Meirelles e Dyogo Oliveira refazem contas para entregá-las ao Palácio nesta terça-feira
Depois de uma disputa interna no governo em torno das metas fiscais de 2017 e 2018, o presidente Michel Temer colocou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, numa encruzilhada. O rombo das contas públicas poderá subir para R$ 159 bilhões (a fixada hoje é de R$ 139 bilhões), como queria o comandante da equipe econômica, mas as contas terão de ser fechadas sem alta de impostos e sem a receita esperada com o novo Refis (programa de renegociação de dívidas tributárias). Com essa missão quase impossível nas mãos, Meirelles e o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, voltaram a suas equipes na noite de segunda-feira para refazer contas e entregá-las ao Palácio do Planalto nesta terça.
Temer sofreu pressões da ala política do governo e do próprio Congresso, que queriam ver o déficit primário ser elevado para R$ 170 bilhões em 2017 e 2018. Às vésperas de um ano eleitoral, esse grupo não quer ouvir falar em aumento de carga tributária e precisa liberar recursos para mais despesas. O Orçamento de 2017 já foi contingenciado em R$ 45 bilhões, provocando quase um shut down (paralisação da máquina pública), com atrasos em repasses para vários ministérios. Assim, um rombo maior nos dois anos seria uma forma tanto de acomodar as frustrações de receitas quanto a necessidade de afrouxar o cinto apertado deste ano.
Meirelles, no entanto, insistiu para o Planalto que elevar as metas de 2017 (hoje um déficit primário de R$ 139 bilhões) e 2018 (hoje em R$ 129 bilhões) para R$ 159 bilhões seria a melhor saída aos olhos do mercado financeiro. O número já estaria nas contas dos investidores e seria igual ao rombo registrado em 2016, o que significaria que a política fiscal brasileira não está se deteriorando. Para atingir essa meta, contudo, a equipe econômica precisaria aumentar a tributação de pessoas jurídicas (uma vez que o próprio presidente já descartou isso para as pessoas físicas), fazer ajustes em impostos no mercado financeiro e garantir a receita prevista com o novo Refis, de R$ 13,3 bilhões. Foi nesse momento que a situação se complicou.
Segundo interlocutores da equipe econômica, a confusão em torno do drama fiscal do governo federal ocorreu justamente porque Temer trouxe o Congresso para discutir a revisão das metas. Até a última quinta-feira, o governo estava decidido a alterar o déficit primário dos dois anos para R$ 159 bilhões e propor um conjunto de medidas de elevação de receitas e redução de despesas, especialmente com o funcionalismo público.
ECONOMIA COM TETO SALARIAL DE R$ 725 MILHÕES
Uma das ideias é enviar ao Congresso uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que prevê a fixação de um teto remuneratório para todos os servidores do Executivo, Judiciário e Legislativo, incluindo Ministério Público Federal e tribunais de contas de todos os entes da federação. Pelo texto, o somatório de todas as verbas recebidas no exercício da função não poderá ultrapassar o teto de R$ 33.763. O impacto esperado para 2018 com a aprovação da medida é de R$ 725 milhões de economia para a União.
Com o vazamento dessas informações, políticos, inclusive do chamado centrão (grupo de pequenos partidos que compõem a base), entraram em ação. E o presidente, que está em situação política frágil e tem que pagar a fatura de ter conseguido se salvar da denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) na Câmara, cedeu.
— A partir do momento em que (o presidente) meteu um bando de políticos do tal centrão para discutir meta fiscal, esculhambou a discussão que vinha sendo mantida até quinta-feira — disse um interlocutor do governo.
O governo não conseguiu chegar a um consenso em relação ao Refis. A Fazenda insistia que o texto da medida provisória (MP) que criou o programa precisava ser aprovado como saiu do Executivo para que arrecadação fosse a prevista originalmente. No entanto, a MP foi alterada pelo relator na Câmara, deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), que deu benefícios adicionais aos devedores, o que pode reduzir a arrecadação com a medida para pouco mais de R$ 400 milhões. Embora a Fazenda insista na MP, a ala política alega que não há como garantir a aprovação do texto no Legislativo como o governo quer e, portanto, seria melhor não contar mais com o Refis.
Outro ponto de divergência dentro do governo para definir as metas é o programa de concessões, que pode ajudar na realização da meta de 2018. A equipe econômica estuda leiloar o aeroporto de Congonhas no ano que vem. Como ele é um ativo valioso, a outorga seria de, no mínimo, R$ 4 bilhões. Mas isso esbarra na Infraero. Autoridades do setor aéreo afirmam que, sem Congonhas, a estatal poderia quebrar e, por isso, o aeroporto não poderia compor o programa de concessões.
O resultado da disputa interna no governo foi que ontem o próprio mercado reagiu negativamente o dólar subiu para R$ 3,20. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, que defende pessoalmente uma meta maior, teve que entrar em campo para acalmar os ânimos. Ele afirmou por meio de uma rede social que o governo não considera aumentar o rombo das contas públicas para R$ 170 bilhões. “É especulação a notícia de meta fiscal para 17 e 18 de R$ 170 bi. Ninguém trouxe tal valor à discussão nas reuniões de governo”, disse o ministro no Twitter.
O presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ontem que o Congresso não aceita aumento de impostos e alertou que apenas privatizar empresas como aeroportos não adianta. Para ele, daqui a pouco, "não haverá mais o que vender". Maia alertou ainda que a MP do novo Refis não vai render os R$ 13 bilhões previstos pelo governo. Ele reunirá hoje, pela manhã, a equipe econômica com todos os líderes da base aliada. A ideia é que os ministros apresentem o pacote fiscal aos líderes:
— Pode privatizar, como estão dizendo, Congonhas e Santos Dumont. Mas é uma vez só. O déficit da Previdência vai continuar existindo se não fizermos a reforma. Nos próximos 36 meses, não tem mais espaço para se arranjar receita extraordinária. Daqui a pouco, não vai ter mais o que vender.
CONGRESSO CONTRA MAIS IMPOSTO
O presidente da Câmara fez coro com o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), contra aumento de impostos:
— O Congresso não vai aprovar aumento de impostos. A sociedade já paga muitos impostos. Se não organizarmos as contas públicas de uma vez, cada vez vai ficar mais difícil, no futuro, fechar as contas do governo. Se cada vez tem um jeitinho, cada vez aumenta a meta mais do que precisa, acaba gerando um gasto desnecessário e fica parecendo que as coisas caminham bem. Sabemos que as coisas não caminham bem. A Câmara não aceita, e o presidente do Senado já disse isso. E isso é bom.
Maia disse que ainda esperar o texto de um acordo entre governo e parlamentares sobre a MP do Refis, mas foi cético quanto aos resultados dessa negociação:
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— O Refis não vai dar R$ 13 bilhões, porque acho difícil que ele dê isso em qualquer hipótese. Queremos que a Fazenda seja atendida, mas parte da sociedade que vem pleiteando (o programa) também possa ser atendida.
E defendeu o teto salarial:
— Está ficando claro que não há mais recursos para tantos salários indiretos. Isso vai ter que ser reorganizado em todos os poderes.