A pequena Pacaraima, em Roraima, tem 12 mil habitantes e é praticamente a única porta de entrada de venezuelanos no Brasil por via terrestre — a outra é pela fronteira com o Amazonas, sem cidade perto, em área de selva. Distante apenas 15 km da venezuelana Santa Helena, Pacaraima sofre com aumento da violência, ausência do Estado e recebeu, de 2016 para cá, pelo menos 37 mil venezuelanos. O número, segundo o prefeito da cidade, Juliano Torquato dos Santos (PRB), de 36 anos, pode ser de 20% a 30% maior — já que muitos entram sem se registrarem, pelo fato de a fronteira ser pouco fiscalizada. Em entrevista por telefone ao GLOBO, o prefeito diz que a cidade está abandonada, sem recursos e afirma temer que a situação piore com a acentuação dos confrontos na Venezuela. “Pode ficar incontrolável para o Brasil”, diz o prefeito.
O GLOBO: A piora da situação venezuelana já ecoa na fronteira do Brasil?
JULIANO TORQUATO DOS SANTOS: A situação tem piorado nos últimos meses, a questão da Assembleia Constituinte do último domingo ainda está concentrada no centro do país, mas tememos que chegue logo à fronteira sim. Porque ainda não tivemos nenhum aporte do governo federal. Estamos há uns seis meses em diálogo com o governo federal porque não temos condição nenhuma de atender à demanda dos venezuelanos que chegam por aqui. O que me preocupa mais é falta de segurança, porque nossa fronteira é seca (sem acidentes geográficos, o que facilita o fluxo de pessoas), e a Venezuela está cheia de problemas sociais. Há muitos armamentos e drogas entrando, e essa fronteira é completamente descoberta.
O GLOBO: Como se dá essa chegada dos venezuelanos?
SANTOS: Pacaraima é a porta de entrada, serve de passagem. Os que chegam a pé vão em sua maioria para Boa Vista ou Manaus. Mas é aqui que são documentados. A cidade venezuelana de Santa Helena, que fica a 15km, tem uma população de 60 mil habitantes. O que eles fazem aqui é utilizar nossos serviços públicos, como saúde, assistência social. Nosso município tem 12 mil habitantes, é de pequeno porte, com duas unidades básicas de saúde, com quatro equipes trabalhando, recurso mínimo para medicamento. A situação é essa, temos praticamente quatro cidades com o recurso de uma. Imagina o caos. O Brasil ainda não reconheceu o problema da Venezuela.
O GLOBO: Está entrando muita arma e muita droga por Pacaraima?
SANTOS: Existe sim, a gente sabe que isso acontece. Há muita entrada de mercadoria, de produtos ilícitos. Armas, prostituição, tráfico de pessoas, porque a fronteira é completamente descoberta, 100%. Não existe nenhuma barreira de controle neste sentido. Eu acho que falta o governo federal, os ministérios de Justiça e Defesa olhar para isso porque pode virar uma situação incontrolável para o nosso país.
O GLOBO: Que tipo de apoio vocês estão tendo, tanto do Estado brasileiro quanto de organismos internacionais? Existe um centro de acolhimento? Alguma ONG trabalhando aí?
SANTOS: Nada disso, ninguém está aqui. Existe um batalhão do Exército de fronteira, que não atua além dos seus domínios. Só existe um posto de controle da Polícia Federal para se pedir a entrada no país. Há quem peça apenas viagem, com tempo determinado para voltar, mas sabemos que boa parte não volta. E há os que pedem refúgio. De 2016 para cá, 30 mil se registraram como “turistas”, de passagem, e 7 mil entraram pedindo refúgio. A partir daí perdemos o controle das pessoas. Elas se deslocam a pé pela BR-174 e podem ir para qualquer lugar do Brasil. É comum vocês verem grupos cheios de criança se deslocando pela estrada, a pé, indo para Boa Vista. Não tem nenhuma agência humanitária para atender as pessoas em Pacaraima.
O GLOBO: E o Estado?
SANTOS: Nada, o que estamos esperando é um aporte do governo federal e alguma parceria com o governo do estado de Roraima para montar o que seria uma Casa de Passagem, para pelo menos identificar quem entra. Mas até o momento tivemos somente reuniões, planejamentos. Todos os levantamentos que a Prefeitura passou para o governo federal e para as organizações até agora não deram em nada efetivo.
O GLOBO: Todas as pessoas que entram são identificadas?
SANTOS: Não, de 20% a 30% não. Não sei te precisar quanta gente chega. Dos turistas de passagem, muitos têm data para voltar e acabam ficando. Hoje esse número é incalculável e pode ser que este número dê em caos. Problema sério.
O GLOBO: O quão a cidade já mudou após a piora da situação na Venezuela?
SANTOS: Pacaraima ficou irreconhecível de um ano para cá. A insegurança é muito grande, furtos, sequestros, homicídios. Só no ano passado 10 pessoas foram mortas - uma apenas havia sido morta entre 2000 e 2016. O que acontece é que nossa população local, maioria indígena, está criando uma antipatia muito grande com o povo venezuelano que não poderia acontecer, porque eles estão tirando trabalho informal dos habitantes do município, é uma mão de obra barata e eles fazem o trabalho por menos ainda.
Está criando um problema sério econômico e social. As pessoas estão uma contras a outras. Existe hoje uma guerra de mão de obra, que é muito difícil.
O GLOBO: O que o senhor precisa para a situação melhorar no município?
SANTOS: Tem que ter intervenção militar, por ser área de fronteira, olhar mais para a gente. O Brasil tem que se preparar para uma situação que pode ficar cada vez mais difícil na Venezuela. É um munício que se acontecer algo pior, fazer a prevenção seria mais fácil para se preparar para uma situação mais difícil que possa acontecer. População completamente sem segurança e infraestrutura.