Discussão sobre retirada de segredo tende a retardar o envio à Câmara
O envio da segunda denúncia contra o presidente Michel Temer à Câmara dos Deputados deve atrasar diante da tendência de a nova acusação do procurador-geral, Rodrigo Janot, ser entregue sob sigilo ao STF (Supremo Tribunal Federal).
O pano de fundo da demora está no segredo judicial do acordo de delação do corretor Lúcio Funaro, celebrado com a Procuradoria.
Conforme informou o "Painel" na quinta (31), as informações prestadas pelo delator devem permanecer sob sigilo mesmo após serem homologadas pelo ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato.
Isso porque a PGR quer trabalhar em cima da denúncia com as informações protegidas.
Fachin pretende homologar o acordo até quarta (6). A medida do ministro abrirá caminho para Janot denunciar Temer por obstrução de Justiça e organização criminosa.
A acusação, porém, terá de seguir sob sigilo porque citará trechos da delação de Funaro. Ao denunciar Temer, o procurador-geral pode pedir a Fachin que o acordo de colaboração do corretor, apontado como operador da cúpula do PMDB ligada à Câmara, se torne público.
Com o fim do sigilo, a denúncia pode ser enviada à Câmara, onde precisa ser apreciada pelos deputados, responsáveis por autorizar o STF a receber a acusação e afastar o presidente por até 180 dias.
Fachin tem a prerrogativa de decidir monocraticamente sobre a proteção das informações, mas a tendência hoje é que leve o caso ao plenário do STF por causa das citações a Temer.
Sem previsão sobre essa decisão do Supremo, a denúncia contra o presidente fica à espera de solução para o impasse.
É um cenário que, num primeiro momento, não interessa ao Planalto, disposto a derrubar logo a acusação na Câmara, assim como fez com a denúncia anterior, por corrupção passiva. O governo quer tirar o tema da agenda política do Congresso para acelerar a votação de reformas.
REENVIO
Nesta quinta (31), após fazer ajustes numa cláusula sobre improbidade, a Procuradoria-Geral da República devolveu o acordo de Funaro para a Fachin.
A partir desta sexta (1º), Fachin fará nova análise dos termos e da legalidade das cláusulas e designará um juiz para ouvir o delator com o objetivo de saber se ele não foi coagido a falar.
Segundo a Folha apurou, os termos do acordo de delação impedem Funaro de atuar no mercado financeiro por alguns anos e preveem a saída dele da cadeia até o ano que vem.
De acordo com pessoas ligadas ao caso, o delator cita o presidente Michel Temer e aliados políticos do PMDB, entre eles o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) e o ex-ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo), além do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PMDB-RJ), atualmente preso no Paraná.
Funaro apresenta uma versão de como atuou para operar supostos desvios de recursos públicos para beneficiar políticos no Brasil e no exterior.
Na nova denúncia, Janot pretende apontar que o presidente Temer obstruiu a Justiça ao estimular, na visão da PGR, o empresário Joesley Batista, delator e sócio da JBS, a "comprar" o silêncio de Cunha e Funaro, presos pela Lava Jato.
Em depoimento à Polícia Federal, o corretor afirmou, no entanto, ser "inverídica" a versão de que Joesley comprou seu silêncio.
PRÓXIMOS PASSOS DA CRISE
FLECHADA A expectativa é que o procurador-geral, Rodrigo Janot, apresente ao STF, a partir da próxima semana, uma nova denúncia contra Temer usando informações de Funaro. Com a delação em sigilo, o teor dessa denúncia também deverá ficar em segredo
VAIVÉM Delação de Lúcio Funaro chegou ao Supremo na terça (29) para ser homologada. Na quarta (30), o relator do caso, Edson Fachin, devolveu o material à PGR sem homologar. A Procuradoria fez ajustes e mandou o acordo de volta para o Supremo nesta quinta (31)
NOVIDADE Diferentemente de outras delações recentes, como a da Odebrecht e a da JBS, a PGR não pediu para Fachin tirar o sigilo após a homologação. A expectativa é que o acordo seja homologado pelo ministro na semana que vem, e que o sigilo seja mantido
PUBLICIDADE Fachin deverá decidir sobre a retirada do sigilo no plenário do Supremo, e não individualmente, porque o caso envolve o presidente. Não há data para isso. Uma denúncia criminal contra um presidente precisa de aval da Câmara para prosseguir. Enquanto houver sigilo, Fachin não poderá enviar a denúncia aos deputados
COLABORAÇÃO A delação de Funaro fortalece investigações em curso sobre Michel Temer: por suspeita de obstrução da Justiça (ter dado aval à JBS para comprar o silêncio de Funaro e do ex-deputado Eduardo Cunha) e de organização criminosa, junto com políticos do PMDB. Funaro seria o operador financeiro dessa quadrilha
NA CÂMARA Quando a denúncia chegar à Câmara, passa pela Comissão de Constituição e Justiça e, depois, pelo plenário, onde 342 deputados precisam autorizar seu prosseguimento para que ela possa tramitar no STF. Só então os ministros da corte decidirão se abrem ação penal