Empresário ligado a políticos romenos tinha negócios no Brasil. Sua morte é cercada de mistérios
A Romênia tornou popular a lendária personagem do Conde Drácula, mítico homem-vampiro que sugava o sangue das suas vítimas para se eternizar.
É também da Romênia outro tipo de predador que veio parar nas paradisíacas terras do nordeste brasileiro, mas desta vez para lavar o dinheiro sugado dos cofres públicos do país.
E apesar de parecer uma história de ficção como a do Conde Drácula, esta realmente aconteceu, e foi no Brasil.
Costa Rica, 25 Fevereiro de 2015
Após embarcar no aeroporto de Fortaleza com destino à Costa Rica, o milionário romeno Costel Comana foi encontrado morto no banheiro do avião, enforcado com os cadarços dos sapatos.
A polícia costarriquenha informou em coletiva de imprensa que a acompanhante do empresário, Felícia Purcareanu, dormiu durante a viagem. Ao acordar, disse não viu mais o companheiro e que este andava depressivo.
A polícia caribenha concluiu que a morte foi suicídio.
Música, trens e dinheiro... Muito dinheiro
Os mistérios que cercam a morte se originam na Romênia na década de 80, quando Costel estudava na Universidade Politécnica de Bucareste com os amigos Liviu Dragnea e Mugurel Gheorghia, com os quais formou uma banda de rock e dividiu o dormitório estudantil na faculdade.
Costel tornaria-se milionário explorando o transporte ferroviário de passageiros. Liviu Dragnea virou político de sucesso, chegando a governador do seu Estado, presidente do congresso nacional e do maior partido político do pais. Mugurel trabalhou como executivo de uma grande empresa.
Liviu Dragnea virou político de sucesso, chegando a presidente do congresso nacional e do maior partido político do pais Reprodução
Mas o Ministério Público da Romênia descobriu que Costel enriqueceu valendo-se de negócios obscuros e pagamento de propina ao político e amigo Dragnea em troca de vantagens em licitações e contratos com o poder público.
Investigado no seu país, Costel formava aos poucos uma nova vida no Brasil. Comprou um apartamento no dia 2 de fevereiro de 2015 por R$ 580 mil, com vista ao mar, no luxuoso condomínio Dream Bech Ocean View, na praia de Cumbuco.
A empresa de Costel, que chegou a ser a maior operadora ferroviária do país, sofreu um duro golpe duas semanas depois, quando o sócio de Costel, diretores da empresa e autoridades foram presos acusados de corrupção e outros crimes. Costel se livrou da cadeia porque estava no Brasil.
No dia 24, uma semana após as prisões, Costel viajou no voo Avianca 0248. Fez escala em Bogotá na Colômbia e chegou a Costa Rica na manhã do dia 25, quando foi encontrado morto no banheiro do avião.
O mistério da noiva ausente
O “Organismo de Investigación Judicial (OIJ)” da Costa Rica confirmou a morte por asfixia como suicídio por enforcamento.
Segundo Francisco Segura, diretor do órgão à época, Comana estaria em depressão ocasionada por problemas de saúde. Suas declarações se basearam no depoimento prestado pela acompanhante e namorada de Comana, Felicia Purcareanu.
Mas a versão é desmentida pela filha do empresário, Adela Comana, em declarações a um portal de notícias romeno bzi.ro, nas quais afirma que o pai não tinha nenhum problema de saúde.
Reforçam o mistério da morte os registros da imigração brasileira nos quais consta que Costel saiu do Brasil no dia 24 de fevereiro, ás 23h18. Mas não há nenhum registro da saída Felícia nessa data.
Dela constam duas entradas. Uma no dia 23 de fevereiro, dois dias antes da morte e outro no dia 27 de março, quase um mês após. Nesse intervalo não há registros de saída.
Como então ela estava no avião? Como e quando saiu do Brasil? Como prestou depoimento a polícia de Costa Rica se não embarcou junto com ele?
Dois anos depois a pergunta continua sem resposta.
“Grupo Cumbuco” no Brasil
Grupo Cumbuco é o nome como passou a ser conhecido o grupo de romenos que frequentavam a praia do mesmo nome no litoral do Ceará.
O primeiro a chegar em fevereiro de 2008 foi o atual presidente do congresso Liviu Dragnea, que já era um político poderoso na Roménia.
Um ano depois, em de 16 de fevereiro de 2009, Dragnea voltaria acompanhado de Costel Comana e Murugel Gheorghias, ritual de viagens que se repetiria inúmeras vezes por nove anos. Costel esteve 11 vezes no Brasil, Dragnea 16 e Mugurel 13. Outros integrantes do grupo eram Mihai Mazare, Radu Mazare, Irina Tanase e a própria Felícia Purcareanu entre outros.
Empresas e propriedades
Em 2010 Mugurel abriu no Brasil a M&J Investimentos Turísticos com capital social de R$ 1.6 milhão, quase US$ 1 milhão na época.
Por exigência legal, Mugurel se associou a um brasileiro. Seu nome era Cauby Cursino Campos Junior, que foi registrado na empresa com 1% do capital.
Poucos meses depois a empresa comprou uma casa de luxo a beira mar por R$ 1,3 milhão, ou mais de US$ 765 mil.
