Aves atuavam na segurança dos voos ao espantar pássaros que podem causar acidentes graves; Infraero diz que fará licitação para contratar nova falcoaria
O Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre, não conta mais com a expertise de dez “funcionários” que trabalhavam no reforço da segurança dos passageiros. É que no último dia 15 foi encerrado o contrato com a empresa Hayabusa Falcoaria, que adestrava um grupo de falcões cuja tarefa era espantar outros pássaros que atrapalham a decolagem dos aviões e podem provocar acidentes.
Em nota, a empresa afirmou que “o contrato teve duração excepcional de seis anos e não tinha mais como ser renovado” – há um limite legal para prorrogar contratos sem precisar de nova concorrência. De acordo com a Infraero, estatal que administra o aeroporto, a elaboração de um novo processo licitatório está em andamento – o edital passa por análise jurídica. A Hayabusa diz que não vinha sendo paga pelos serviços há quase sete meses, o que teria causado dificuldades financeiras para a empresa. A direção do aeroporto confirmou o encerramento do contrato, mas não se manifestou sobre a dívida.
Segundo o tenente-coronel aviador Rubens Batta de Oliveira, assessor de gerenciamento de riscos de fauna do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), há registros de 473 casos em todo mundo de acidentes aéreos com mortes envolvendo aves. Para ele, no entanto, esses números podem estar subnotificados devido às dificuldades em identificar as causas das colisões.
Em 1962, o Brasil teve duas vítimas fatais devido à colisão entre um urubu cabeça-preta e uma aeronave. Dois anos antes, em uma situação parecida, uma ave de pequeno porte causou um acidente aéreo que vitimou 62 pessoas em Boston, Massachusetts. Em 2008, uma aeronave Cessna Citation caiu em uma área arborizada de Wiley Post, Oklahoma, nos Estados Unidos, causando cinco mortes – testemunha afirmou ter visto um bando de pássaros sobrevoando o local próximo ao horário do acidente.
O problema também é pano de fundo do célebre pouso forçado de um Airbus no rio Hudson, em Nova York, em 2009, após o avião se chocar com aves logo após ter decolado do aeroporto LaGuardia. O episódio foi celebrizado no filme Sully: O Herói do Rio Hudson (2016), dirigido por Clint Eastwood, com Tom Hanks no papel do piloto que pousou o avião salvando 155 passageiros – apenas uma aeromoça se feriu.
Custo-benefício
Batta destaca o alto custo da falcoaria e o esforço a que as aves são submetidas para serem aptas à atividade. “Não é muito eficaz, o custo-benefício da falcoaria não é dos melhores. Em alguns casos, pode ser eficiente, mas, de maneira geral, é uma medida acessória. Os falcões precisam ter um peso ideal para voar, então, você pega um animal e o mantém em seu limite, na faixa do peso. Se não estiverem com fome, não caçam, se estiverem muito gordos, não voam. Também não voam com chuva ou ventos muito fortes”, analisa.
Além dos falcões, os aeroportos usam outras estratégias para afugentar pássaros como dispositivos sonoros e luminosos e até drones, mas a principal medida é garantir que as aves não encontrem no entorno dos terminais o seu habitat ideal. Urubus, por exemplo, são atraídos pelos lixões urbanos, ainda comuns em grandes cidades. Para Batta, garantir a segurança desses locais é um processo moroso, que envolve várias etapas. “Se tem uma ave que come larvas em uma região de alagamento, é preciso, antes de tudo, cuidar do solo, para dispersar esse animal, que pode trazer grandes riscos”, disse, enumerando a necessidade de retirar atrativos como água, comida e abrigo.