Para o Inca, o aumento nos preços é uma estratégia fundamental para reduzir o consumo de cigarros
O ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse nesta terça-feira (29) que o governo deve discutir um possível aumento de até 50% no preço dos cigarros, conforme recomendação de órgãos internacionais, mas que é preciso discutir também um avanço no combate ao contrabando.
A afirmação ocorreu durante evento do Ministério da Saúde em alusão ao Dia Nacional de Combate ao Fumo. O tema veio à tona após apresentação de dados de uma pesquisa do Inca (Instituto Nacional de Câncer) que mostra que um aumento de 50% no preço do cigarro poderia evitar 136 mil mortes em dez anos no país, além de 507 mil infartos agudos do miocárdio e 64 mil novos cânceres.
Questionado pela reportagem, o ministro admitiu que já há uma discussão sobre o tema junto a outros ministérios. "Há sim uma discussão dentro do governo sobre isso", informou.
"Faz parte da pauta do governo a discussão sobre aumento de preço dos cigarros, mas é uma discussão de governo, interministerial, e não só do Ministério da Saúde. Isso tem seu tempo e está em andamento. A recomendação é essa e estamos tentando avançar nessa direção. Quanto mais ações concretas para reduzir o consumo de cigarro, mais economizaremos na saúde", disse, referindo-se às medidas recomendadas pela Convenção-Quadro para Controle do Tabaco, tratado internacional do qual o Brasil é signatário.
Apesar de dizer ser favorável à medida, Barros, no entanto, citou a preocupação com o possível aumento no contrabando com o maior preço. Antes de comentar sobre a medida, chegou a questionar representantes do Inca presentes no evento sobre qual a parcela de cigarros contrabandeados no Brasil -hoje estimada pela indústria em 30%.
Tania Cavalcanti, do Inca, respondeu que tanto o aumento de preços quanto o combate ao contrabando são medidas que fazem parte da Convenção-Quadro, cuja ratificação hoje tramita no Congresso.
Para ela, o aumento nos preços é uma estratégia fundamental para reduzir o consumo de cigarros. Desde que adotou o aumento da taxação e adoção de preços mínimos para o cigarro, em 2011, o Brasil acelerou a queda no número de fumantes, segundo dados do Ministério da Saúde -passou de 13,4% para 10,2% no último ano.
"Aguardamos o parecer final [sobre a Convenção] para que o Brasil possa avançar em reduzir a questão do consumo de cigarros contrabandeados que é maior na população de menor renda e escolaridade", disse Cavalcanti, que é secretária da convenção.
"Sobre os quais não temos controle de qualidade", emendou o ministro.
"Sim. Mas que matam tanto quanto o convencional", respondeu Cavalcanti.
"Pode ser mais. Não sabemos o que tem lá dentro", retrucou Barros.
Hoje, o aumento do contrabando é o principal argumento da indústria do tabaco para evitar novo aumento do preço dos cigarros. A situação, porém, também preocupa especialistas em saúde pública, que defendem o aumento de preço em conjunto com maior fiscalização.
Segundo o ministro, o governo tentou levar o tema do combate ao contrabando na última reunião com ministros de saúde do Mercosul, mas enfrentou resistência de alguns países, como o Paraguai.
Outras medidas previstas na convenção, como a adoção de mais alertas na embalagem ou até mesmo de uma embalagem genérica, em que todas as marcas seguiriam um padrão semelhante, sem destaque de cores, por exemplo, também estão em discussão, de acordo com o ministro.
"É uma medida adotada em alguns países e há recomendação da Convenção-quadro para que seja analisada", afirmou. "Tudo isso faz parte de um conjunto de medidas para alertar o consumidor sobre os riscos à saúde do que consome", disse, citando também o fato de que o governo discute aumentar a tributação de bebidas açucaradas.
ADITIVOS
Representantes do Ministério da Saúde e Inca também aproveitaram o evento para lançar um posicionamento a favor do veto ao uso de aditivos em cigarros, tema à espera de julgamento pelo STF (Supremo Tribunal Federal).
Embora os aditivos já tivessem sido proibidos pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em 2012, a Confederação Nacional da Indústria obteve uma liminar por meio da ministra Rosa Weber que impediu que a resolução da agência entrasse em vigor no ano seguinte. Desde então, a ação está parada no STF.
Para o ministério e Inca, os aditivos usados para dar sabor aos cigarros tendem a se transformar em substâncias tóxicas durante a queima.
"O açúcar quando queimado se transforma em substância neurotóxica. Sabemos que é um aditivo intencionalmente colocado com esse objetivo", afirma Cavalcanti.
Ao disfarçar o gosto do cigarro, também podem levar crianças e jovens ao fumo, diz a diretora-geral do Inca, Ana Cristina Pinho.
"Todos os estudos mostram que o início do hábito de fumar acontece ao final da infância e início da adolescência. É uma etapa estratégica para se prevenir o hábito de fumar. A adição de sabores tornando o cigarro mais agradável facilita essa adesão ao vício."
Já a indústria alega que os aditivos não servem apenas para dar sabor e que não caberia à Anvisa decidir sobre um possível veto, mas ao Congresso.
Favorável à proibição, Barros aproveitou a cerimônia para pedir a deputados e membros de entidades que visitassem o gabinete da ministra Rosa Weber para pedir que o processo seja colocado em pauta. "Eu já fui duas vezes."
FUMANTES PASSIVOS
O ministério também apresentou novos dados sobre o consumo de cigarros no Brasil. Em oito anos, o número de fumantes passivos dentro de casa diminuiu 42%, segundo dados da pesquisa Vigitel.
Em 2009, o índice de pessoas que inalam a fumaça de cigarro no domicílio correspondia a 12,9% da população adulta. Já em 2016, ano dos dados mais recentes disponíveis, esse percentual caiu para 7,3%.
Apesar da queda, o número ainda preocupa, informa Fátima Marinho, da Secretaria de Vigilância em Saúde. Estudos apontam que a exposição à fumaça do tabaco está relacionada ao aumento no risco de câncer de pulmão, infarto e de outras doenças graves ligadas ao tabagismo.
"Alguns estados ainda têm alta exposição no ambiente domiciliar. Isso mostra o que temos que focar em termos de políticas públicas", afirma.
O governo atribui a queda tanto no número de fumantes quanto no de fumantes passivos às medidas de controle do tabagismo adotadas nos últimos anos, como a definição de preços mínimos e aumento da taxação dos cigarros, o veto à publicidade e a regulamentação da lei antifumo, que proibiu o fumo em lugares fechados, abolindo fumódromos, por exemplo.
Atualmente, uma em cada dez mortes que ocorrem no país são atribuíveis ao cigarro, segundo dados do Ministério da Saúde. O custo estimado em despesas médicas e perda de produtividade devido ao tabagismo é estimado em R$ 57 bilhões por ano. "São 428 pessoas que morrem por dia em mortes atribuíveis ao cigarro", diz Marinho.
Para Tânia Cavalcanti, do Inca, novas "soluções" apresentadas pela indústria, como o cigarro eletrônico, não são inócuas.
"Ele vem sendo apresentado como um produto que reduz danos para aqueles que não conseguem deixar de fumar. Existe um grande debate disso dentro da saúde pública. Tem menos substâncias tóxicas do que o cigarro convencional. Mas não dá para afirmar que vai trazer benefícios a longo prazo. Não é um produto inócuo", disse.