Porta-vozes de 10 instituições avaliam que a redução ocorreu na contramão do aumento do número de estudantes
O orçamento para manutenção e investimento das universidades federais brasileiras caiu R$ 3,38 bilhões em três anos, saindo de R$ 10,72 bilhões em 2014 para R$ 7,34 bilhões neste ano. Houve ainda diminuição de mais da metade dos recursos em investimentos (de R$ 3,7 bilhões para R$ 1,4 bilhão) e de 16% no custeio (de R$ 7 bilhões para R$ 5,89 bilhões).
Os dados foram corrigidos pela inflação pelo índice IPCA-IBGE com base em informações enviadas pelo Ministério da Educação (MEC). Foram considerados recursos de fontes próprias, convênios, doações e emendas parlamentares.
A redução, dizem porta-vozes de dez universidades federais ouvidos pela reportagem, não acompanhou o crescimento das unidades, que dobraram o número de seus alunos, de 589 mil, em 2006, para 1,1 milhão, em 2015, conforme os dados do Censo da Educação Superior.
“O ano de 2014 foi o último em que houve correção do custeio pela inflação do ano anterior e pela taxa de expansão do sistema”, diz o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Emmanuel Zagury, também reitor da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ele afirma que a mudança pode prejudicar o desenvolvimento do país.
“Não teríamos o sucesso que temos na produção de alimentos, na exploração de petróleo em regiões profundas e em outras áreas, por exemplo, sem a pesquisa na universidade federal.”
O governo do presidente Michel Temer (PMDB-SP) diz que a comparação com o ano de 2014 é “inadequada”, por se tratar de ano eleitoral, com um aumento de gastos “expressivo” feito pelo governo da presidente cassada Dilma Rousseff (PT), além de destacar que o orçamento deste ano é mais “realista”, pois que está mais próximo do valor empenhado no fim dos últimos dois anos.
Em 2016, por exemplo, o governo aponta que o valor empenhado para atender despesas das federais foi de R$ 1,38 bilhão, montante superior ao de 2015, de R$ 1,32 bilhão. Para este ano, a Lei Orçamentária Anual prevê para investimento o valor de R$ 1,44 bilhão. Mas, até agora, só R$ 281 milhões foram empenhados, de fato.
O ministro Mendonça Filho promete liberar todo o recurso para custeio, mas não se compromete em garantir o investimento total. Ele também criticou a gestão de parte das unidades.
Vida real Para além dessa guerra de números, professores, dirigentes e alunos apontam uma universidade com qualidade diferente daquela do auge da expansão das instituições. Os relatos vão de cortes de contratos de limpeza, equipamentos de custo milionário quebrados há anos sem manutenção e limitação no número de bolsas-auxílio aos alunos.
“Esses cortes colocam em cheque o funcionamento da universidade. Com a nova lei (de cotas raciais e sociais nas universidades), o número de alunos carentes aumenta ano a ano. Temos de apertar os cintos”, diz o reitor da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ricardo Marcelo Fonseca.
“O problema começa em 2015, mas em 2017 está mais difícil. Tudo aumentou: contratos, dissídios das categorias dos terceirizados, etc, mas nosso recurso não cresceu. Começa, então, a haver uma diminuição na qualidade dos serviços”, relata a reitora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Soraya Smaili.
Na prática, alunos que entraram naquele ano do início da crise financeira do País disseram à reportagem que encontraram instituições sem capacidade de oferecer a mesma qualidade de anos anteriores.
“Vejo que os novos alunos não conseguem as mesmas bolsas que eu consegui e também saem muito menos a campo para estudar”, diz a estudante de mestrado no Departamento de Ciências Exatas e da Terra da Unifesp, Letícia Viesba, de 24 anos.
A unidade em que ela estuda, em Diadema, na região metropolitana de São Paulo, sofre há anos com a divisão do câmpus em quatro prédios separados e espalhados pela cidade. Para se locomover entre eles, os alunos têm transporte oferecido pela Unifesp, mas o número de viagens diárias será reduzido de 36 para 24, segundo a direção afirmou à reportagem. Um motorista também será cortado
Na unidade de Santo André da Universidade Federal do ABC, professores reduziram o tempo de pesquisa para fazer a manutenção de parte dos equipamentos de laboratório quebrados. Mas nem sempre isso é possível, já que alguns deles — os mais caros — precisam de mão de obra de fabricantes de fora do país.
