Em depoimento a Moro, petista negou a existência de pacto com a empreiteira Odebrecht; advogado de ex-ministro diz que ex-presidente é dissimulado
Em pouco menos de duas horas de depoimento ao juiz Sergio Moro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou o ex-ministro Antonio Palocci de "calculista, frio e simulador", e negou que tenha feito qualquer tipo de acerto ilícito com a empreiteira Odebrecht.
"Conheço o Palocci bem. Se ele não fosse um ser humano, ele seria um simulador. Ele é tão esperto que é capaz de simular uma mentira mais verdadeira que a verdade. O Palocci é médico, é calculista, é frio."
Lula prestou seu segundo depoimento a Moro nesta quarta (13), uma semana depois que seu ex-ministro da Fazenda afirmou que o petista avalizou um "pacto de sangue" com a Odebrecht, com o pagamento de R$ 300 milhões em vantagens indevidas em troca de manter o protagonismo da empreiteira no governo. O terreno ao instituto estaria incluído nesse valor.
"Eu vi o Palocci mentir aqui essa semana", disse Lula para Moro.
Nesta ação, ele é acusado de se beneficiar de vantagens indevidas pagas pela empreiteira Odebrecht –incluindo a compra de um terreno que seria destinado ao Instituto Lula, e cuja negociação teria sido intermediada por Palocci.
O ex-presidente disse que Palocci nem sequer era responsável por assuntos do Instituto Lula (o que caberia ao seu presidente Paulo Okamotto), e que só se encontrava com o ex-ministro, depois de sua saída do governo, uma vez a cada oito meses.
Lula afirmou não ter raiva de Palocci, "mas pena", e disse que "ele tem o direito de querer ser livre".
"O que não pode é, se você não quer assumir a tua responsabilidade pelos atos ilícitos que você fez, não jogue em cima dos outros", declarou.
"A desfaçatez do companheiro Palocci foi de tal magnitude que ele inventou uma história, de como o Emílio foi lá [no Palácio do Planalto] discutir um fundo com a Dilma". Segundo Lula, Dilma conversava com os principais empresários do país porque foi a ministra responsável pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Também negou que o ex-ministro fosse o indicado dele a interlocutor com a Odebrecht.
Questionado sobre a existência de uma conta de propina mantida pela empreiteira da qual teriam sido deduzidas doações ao Instituto Lula, o ex-presidente afirmou, no depoimento, que este era o trecho mais "hilariante" da delação de Palocci.
"Essa é a peça de ficção mais hilariante que eu vi na fala do Palocci. Eu sinceramente não sei qual era a relação que o ex-ministro Palocci tinha com o doutor Marcelo Odebrecht. Os dois tinham mais de 35 anos de idade, tinham autonomia, conversavam e não me pediam para conversar. Se eles conversavam coisas, se tinha fundo ou se não tinha fundo, doutor Palocci que explique. O Marcelo que explique. O dado concreto é que nem o Marcelo, nem o Emílio Odebrecht, nenhum empresario desse país discutiu finanças comigo".
Lula, porém, afirmou ter "profunda amizade" com o ex-ministro há mais de 30 anos e lembrou que demitiu o correligionário de seu governo em 2006. O petista chamou de "coisa pequena" o motivo da demissão –Palocci era suspeito de participar da violação do sigilo bancário de um caseiro que contrariou versão dele sobre encontros em uma casa frequentada por lobistas em Brasília.
"Ele é que fez pacto de sangue com os delatores, com os advogados e talvez com o Ministério Público. Porque ele disse exatamente o que 'Powerpoint' queria que ele dissesse."
REUNIÃO
Lula elevou o tom de voz e ficou com o rosto avermelhado quando a procuradora quis saber se Emílio Odebrecht havia falado com ele sobre o suposto fundo de R$ 300 milhões.
Durante a audiência, o Ministério Público Federal ainda apresentou uma pauta de reunião do empresário com Lula, que foi entregue à investigação.
