou menos 100 metros de profundidade com temperaturas de ordem de 27 graus ou mais”, completa Dias.
Isso não quer dizer que o Brasil está livre de ser atingido por qualquer tipo de furacão. Com o aquecimento global e o consequente aumento da temperatura dos oceanos, é possível que voltem a ocorrer eventos como Catarina, o primeiro furacão a ser registrado no Atlântico Sul. “As características geográficas, oceânicas e atmosféricas da América do Sul não favorecem a formação de ciclones na costa leste. Mas no cenário em que o planeta tem oceanos e atmosfera mais quentes, que é real, é plausível que fenômenos similares ao Catarina, de categoria 1, possam atingir o Brasil”, explica Francisco Aquino, professor de climatologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Receita para um novo Catarina
Em março de 2004, o Catarina, um fenômeno sem precedentes históricos, causou estragos no litoral de Santa Catarina. É consenso entre os estudiosos que o furacão brasileiro foi um evento excepcional e, no mínimo, curioso. Segundo Aquino, o Catarina se desenvolveu de uma forma, mas se transformou em algo completamente inesperado. “O Catarina começou como um ciclone extratropical, um fenômeno típico do sul do Brasil e da costa leste da Austrália. Ele estava no meio do oceano, já bem menor, e encontrou condições para se reforçar, revigorar, e se mover no sentido oposto, o que não é comum”, afirma o professor. “É até normal que uma tempestade tropical evolua para o Irma ou o Maria, a gente visualiza esse tipo de fenômeno na linha do Equador. Mas a origem do Catarina não é nada equatorial, é extratropical.”
Neste cenário, o aquecimento global pode dar uma “mãozinha” na formação de um novo Catarina. Além das águas mais quentes, a atmosfera mais aquecida e uma provável mudança no regime de ventos, já constatada por pesquisadores, podem colaborar para que tempestades comuns consigam seguir a mesma trajetória do Catarina. “Não é improvável que a gente tenha mais um desses nas próximas décadas”, comenta Dias. “Os estudos mais atuais apontam que o aquecimento global pode favorecer a formação de furacões aqui no Atlântico Sul. Esses fenômenos continuarão sendo relativamente raros, mas já não serão tão surpreendentes como o Catarina.”
Regiões mais suscetíveis
Apesar de a região Nordeste ter as águas mais quentes do país, o que, em tese, favoreceria a formação de furacões, as regiões Sul e Sudeste são as mais propícias para esse tipo de fenômeno. Isso porque no Nordeste brasileiro falta um ingrediente essencial: o vento. “A água daquela região pode até ser mais quente, mas o vento não ajuda. Fora que a atmosfera de lá tende a ser mais seca do que em outros lugares, como o Caribe, por exemplo”, explica o professor Dias. “Essa ‘secura’ faz com que as nuvens evitem aquela região. É um lugar ‘inseguro’ para elas.”
Segundo Aquino e Dias, os estados mais passíveis de ser atingidos por novos “Catarinas” são Santa Catarina, Paraná e São Paulo, com Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Vitória como “margens de erro”. Para Dias, porém, a área de risco pode se estender até o sul da Bahia. “Naquele mesmo ano do Catarina, em janeiro, tivemos um quase furacão de categoria 1, que chegou a ser classificado como tempestade tropical. Imagina onde? Na costa da Bahia!”, relembra. “Existem alguns sistemas que se formam naquela região, mas que acabam indo para leste e se afastando do continente. Esse caso de 2004 se aproximou da costa e trouxe muitas chuvas, o que causou um estrago enorme em Salvador.”