Três gerações, nove pessoas e uma doença. Esses são os números que circundam as vidas da família Moura Martinelli, carioca e de descendência portuguesa. Os nove foram diagnosticados, a partir de testes genéticos, com polineuropatia amiloidótica familiar (PAF). Hereditária, irreversível e incurável, a enfermidade tem um nome tão feio quanto o seu efeito: pode matar em dez anos, se não tratada bem no início.
A PAF, ou doença dos pezinhos, como ficou conhecida, começa a se manifestar a partir dos 30 anos, por meio de formigamentos e perda de sensibilidade nas pernas e nos pés. Depois, evolui para braços e mãos, levando à atrofia e à perda dos movimentos.
Há ainda outros sinais, que variam de acordo com o paciente, mas incluem alterações gastrointestinais, insuficiências renal e cardíaca, glaucoma e disfunção erétil.
— São sintomas que podem ser confundidos com os de outras doenças. A comunidade médica, mesmo a portuguesa, nem sempre diagnostica a PAF. Se o histórico de casos não for conhecido na família, é difícil — disse a médica Isabel Conceição, responsável pelo centro de referência da doença em Lisboa, Portugal, país que registrou os primeiros casos da doença no mundo.
A PAF ocorre devido a uma mutação genética que faz com que a proteína transtirretina (TTR) seja produzida de forma instável e se aglomere em vários tecidos do corpo. A TTR é gerada pelo fígado (95%), mas também pelo cérebro e pelo vítreo (perto da retina).
Tratamento complexo
Embora a PAF seja incurável e irreversível, há duas maneiras de tentar estacionar a doença: transplante de fígado — que produz a TTR instável — ou o tafamidis, medicação que estabiliza a proteína, impedindo seu enovelamento nos tecidos. No Brasil, a Anvisa aprovou o remédio em novembro do ano passado. Embora ele já esteja disponível no mercado, o preço é um complicador: R$ 21 mil, a caixa com 30 compridos — tratamento para um mês.
Desde fevereiro deste ano, a Pfizer, que fabrica o tafamidis, com o nome de Vyndaqel, aguarda decisão da Conitec, comissão do Ministério da Saúde, para incorporar o remédio ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Saiba mais
Para saber se uma pessoa tem a mutação genética que provoca a instabilidade da proteína transtirretina (TTR) é preciso um teste genético, que pode ser feito a partir de coleta de sangue ou de raspagem da mucosa da bochecha. No Brasil, o teste genético é feito com indicação médica em pessoas com mais de 18 anos que tenham histórico familiar ou sintomas da doença.
O primeiro médico a descrever a doença foi o neurologista Corino de Andrade, no Hospital Santo Antônio, no Porto, em Portugal, em 1939. A região de maior incidência, onde provavelmente a doença apareceu primeiro, é Póvoa do Varzim, no Norte do país.
Estudos mostram que 80% dos pacientes com a mutação manifestam a PAF. Os outros 20% podem passar a vida sem sequer saber que têm a mutação. A mais comum é a V30M, mas existem mais de 130 mutações já registradas pelo mundo, que podem desencadear a PAF.
Homens têm formas mais agressivas da doença. A idade média de aparecimento dos sintomas em mulheres é de 37,2 anos e em homens, 32,6. Há registros de que 10% dos casos, porém, ocorram em pacientes com mais de 50 anos.
— Meu pai é português, mas o primeiro a ser diagnosticado na família foi meu irmão, que morreu aos 43 anos. Meu sobrinho também faleceu, e decidimos fazer o teste genético, em 2006: eu, meus filhos, minha irmã e os filhos dela. Descobrimos que todos temos a doença. Desconfiei quando estava numa dança de salão com os pés descalços e, quando terminou, eles estavam sangrando e eu não senti nada. Hoje, nos apoiamos um ao outro e vamos monitorando a doença. Estou na Justiça para conseguir que o Estado pague a medicação, que é cara. Não ando mais na rua sozinha e parei de usar salto — afirmou a dona de casa Maria Tereza Moura, de 64 anos
*A jornalista viajou a convite do laboratório Pfizer