A reunião teria ocorrido no dia 30 de dezembro de 2010, nos estertores do governo Lula, no Palácio do Planalto.
No documento, o primeiro item da pauta é a "'Passagem' do histórico de parceria" –o que seria uma referência à troca de governo, de Lula para Dilma, e ao acerto ilícito feito com o intermédio de Palocci.
Na mesma agenda, ainda são listados, debaixo do título "Com ele", os itens: "Estádio Corinthians, Obras Sítio, 1ª Palestra Angola e Instituto".
O petista disse que o documento é falso e "uma mentira".
LAVA JATO
Lula ainda fez críticas à atuação da Polícia Federal e do Ministério Público, e disse que há "uma caça às bruxas" na Lava Jato.
"O Ministério Público ligado à Lava Jato enveredou por um caminho que vocês estão com dificuldade de sair. O objetivo é tentar encontrar alguém para me criminalizar. Esse é o objetivo", afirmou o ex-presidente.
Para ele, a Lava Jato ficou "refém da imprensa". "Nós estamos vendo o que está acontecendo com o [Rodrigo] Janot", disse, em referência ao procurador-geral da República.
Lula criticou a Polícia Federal quando a procuradora quis saber de cópias de e-mails suspeitos encontrados no apartamento do ex-presidente.
O depoimento teve momentos de tensão entre Moro e Lula. O ex-presidente chegou a acusá-lo de ser desrespeitoso, e o magistrado pediu por pelo menos duas vezes que ele "não fizesse campanha ou discurso" e se ativesse ao objeto da ação.
Ao final da audiência, o petista fez uma pergunta ao juiz: se ele poderia dizer aos netos que foi prestar depoimento a um juiz imparcial. Moro respondeu que sim, ao que Lula retrucou: "Porque não foi o procedimento na outra ação".
"Eu vou continuar esperando que a Justiça faça justiça nesse país", declarou Lula.
PALOCCI
O advogado de Palocci, Adriano Bretas, afirmou que "dissimulado é ele [Lula], que nega tudo o que lhe contraria e teve a pachorra de dizer que se encontrava raramente com o Palocci".
"Enquanto o Palocci mantinha o silêncio, ele era inteligente e virtuoso; depois que resolveu falar a verdade, passou a ser tido como calculista e dissimulado", afirmou o defensor, em nota.
"Essa é a lógica dele: os que o acusam mentem, os documentos são falsos, e só ele diz a verdade."
ATOS
Lula deixou a sede da Justiça Federal em Curitiba pouco antes das 16h30, de carro, sem falar com a imprensa.
Na saída, cinco moradores que vestiam camisas verde e amarelas e erguiam bandeiras do Brasil gritaram "ladrão" e "bandido". "Lula ladrão, seu lugar é na prisão", cantavam.
Logo depois de sua saída, a Polícia Militar desmontou as grades que formavam o perímetro de segurança em torno da sede da Justiça. Os carros e pedestres voltaram a circular normalmente.
O petista segue agora para um hotel, onde tomará um banho, e depois participa de ato na praça Generoso Marques, no centro da cidade, com militantes petistas.
No local, o ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão fez ataques à Lava Jato durante sua aula pública sobre a operação. "A Lava Jato acabou com a nossa indústria da construção civil, indústria naval, programa nuclear. Milhares de pessoas ficaram desempregadas. Estes promotores e juízes que vivem na sua redoma de bem-estar social não sabem o sofrimento que causaram a milhares de famílias brasileiras", afirmou.
Manifestantes a favor da Lava Jato e que pediam a condenação de Lula se concentraram no museu Oscar Niemeyer, a cerca de dois quilômetros da sede da Justiça. Não houve registro de confrontos entre militantes.
Moro também ouviu o ex-assessor de Antonio Palocci, Branislav Kontic, na audiência desta quarta (13).