Mais tarde, Costel Comana abriria duas empresas com o mesmo brasileiro Cauby investindo ao todo R$ 4 milhões aproximadamente.
Uma delas era a Regiotrans Fabricação de Locomotivas, mesma empresa que o tornou rico na Roménia.
A outra era a Robra Construção, destinada á construção de ferrovias, estradas e grandes obras de engenharia. O nome Robra vem da junção dos nomes da Romenia e do Brasil. Seu capital social era de R$ 3 milhões.
Em ambas as empresas Cauby tinha uma participação de 10%.
Porém, segundo uma investigação conduzida pelo jornalista Paul Cristian Radu, da OCCRP (Organized Crime and Corruption Reporting Project), organização de jornalistas investigativos do leste europeu, era Dragnea quem beneficiava os negócios do grupo.
Cauby, o sócio brasileiro
Cauby Júnior conheceu o presidente do parlamento romeno quando prestava serviços de motorista a ele nas visitas ao Brasil. Hoje, aos 37 anos, é um empresário bem-sucedido.
Até 2007 Cauby tinha duas propriedades em nome dele. A partir de 2010, após a abertura da primeira empresa em sociedade com os romenos, ele aparece dono de pelo menos outros três imóveis em condomínios de alto padrão como o Summerville, Jardim Reale e Paradise Flat, todos em Cumbuco.
Cauby também tem uma locadora que adquiriu pelo menos 36 veículos entre 2014 e 2017.
Por telefone perguntamos sobre seus negócios com os estrangeiros. Cauby disse que apenas emprestou o nome e que não ganhou nenhum dinheiro por isso. Afirma que a vida tem algo a mais do que só dinheiro e explica que ceder o nome para sociedades com estrangeiros é prática difundida no litoral.
— Se você vier aqui na praia, em qualquer praia do litoral nordestino, você vai ver caseiro, que o rapaz já tem um relacionamento, vai abrir uma empresa, coloca o caseiro com 1%, motorista de táxi com 1%, coloca o contador com 1%, o advogado com 1%, a namorada.
Cauby nega que seu patrimônio seja resultado de negócios com os romenos.
Para o jornalista Paul Radu, os romenos precisavam de alguém na região para controlar os negócios.
— Cauby Junior era perfeito para isso porque ele é de lá e como motorista conhece as pessoas –
O advogado dr. Abdo Jorge Salem destaca que um estrangeiro que não mora no Brasil só pode abrir empresa aqui se ele tiver um sócio brasileiro. Por isso, os romenos precisavam de um parceiro nos negócios.
Vendas após a morte
Um documento redigido no dia 1º de janeiro de 2015 dissolve a sociedade entre o milionário e o sócio brasileiro na empresa Regiotrans.Quem assina em nome próprio e do milionário é Cauby Campos Júnior.
Outro documento com a mesma data informa na Junta Comercial que Costel teria vendido sua parte da empresa Robra para Cauby, que passou a ser dono da empresa e consequentemente do apartamento de luxo comprado dias antes da morte de Costel em nome da empresa.
Mas estes documentos só foram registrados na Junta Comercial no dia 6 de março, oito dias após a morte de Costel e 63 dias após ser redigido.
Chama a atenção que os documentos foram assinados por procuração quando o próprio Costel Comana esteve no Ceará pelo menos três vezes entre 19 de dezembro de 2014 e a data da sua morte — ou seja, ele próprio poderia ter assinado.
Também a afirmação de Cauby de nunca ter ganho dinheiro ao ceder seu nome para o milionário abrir a empresa no Brasil é contraditória com o fato de ter se tornado proprietário da empresa e do apartamento.
Para encerrar o mistério, apesar dele se tornar dono da empresa e do apartamento, pouco mais de um mês após da morte de Costel, Cauby assinou uma procuração outorgando poderes a Felícia, a misteriosa ex noiva de Costel, para vender o apartamento de luxo do milionário.
O apartamento foi vendido e a escritura assinada por Cauby em abril de 2015.
Investigação do Ministério Público Federal
Para o Procurador do MPF Rômulo Moreira Conrado á claros indícios de lavagem de dinheiro.
— Caso esses recursos tenham sido obtidos ilicitamente e tenham resultado na aquisição de propriedades no Brasil, há toda a caracterização do crime, em tese, de lavagem de dinheiro, que decorre, exatamente da prática de um crime, que pode ocorrer tanto no Brasil, quando no exterior.
As movimentações de Cauby nas empresas também vão ser apuradas
- Caso, efetivamente, não existam as procurações, ficará evidenciado um crime de falsidade ideológica, na medida em que a assinatura não tem base e não há autorização do outro sócio.
O advogado especialista dr. Abdo Jorge Salem explica que, ao registrar o contrato social, a Junta Comercial é obrigada guardar essa procuração.
— Se não existe essa procuração, é evidente que o ato é inválido.
Também explica que, mesmo que houvesse uma procuração, ela perderia o valor legal por um detalhe importante:
- Qualquer ato posterior a essa procuração, ainda que exista, ela é inválida porque o sujeito já estava morto.
* Colaborou Karla D. Silva