Dinheiro no exterior teria sido omitido; empresa diz que entregou provas
Um advogado que a Odebrecht aponta como responsável pela movimentação de parte de seu dinheiro sujo no exterior acusa a empreiteira e seus executivos de mentir aos procuradores da Operação Lava Jato e fraudar documentos para ocultar pagamentos ilegais feitos pela empresa nos últimos anos.
Rodrigo Tacla Durán trabalhou para a Odebrecht de 2011 até 2016, quando deixou o Brasil. Ele chegou a discutir com o Ministério Público Federal sua participação no acordo de delação da empresa, mas as tratativas fracassaram. Durán diz ter recusado as condições impostas, mas procuradores da Lava Jato o chamam de mentiroso.
O advogado decidiu então sair do Brasil e procurar as autoridades dos Estados Unidos. Depôs ao Departamento de Justiça dos EUA e viajou para a Espanha, onde foi preso a pedido da Lava Jato. Hoje, solto, Durán se considera um homem livre. O Brasil pediu sua extradição, mas a Espanha negou –ele tem dupla cidadania.
Durán afirma colaborar com investigações sobre a Odebrecht em sete países. Como informou o "Painel" na quinta (10), ele apontou a autoridades de Cingapura sinais de fraude em dois extratos apresentados pelos delatores da empreiteira à Lava Jato.
Em entrevista à Folha por videoconferência, Durán disse que executivos que controlavam um banco adquirido pela Odebrecht em Antígua, um paraíso fiscal no Caribe, desviaram recursos e ajudaram a empresa a esconder beneficiários de propina no exterior: "O maior interesse dela é proteger a movimentação completa do dinheiro, apresentar só uma parte".
*
Folha - O sr. trabalhou para a Odebrecht como advogado ou movimentando dinheiro sujo?
Rodrigo Tacla Durán - Comecei a trabalhar para eles em 2011 como advogado. Fazia diversos trabalhos. Fui advogado das empresas offshore que por muito tempo negaram que fossem deles, inclusive contra a minha orientação.
Segundo a empresa, seu trabalho era movimentar dinheiro ilícito para eles no exterior.
Queria entender qual foi o doleiro que foi na casa do Mauricio Ferro e da Mônica Odebrecht num domingo cedo para discutir estratégia. [Diretor do grupo Odebrecht, Ferro é casado com Mônica, funcionária do grupo e filha do empresário Emílio Odebrecht.]
Em que época foi isso?
Logo depois que começou a Lava Jato, em 2014. Eu estava trabalhando na situação de uma das empresas offshore deles, a que pagou [propina ao ex-diretor da Petrobras] Paulo Roberto Costa. O banco que tinha a conta dessa empresa foi questionado na Suíça e nos Estados Unidos e precisávamos prestar informações ao fisco americano.
Então o sr. representava a Odebrecht nessas empresas?
Negativo. Nunca tinha visto um extrato da conta, não sabia quem havia alimentado a conta nem quem havia recebido dela. Só depois tive acesso a extratos e fiquei sabendo.
O que mais fez para eles?
Uma série de coisas. Tinha problema de desvio de dinheiro, essa coisa toda. Trabalhei nessa parte de proteção e recuperação de ativos.
Tinha algum vínculo formal?
Não, não havia contrato. Nunca houve contrato.
Como o sr. recebia pelos serviços prestados ao grupo?
No exterior, pelas empresas offshore deles. E nas minhas, que são declaradas às autoridades no Brasil e lá fora. Tudo que recebi deles foi declarado. Fui investigado por dois anos e meio pela Receita Federal. Disseram num relatório que "parece" que eu fazia caixa dois para empreiteiras. Se não me multaram até hoje, é porque eu tinha tudo declarado.
Delatores dizem que o sr. também trabalhou para a empreiteira UTC e outras empresas.
Trabalhei com a UTC. Na preparação do acervo, na guarda [de documentos] e na preparação do acervo digital, e pareceres dos processos da UTC e da Constran [outra empreiteira controlada pela UTC e investigada na Lava Jato].
Nunca abriu contas para a Odebrecht no exterior?
O que recebi da Odebrecht recebi em contas minhas, declaradas. Quem movimentava as da Odebrecht era o Meinl Bank [controlado pela empresa em Antígua, no Caribe]. Eles tinham um banco. Para que eles precisavam de mim?
Os executivos da Odebrecht que controlavam o banco apontaram o sr. como doleiro.
Luiz Eduardo Soares, Olívio Rodrigues, Vinícius Borin, Luiz França, Marco Bilinski, eles todos eram sócios num negócio à parte, onde lesavam a Odebrecht. Eles têm interesses pessoais aqui também.
Como assim?
As contas eram operadas de maneira que era possível impedir o rastreamento completo dos recursos. O dinheiro vinha de outros bancos, entrava no banco de Antígua e era transferido internamente para outras contas, sem registro. Assim, não se pode saber ao certo de onde veio e para onde foi boa parte do dinheiro.
Além disso, havia ali contas de diversas pessoas com ligações políticas. Não brasileiros, pelo que eu sei, mas estrangeiros. Quando Borin fez acordo para colaborar com a Lava Jato, quem tinha dinheiro ali evidentemente não foi lá reclamar. Para onde foi esse dinheiro, ninguém explicou.
Os executivos recebiam comissões, transferiam recursos. Em várias situações, levavam dinheiro que era desviado.
