A mídia naturaliza o desmonte; para termos dimensão do seu impacto, é preciso acompanhar a discussão travada por quem fez e faz a Petrobras: trabalhadores
Principal fórum dos petroleiros, o XVII Congresso Nacional da Federação Única dos Petroleiros (FUP) começa a partir desta quinta-feira (3 de agosto), em Salvador (Bahia). Na pauta, o desmonte da Petrobras e o impacto da privatização de unidades estratégicas da empresa.
Como a mídia apoia e naturaliza o desmonte da Petrobras, para termos a dimensão do impacto que isso significa, é preciso acompanhar a discussão travada por quem fez e faz a Petrobras: os trabalhadores do setor. No site da Federação Única dos Petroleiros (FUP), por exemplo, é possível encontrar análises e dados que derrubam qualquer justificativa em prol das privatizações.
O Congresso Nacional da FUP, inclusive, trará as bandeiras da campanha “Privatizar faz Mal ao BRasil”, realizada há 17 anos pelos petroleiros, contra a sanha privatista do governo FHC. “Petrobras passa a ser PetroBrax”, estampava a Folha de S. Paulo, em 27 dezembro de 2000. Eram tempos de FHC, de Pedro Parente - atual presidente da estatal - à frente da Casa Civil (1999-2003).
Tempos que pareciam ultrapassados durante a era Lula, quando a Petrobras não só foi reerguida, como se tornou uma das maiores entre os gigantes mundiais do setor e um dos pilares da política de desenvolvimento nacional, gerando empregos e impulsionando atividades econômicas locais e regionais. “A Petrobras era o centro de uma política industrial que envolvia a utilização de uma grande riqueza descoberta, que é o pré-sal brasileiro”, relata José Sérgio Gabrielli, ex-presidente da empresa, em entrevista concedida ao Brasil de Fato.
“A ideia de conteúdo nacional apontava que era possível produzir no Brasil, isso significava aumentar a capacidade de produção dos estaleiros, da indústria naval, da indústria mecânica, da indústria de tubulações, de compressores, de sistemas submersos, o que teria impacto sobre a economia brasileira, geração de emprego e renda associada à expansão de produção de petróleo”, detalha Gabrielli.
Dos recursos do pré-sal, estava acordado: 75% dos royalties do petróleo iriam para a educação, 25% para a saúde e 50% de todos os recursos do Fundo Social do pré-sal para os dois setores. Uma lei garantia isso, chegou a ser aprovada e sancionada, sem vetos, pela então presidenta Dilma Rousseff em setembro de 2013. A lei que garantia isso foi sancionada, em setembro de 2013, pela então presidenta Dilma Rousseff. Na época, estimava-se que seriam injetados, ao longo de dez anos, R$ 112 bilhões na área da educação; e, em 30 anos, R$ 362 bilhões no setor da saúde.
Um pacto de cidadania. Uma aposta, sem precedentes, no futuro. Uma oportunidade brutalmente esmagada após três anos de Operação Lava-Jato (confira análise do professor Francisco Fonseca) e um ano da camarilha instalada no Palácio do Planalto. Fazendo política, a mídia golpista varreu e continua varrendo esse legado do mapa. Basta digitar “Petrobras” na busca de qualquer site de algum jornalão e ver o resultado. É preciso um mínimo de conhecimento do jogo político para não cair no engodo das privatizações.
Daí a importância de acompanhar sites como os da FUP. Em “As ações criminosas de Pedro Parente contra a Petrobras e o país”, por exemplo, estão reunidos seis pontos principais que dimensionam o desmonte em curso. “O presidente da Petrobrás está doando aos estrangeiros subsidiárias lucrativas e estratégicas, como a Liquigás e a BR Distribuidora. Além de comprometer o abastecimento de gás de cozinha, gasolina, diesel e de outros derivados, a privatização destas empresas deixará o consumidor brasileiro à mercê dos oligopólios privados”, alerta o texto.
O artigo também menciona demissões em massa: o corte de 55 mil postos de trabalho na empresa e a demissão de mais de 50 mil trabalhadores diretos nos estaleiros brasileiros. Várias reportagens trazem dados de quem está na luta em defesa da Petrobras.