“São equipamentos usados por alunos de dentro e fora da instituição, além de empresas da região”, diz o professor Herculano Martinho, que coordena os laboratórios. Um dos mais caros, que é usado para medir a propriedade de partículas, custou US$ 1 milhão e está parado há dois anos. “É trabalho que deixa de ser publicado, dissertação que não é defendida e projeto que fica parado.”
Crise política O ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que a crise financeira divulgada pela Unifesp, com reflexos no Hospital São Paulo, tem fundo político. Ele argumentou que os repasses do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (Rehuf) para Unifesp correspondem a uma parcela pequena da receita (3%) e a suspensão, por si só, não justifica as dificuldades anunciadas pela instituição.
“O cara que perde 3% da receita não tem de estar reclamando. A reitora é uma petista juramentada que está tentando usar esse detalhe para encobrir a incompetência gerencial dela”, afirmou.
A reitora Soraya Smaili não se manifestou. Já o vice-reitor da Unifesp, Nélson Sass, saiu em defesa da colega. “Aparelhamento não há, muito pelo contrário. O partido da professora é a qualidade da educação e do atendimento”, afirmou.
Desafios Cursando o quinto semestre de Agronomia da Universidade de Brasília (UnB), Aline Holanda sentiu na sala de aula o impacto da restrição de verbas das universidades federais. Testes de fertilidade do solo, que no passado eram feitos pelos próprios alunos, agora são executados pelo professor. “Pequenos grupos foram formados para ver o procedimento. Em vez de executores, fomos espectadores”, conta.
Para Laila Fernandes, do quarto semestre de psicologia, o maior impacto da restrição de recursos é sentido na segurança. “Para completar, em alguns locais a iluminação é pouca.” Por essa razão, Laila diz que não escolhe mais disciplinas à noite. “É melhor evitar.” Questionada sobre os problemas, a UnB não se pronunciou.
Quando finalmente voltou a frequentar a Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio (UFRJ), no começo deste ano, Maria Fernanda Fernandez, de 26 anos, se deparou com os cinco elevadores do prédio sem funcionar.
Cadeirante desde 2013, quando ficou paraplégica depois de um acidente de carro, acabou instruída então a utilizar o elevador de carga, o único em funcionamento após o incêndio que atingiu o edifício da faculdade em outubro do ano passado.
Foi ali que Maria Fernanda se deu conta de que, para estar presente nas aulas, enfrentaria ainda mais dificuldades do que imaginava.
O elevador de carga não é acionado apenas por meio de um botão. Um papel fixado com fita crepe na parede de cada andar avisa que, para utilizá-lo, é preciso ligar para um dos dois ramais indicados. Liga do próprio telefone, passam para outro ramal, “não é esse número”, espera… Cada vez que precisa usar o elevador, ela relata uma demora de cerca de 20 minutos.
O pior ocorreu no último dia 4. Depois da aula ter terminado no terceiro andar, Maria Fernanda percebeu que o elevador estava em manutenção. “Eu subi, mas não tinha mais como descer. Os seguranças chegaram a cogitar que eu descesse no colo deles. A espera foi de 40 minutos e eu fiquei muito mal.”
E a falta de elevadores é apenas um dos problemas que afetam o prédio da Faculdade de Arquitetura, que é também o prédio da Reitoria e da Escola de Belas Artes da UFRJ, na zona norte da cidade. Logo na entrada do edifício, chama a atenção uma grande marquise, completamente destruída por infiltrações.
De acordo com a universidade, tanto a situação da biblioteca quanto da marquise são resultado de uma obra que teve “erro na execução do projeto”. Em relação ao incêndio de outubro e as estruturas danificadas, a UFRJ disse que o Ministério da Educação liberou R$ 9 milhões para reformas.