Pelo menos um dos delatores, Fernando Migliaccio, admitiu ter recebido essas comissões.
Mas para onde foi o dinheiro? Ele não fala. Esse sistema foi fraudado com o intuito de proteger a eles e à empresa.
O sr. apontou indícios de fraude em dois extratos apresentados pelos delatores à força-tarefa da Lava Jato como prova. Encontrou outros?
Só esses dois. Mas eu tive conta nesse banco e sei como são os extratos verdadeiros.
Quem a Odebrecht quis proteger, se é assim como o sr. diz?
O maior interesse dela é proteger a movimentação completa do dinheiro, e apresentar só uma parte.
Marcelo Odebrecht e outros delatores disseram que todo o dinheiro sujo movimentado pela empresa circulou fora do país, sem participação de bancos brasileiros. É isso mesmo?
No Brasil, não tenho conhecimento. Não acredito que um banco brasileiro tenha participado voluntariamente disso.
Por que o sr. não participou do acordo feito pela Odebrecht com a Lava Jato?
Queriam me imputar crimes que eu não havia cometido, criminalizar meu trabalho como advogado. A Odebrecht queria resolver o problema dela colocando dentro [da delação premiada] o máximo de pessoas.
Na verdade, esse acordou saiu na pressão. Se a empresa não fizesse, os executivos fariam individualmente e o prejuízo seria muito grande.
O Ministério Público fechou acordo com 78 delatores no caso da Odebrecht. Que diferença faria ter mais um, o sr.?
Nesse momento, quando essa situação foi colocada, não havia 78 delatores. Não havia nada. Foi antes de abril de 2016, quando saí do país.
A Odebrecht afirma que o sr. era um doleiro e nunca trabalhou para ela como advogado.
Doleiro não teria as informações que tenho. Pede para o Juca Bala, para o Dario Messer, para o Adir Assad [operadores pegos na Lava Jato], as informações que eu tenho. Podem me chamar de porteiro, de chofer. Eu estava dentro da empresa. Tenho crachá.
Tem? E o sr. guardou?
Guardei.
Então mostra.
Não tem Odebrecht escrito. É cinzinha. Não tem meu nome nem o nome da empresa.
Se seu trabalho era de consultoria jurídica, como tem tanta informação sobre o dinheiro?
A partir do início da Lava Jato, março de 2014, todo mundo ficou concentrado em defender a empresa. Eu estava em um setor sensível e fazia a triagem técnica das informações que poderiam ser repassadas aos advogados. Dentro desse trabalho, soube de muita coisa. Por exemplo, que sempre foi estratégia da empresa resguardar os interesses no Panamá, que chegou a ser o maior faturamento deles.
Delatores dizem que o sr. foi ao Panamá para evitar que o país cooperasse com a Lava Jato.
Evitar, não. Quem conhecia e tinha poder para isso era André Rabello, superintendente da Odebrecht no Panamá. Fui a uma reunião com o Luiz Eduardo Soares e mais dois advogados. Fomos ouvir Rabello. Ele disse que [o governo local] não iria responder ao pedido de cooperação do Brasil. Fui conversar com a Procuradoria e disse: 'Olha, não espere cooperação do Panamá'. Em vez de receber como auxílio, dizem que é obstrução de Justiça, te acusam.
Qual a sua situação nos EUA?
Colaborei com o Departamento de Justiça enquanto estive no território americano [em abril de 2016], sobre assuntos da empresa nos quais eles tinham interesse. Minha colaboração está sob sigilo.
Eles o procuraram?
Fui espontaneamente. A primeira reunião foi em maio. Até novembro foram cerca de dez reuniões. De oito a dez.
Chegou a assinar algo?
Não.
Então como pode haver sigilo?
É uma questão de confiança. Prestei informações das quais vão derivar investigações. Não vou atrapalhá-los.
O sr. sabe que relatos como o seu atendem a interesses contrários ao avanço das investigações da Lava Jato.
Acusar uma pessoa é coisa muito séria, não pode ser feito por diz que diz. A pessoa faz um acordo de delação para se safar de pagar um valor muito maior. Se isso vai atender A, B C, eu não sou político, eu não vivo no Brasil, não dependo do país. Não preciso disso, porque não cometi crime.
Quando não aceitei participar do acordo, sabia dos riscos. Deixe eles falarem o que quiserem. O que eu estou falando, eu vou provar.
OUTRO LADO
Em nota, a Odebrecht afirmou ter segurança sobre a qualidade das informações e das provas que apresentou às autoridades do Brasil e de outros países depois que passou a colaborar com as investigações da Operação Lava Jato.
"A Odebrecht está segura da consistência das revelações e das provas que apresentou à Justiça para reparar os seus erros e colaborar com o combate à corrupção", disse.
"As provas foram confirmadas por empresas especializadas em análises de documentos judiciais", acrescentou. "Elas serviram de base para acordos já homologados pela Justiça Federal do Paraná, pelo STF e pelas autoridades de diversos países, inclusive Estados Unidos."
Segundo a nota, a Odebrecht "reafirma o seu compromisso com a verdade, e está à disposição das autoridades para esclarecer dúvidas, mesmo as levantadas por fontes sem interesse na apuração dos fatos".
Num comentário publicado nas redes sociais na semana passada, o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, afirmou que Durán chegou ao Ministério Público "cheio de mentiras" e fugiu após ter sua proposta de colaboração recusada.