Deyvid Bacelar, coordenador do Sindipetro Bahia, por exemplo, conta que “já [foram vendidas] 50% das termelétricas Rômulo Almeida e Celso Furtado e já colocaram à venda a Rlam, o Terminal de Madre de Deus, os campos terrestres; a Liquigás já foi vendida, assim como a Petroquímica de Suape e a nossa participação na Braskem; a BR Distribuidora está prestes a ser entregue e também a PBIO”.
Redução dos investimentos Segundo o economista Rodrigo Leão, pesquisador do Grupo de Estudos Estratégicos de Propostas da FUP (GEEP), já foram vendidos US$ 13,6 bilhões em ativos da estatal. Também foram reduzidos 75% dos investimentos realizados entre 2013 e 2016, saindo de US$ 48,8 bilhões para US$ 11,5 bilhões, afirma ao site da FUP.
Os petroleiros também denunciam a venda de 74 unidades de exploração e produção de petróleo em cinco estados do país. Estimam que apenas na Bacia de Campos, onde estão 14 das áreas anunciadas, 10 mil empregos estão ameaçados, apontando uma redução na receita da estatal de US$ 1 bilhão anuais, de acordo com levantamento realizado pelo Sindipetro-NF.
Denúncias que não encontram espaço na mídia. Se na época de FHC, os jornalões acenavam as privatizações como único caminho dada a “incapacidade da Petrobras de produzir petróleo” –completamente desmentida pelo governo Lula -, agora, a mídia justifica o desmonte incensando as dívidas da Petrobras que, no primeiro trimestre do ano, chegou a R$ 364,8 bilhões.
Nesta semana, Pedro Parente anunciou a concessão de 30 campos de petróleo em águas rasas nos estados do Ceará, Rio Grande do Norte, Sergipe, Rio de Janeiro e São Paulo. Parente afirma que a Petrobras continuará operadora de todas as concessões.
Na lista, estão dois campos históricos – e simbólicos – da Petrobras: o campo de Guaricema (Sergipe) onde aconteceu a primeira descoberta de petróleo no mar brasileiro, em 1968, mesmo ano da criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP); e campo de Enchova que, em 1977, inaugurou a produção de petróleo na Bacia de Campos que se estende na costa litorânea nas imediações de Vitória (ES) até Arraial do Cabo (RJ).
Além do campo de Enchova, são alvos: os campos de Pargo (Rio de Janeiro), Pampo (Rio de Janeiro), Merluza (São Paulo), Sergipe Mar (Sergipe) e Ceará Mar (Ceará), Rio Grande do Norte Mar (Rio Grande do Norte). No último sábado (29.07.2017), após a divulgação da notícia, o Sindipetro-NF divulgou uma dura nota em seu site:
“O ataque, que vinha acontecendo nos campos terrestres, em refinarias e subsidiárias, chega agora às áreas de maior produção, visibilidade e interesse das multinacionais do setor petróleo. Uma ofensiva somente possível em razão da conjuntura de impunidade conferida à Direita brasileira pela Operação Lava Jato e pela cumplicidade do poder judiciário e da grande imprensa", afirma o texto.
Em junho deste ano, Parente anunciou o planejamento estratégico para a empresa. “Estamos recomeçando o processo (desinvestimento), e estamos evoluindo para anúncios seguidos de processos de vendas para cumprir a nossa meta de US$ 21 bilhões até o final do próximo ano”, afirmou em entrevista para O Globo.
Ao analisar os dados do último balanço divulgado pela Petrobras, o economista Paulo Kliass salienta “a força da empresa e de todos os que colaboram para sua sobrevivência tem se revelado espantosa”. Apesar das políticas de desinvestimento de sua atual gestão e das decisões de reduzir a presença da estatal no cenário nacional e global, “o gigante tem resistido bravamente”.
Kliass mostra que entre janeiro e junho deste ano, “a empresa que havia sido decretada como falida e ineficiente produziu mais do que em igual período ao longo de todos os anos anteriores de sua história. Foi atingida a marca de 2,79 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boed), um total envolvendo petróleo e gás natural”. E afirma: “os dados apontam para uma tendência crescente dos valores de produção a cada período” (Confira aqui a íntegra da análise).
É essa pujança que está sendo negociada às custas daquele Brasil que todos nós sabemos ser possível.
Confira também o nosso especial Petrobras: Nação ou Mercado?