Relatório final de uma força-tarefa federal, obtido por ISTOÉ, revelou que uma quadrilha composta por funcionários do Ministério do Trabalho tem agido em todo o País para fraudar recursos do seguro desemprego
Quadrilhas organizadas por servidores do próprio Ministério do Trabalho montaram um esquema para surrupiar o dinheiro destinado a proteger os trabalhadores desempregados. Foi o que concluiu um pente-fino realizado desde janeiro por uma força-tarefa criada pela pasta. Nos últimos dias, depois de oito meses de trabalho, um relatório foi entregue ao ministro Ronaldo Nogueira. Segundo o documento, mais de 35 mil benefícios haviam sido concedidos de maneira ilegal. Os pagamentos irregulares chegaram a R$ 174,5 milhões. Segundo o ministro, já foi determinado o bloqueio dos proventos, o que gerou uma economia de R$ 541,3 milhões. O golpe, se não identificado, causaria um prejuízo aos cofres públicos de R$ 1 bilhão até o fim deste ano.
Funcionários do alto escalão do Ministério, do Sistema Nacional de Emprego (SINE) e trabalhadores terceirizados do órgão são suspeitos de participação nas fraudes e estão na mira da Polícia Federal nos casos que envolvem o maior volume de recursos desviados.
Todos os ocupantes desses cargos chegaram lá por indicação política e, se não estiveram envolvidos nas irregularidades, no mínimo, fizeram vista grossa e deixaram a sangria correr à solta. O dramático, segundo investigadores, é que a omissão ou participação abrange autoridades federais, governadores e prefeitos de todos os partidos.
Loteamento político Os números desse desvio são eloquentes. Os membros da Força Tarefa, e da equipe do ministro, não se atrevem a estimar o volume de recursos que foram desviados ao longo de anos e décadas. A Polícia Federal já tem provas contra dezenas de funcionários públicos e de terceirizados que participam do roubo do dinheiro público que deveria ter sido destinado a trabalhadores desempregados. Mas a esmagadora maioria desses servidores ainda não foi presa nem exonerada para não atrapalhar as investigações. Antes, a PF quer conhecer a extensão das quadrilhas e seus principais cabeças. Pelo esquema, os documentos de liberação dos seguros eram adulterados, com o uso de CPFs falsos de pessoas inexistentes.
Somente um funcionário envolvido no escândalo estava tentando desviar R$ 19 milhões do seguro-desemprego
O caso mais escandaloso da falcatrua acontece na unidade do Ministério do Trabalho no Maranhão, onde foram detectados 12.851 pedidos de seguro-desemprego fraudulentos, sendo 9.550 na capital São Luís e 2.829 no município de Caxias. Também chama a atenção dos investigadores da Corregedoria do Ministério e da PF a situação encontrada em estados menores, como Alagoas, onde foram registradas 2.827 fraudes, e Goiás, com 2.652 irregularidades comprovadas. Esses números são, proporcionalmente, mais representativos dos registrados em São Paulo, por exemplo. Entre os paulistas foram descobertas 6.267 fraudes no estado, sendo 3.396 na capital e o restante no interior. Os municípios de Poá, Barueri e Ribeirão Pires registraram grande incidência e chamou a atenção dos policiais.
O Sistema Nacional de Emprego (SINE) lidera o ranking da bandidagem, tendo registrado 28.516 fraudes. Depois figuram as Superintendências Regionais do Ministério do Trabalho, com 3.832 casos. Na Caixa Econômica Federal foram encontradas sete irregularidades. Numa delas, 306 empregados domésticos estavam vinculados a um mesmo CPF. As coordenações regionais e municipais do SINE, onde ocorre o maior volume de irregularidades, são preenchidas por indicação política. Daí as suspeitas em relação aos gestores e seus respectivos padrinhos. Essa estrutura existe nos 26 estados e no Distrito Federal, nas capitais e em 25 municípios com mais de 200 mil habitantes.
As indicações políticas nos estados são carimbadas pelos governadores e seus secretários, enquanto que, nos municípios, pelos administradores. Por isso, mesmo que de forma indireta, estão nesse torvelinho, citando apenas onde há maior volume de fraudes: a ex-governadora do Maranhão, Roseana Sarney (PMDB); o ex-governador de Alagoas, Teotônio Villela Filho, além do atual governador Renan Calheiros Filho (PMDB); e o ex-governador de Goiás, Alcides Rodrigues. Vários ex-prefeitos e prefeitos como João Castelo (PSDB) e Edivaldo Holanda (PTC) de São Luís, Gilberto Kassab (PSD) e Fernando Haddad (PT) de São Paulo, estão na mira das investigações. Entre os superintendentes, estão sob suspeita Luiz Antonio Medeiros e Zimmermann Neto, em São Paulo; Israel Maux Lessa e Antonio Barbosa, em Alagoas; Silvio Pinheiro, Julião Amin e Lea Costa Silva, no Maranhão; Jaime Bueno, Arquivaldo Bites e Degmar Jacinto, em Goiás.
CPFs falsos Com ou sem cobertura política, estas quadrilhas usavam senhas de funcionários e de terceirizados para operar as fraudes. Criavam números de CPF e de PIS falsos, vínculos de trabalho em empresas fantasmas e adulteravam salários para entrar com os pedidos. Muitas vezes, usavam o mesmo endereço, ou telefone, em vários pedidos nos postos de atendimento. Para ludibriar a fiscalização, chegaram a ser criadas empresas-laranjas com cerca de 150 empregados inexistentes. Passados alguns meses, grande parte deles foi demitida, gerando o direito de receber seguro-desemprego. Durante o pente-fino, chamou a atenção dos investigadores o fato de agentes públicos (funcionários de carreira ou terceirizados) encaminharem requerimentos de seguro-desemprego muito acima da média na mesma localidade. Ainda durante a devassa, descobriu-se que somente um funcionário envolvido no escândalo estava tentando desviar R$ 19 milhões do benefício. A PF investiga os casos mais expressivos, com valores mais elevados e que envolvem as quadrilhas mais bem organizadas. Cabe à corregedoria da pasta a abertura de processos administrativos contra todos os agentes flagrados. Por avançarem sobre um direito tão importante conquistado a duras penas pelo trabalhador, e pelo tamanho do prejuízo gerado aos cofres públicos, esses servidores merecem uma punição exemplar, senão o afastamento sumário dos quadros do funcionalismo.
A fraude envolve as superintendências regionais do Ministério do Trabalho e os coordenadores do SINE nos estados. Todos eles ocupam os cargos por indicação política